Acórdão nº 3795/13.8TBMTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 10 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA AM
Data da Resolução10 de Fevereiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 3795/13.8TBMTS.P1- Apelação 1ª Comarca do Porto – Póvoa de Varzim Instância Central – 2ª Secção Cível J2 Relatora: Maria Amália Santos 1º Adjunto: Desembargador José Igreja Matos 2º Adjunto: Desembargador João Diogo Rodrigues* Acordam no Tribunal da Relação do Porto:*Nos presentes autos de acção declarativa de condenação sob a forma comum que lhe move o “B…”, a Ré “C…, S.A.”, apresentou contestação na qual invocou a excepção dilatória da preterição do Tribunal Arbitral alegando, em resumo, que conforme resulta da cláusula 11ª do acordo de subscrição do aumento de capital celebrado entre o A. e os accionistas da R. em nome individual “Em caso de litígio ou disputa quanto à interpretação, aplicação ou integração deste acordo e não sendo possível obter uma solução amigável e negociada, poderá qualquer das partes, a todo o tempo, recorrer à arbitragem, nos termos da presente cláusula. (…) A arbitragem será realizada por um tribunal arbitral, constituído nos termos desta cláusula e, supletivamente, pelo disposto na Lei nº 31/86 de 29 de Agosto (Lei da Arbitragem voluntária) ou em legislação que a venha substituir.”.

Nos termos do referido acordo de subscrição do aumento de capital, o A. comprometeu-se, perante os accionistas da R. e em determinadas circunstâncias, a subscrever o aumento de capital na sociedade Ré.

Perante o referido acordo a R. foi instituída beneficiária das obrigações ali assumidas – de subscrição e realização do aumento de capital – pelo que consubstancia um contrato a favor de terceiro. Assim sendo, a convenção de arbitragem vale também para o terceiro, quer este tenha aderido ou não ao contrato, uma vez que este assume, em ambas as hipóteses, uma posição jurídica delineada com os contornos da estipulação contratual.

Assentando a pretensão do A. na violação do referido acordo, deverá considerar-se a convenção de arbitragem estabelecida no mesmo extensível à ora Ré.

A preterição do Tribunal arbitral determina a incompetência absoluta deste Tribunal pelo que deverá ser absolvida da instância.

*Na réplica a Autora respondeu à excepção invocada pela Ré, alegando, em síntese, que não estamos perante um contrato a favor de terceiro uma vez que inexiste qualquer estipulação contratual no referido acordo de subscrição que confira um efeito positivo para a R.

A existir alguma estipulação contratual a favor da R. apenas poderia reportar-se ao acto de subscrição do aumento de capital, a qual, tendo sido realizada esgotou os seus efeitos, e que conforme resulta da cláusula 9ª do aludido acordo de subscrição, este “é celebrado exclusivamente para benefício das Partes Contratantes, e não pretende conferir benefícios ou criar quaisquer expectativas a favor de outras pessoas que não as referidas Partes Contratantes”, pelo que as partes, expressamente não pretenderam conferir quaisquer efeitos a quem não fosse parte contratante.

Alega, ainda, que não tendo a R. subscrito a convenção arbitral, não sendo parte contratante, é evidente que caso tal convenção fosse invocada para efeitos de demanda da R. (como esta pretende), esta claramente iria invocar a sua não aplicação e mesmo nulidade, o que certamente teria a concordância do tribunal Arbitral, ficando o A. destituído de instâncias, judiciais ou arbitrais, para onde recorrer para salvaguarda dos seus legítimos direitos, o que configuraria manifestamente uma violação do art. 20º da Constituição.

*Foi proferida decisão a julgar procedente a excepção dilatória da violação de convenção de arbitragem, e, em consequência, a absolver a Ré da instância.

*Não se conformando com a decisão recorrida, veio o A. dela interpor recurso de Apelação, apresentando Alegações e formulando as seguintes Conclusões:

  1. Apenas a parte contratante numa convenção de arbitragem terá legitimidade para arguir a excepção dilatória de preterição do tribunal arbitral.

  2. Como facilmente se verifica da mera leitura da convenção arbitral, a Recorrida não é parte signatária.

  3. Nesse sentido, o Tribunal a quo deveria, logo aí, ter concluído pela ilegitimidade da Ré, ora Recorrida, para arguir tal excepção, pelo que ao não fazê-lo violou o disposto no art. 94º, nº 1 a 3, al. e), 95º, 97º, nº 1, 277º, 278º, nº 1, al. a) do CPC.

  4. Como parece ser evidente, as partes não têm a obrigação de suportar a intervenção no processo arbitral de sujeitos que não celebraram consigo a convenção arbitral; desta forma, o direito de arbitrar não é apenas o direito de arbitrar ou não arbitrar sobre determinada matéria, mas também o direito de arbitrar como se quer e com quem se quer em determinada matéria.

  5. Aliás, resulta desde logo do art. 36º da LAV que a pluralidade subjectiva só é admitida na arbitragem se, desde logo, tiver havido vinculação à convenção arbitral (que não houve da parte da Recorrida) ou consentimento das partes (que inexiste).

  6. É preciso ter presente que a extensão da convenção de arbitragem a terceiros não signatários poderá consubstanciar uma situação de abuso uma vez que não existe uma verdadeira vontade das partes de estender tal convenção de arbitragem a um terceiro não subscritor.

  7. Ora, o Tribunal a quo ao configurar o acordo de subscrição do aumento de capital social como um contrato a favor de terceiro (qualificação que se rejeita) nunca poderia ter estendido a convenção de arbitragem a esse terceiro, pelo que ao fazê-lo não só colocou em causa a autonomia de tal convenção de arbitragem, como violou o princípio da autonomia da vontade das partes e atentou contra o disposto no art. 449º do Código Civil.

  8. Diremos, ainda, com o devido respeito por opinião contrária, que discordamos que tal acordo (de subscrição de aumento de capital social) possa ser considerado um verdadeiro contrato a favor de terceiro.

  9. O nº 1 do art. 443º do Código Civil diz-nos que o terceiro é “estranho ao negócio”.

  10. Salvo o devido respeito por opinião contrária, não vemos como poderá aplicar-se ao caso o disposto no art. 443º do Código Civil, não nos parecendo possível qualificar tal contrato como um (verdadeiro) contrato a favor de terceiro, desde logo porque a Recorrida não poderá ser considerada um “terceiro, estranho ao negócio”.

  11. O benefício do terceiro tem de nascer directamente do contrato e não de qualquer acto posterior.

  12. Ora, com o acordo de subscrição do aumento de capital social (que não se confunde com a convenção arbitral), celebrado entre o Recorrente e os accionistas da Recorrida, não nasce logo o aumento de capital social, sendo preciso, ainda, que esse aumento de capital social seja votado em assembleia geral pelos accionistas e que, posteriormente, seja celebrada a respectiva escritura, feito o pagamento das acções contra entrega das mesmas e o respectivo registo.

  13. Pelo que, salvo o devido respeito por melhor opinião, esteve mal o Tribunal a quo ao aplicar ao caso o disposto no art. 441º do Código Civil.

  14. Acresce que o art. 406º, nº 2 do Código Civil exprime que as estipulações num contrato só produzem o efeito estipulado nas esferas jurídicas das próprias partes, e não na de terceiros, salvo quando um efeito positivo seja especificamente estipulado para um terceiro.

  15. A relatividade dos contratos, consagrada neste art. 406º, nº 2, é uma decorrência elementar do princípio da autonomia privada.

  16. Face ao exposto, não temos dúvidas em afirmar que ao qualificar o acordo de subscrição de aumento do capital social, celebrado entre o Recorrente e os accionistas da Recorrida, como um contrato a favor de terceiro, permitindo que a Recorrida possa invocar a convenção de arbitragem, o Tribunal a quo, salvo o devido respeito, fez uma incorrecta qualificação jurídica do contrato, subsumindo-o, erradamente, ao disposto no art. 443º do Código Civil, violando desta forma o disposto no art. 405º, 406º, 443º e 449 do Código Civil, bem como o disposto nos arts. 2º e 36º, da LAV, colocando em causa a...

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