Acórdão nº 2104/05.4TBPVZ.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 10 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelRODRIGUES PIRES
Data da Resolução10 de Fevereiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 2104/05.4 TBPVZ.P1 Tribunal Judicial de Póvoa de Varzim – 1º Juízo Cível Apelação Recorrentes: “B… – Companhia de Seguros, SA”; C… Recorrida: D… Relator: Eduardo Rodrigues Pires Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Pinto dos Santos Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto: RELATÓRIO Nos presentes autos é autora D…, residente na Rua … n.º …, … e são réus C…, com domicílio profissional na “E…, S.A.” – E1…, Apartado …, ….-… Póvoa de Varzim, Hospital …, com sede em Rua …, Valongo e Hospital de S. João, sito na …, …., Porto.

São chamadas a Companhia de Seguros F…, S.A, com sede em …, …, Lisboa e B… - Companhia de Seguros, S.A., com sede em Rua …, .., Porto.

Pede a autora a condenação dos réus, solidariamente: - a pagarem-lhe o montante indemnizatório global de 304.711,55€, sendo 200.000,00€ a título de danos não patrimoniais sofridos e o restante a título de danos patrimoniais, acrescidos de juros legais desde a citação até efectivo e integral pagamento; - o valor relativo a danos futuros e o que se vier a liquidar em execução de sentença.

Funda a autora tal pedido na circunstância de o primeiro réu, enquanto trabalhava na segunda ré, lhe ter realizado uma colonoscopia durante a qual sentiu imensas dores; depois de tal exame foi acometida de obstipação intestinal, intensas dores e vómitos alimentares que a levou a procurar a urgência do Hospital …, aqui terceiro réu, onde esteve em observações por um período de cerca de três horas; tendo regressado a casa os sintomas eram cada vez mais graves, tendo, por isso, recorrido aos serviços de urgência do Hospital S. João, ora também réu, onde, durante cerca de 11 horas, a autora efectuou vários exames e análises, sem que lhe fosse diagnosticada a origem das intensas dores abdominais que sentia e cuja intensidade não diminuía e sem que lhe tenha sido ministrado qualquer medicamento que as diminuíssem, sendo certo que na sequência da ecografia abdominal que lhe foi feita, foi detectada a existência de líquido intraperitoneal; como a situação continuava por resolver a autora acabou por se deslocar para o Hospital de Santo António, no Porto, onde lhe foi diagnosticado quadro de abdómen agudo que se verificou estar relacionado com peritonite fecal secundária à perfuração de sigmóide, ou seja, foi-lhe diagnosticada uma perfuração com cerca de 2 cm de diâmetro no cólon, perfuração feita durante o exame realizado pelo réu; a autora foi sujeita a cirurgia de urgência, seguindo-se um longo período de hospitalização em que esteve em perigo de vida e doença, de difícil e penosa recuperação, tendo ficado com sequelas para o resto da vida.

Alega a autora ter sofrido danos patrimoniais e não patrimoniais em virtude da conduta negligente do primeiro réu, que realizou o exame mencionado nas instalações pertencentes à segunda ré, com aparelhos médicos a esta pertencentes e a quem o primeiro réu prestava serviços mediante remuneração (tendo obtido a segunda ré vantagens com a realização do exame já que a autora lho pagou directamente), pelo que estes dois réus são responsáveis pelos danos que lhe foram causados.

Também o terceiro réu é responsável pelo ressarcimento desses danos, na medida em que contribuiu para o agravamento do estado da autora, visto não ter efectuado à autora os exames normais e necessários ao correcto diagnóstico do seu estado, tendo-lhe sido feito apenas um teste sumário de urina e diagnosticada uma infecção urinária.

Da mesma forma, contribuiu o quarto réu para esse agravamento da situação clínica da autora, tendo esta aí permanecido cerca de 11 horas sem que tenha sido internada, não tendo sido dado relevo à situação de líquido intraperitoneal que foi detectada, não tendo sido correctamente diagnosticada e nada tendo sido feito que assegurasse o tratamento da ora autora.

Veio contestar o Hospital … defendendo-se por excepção, alegando que a jurisdição comum é incompetente para conhecer da presente acção, já que o Hospital é um estabelecimento público dotado de personalidade jurídica, cabendo essa competência ao T.A.C. do Porto; mais defende que os factos alegados pela autora para defender a responsabilidade do ora réu são insuficientes para poder determinar qualquer responsabilidade desse réu, não existindo qualquer nexo de causalidade entre tais actos e os danos referenciados pela autora.

O Hospital de S. João contestou alegando que a autora, naquela unidade hospitalar foi sujeita aos exames necessários, tendo sido confirmada a existência de uma infecção urinária (já diagnosticada pelo Hospital …) e, porque se admitiu a existência de outros problemas, pediu-se a colaboração de médicos dos serviços de Medicina Interna e Hematologia Clínica que, contudo, não chegaram a intervir porque a autora abandonou as instalações do Hospital, impedindo a conclusão definitiva do diagnóstico e a terapêutica adequada à sua situação clínica; de qualquer forma, durante o tempo em que a autora permaneceu nas instalações do réu, foi medicada; o réu impugnou ainda a matéria alegada pela autora, defendendo terem sido empolados os danos alegados pela autora, sendo certo que quem suportou os respectivos encargos hospitalares foi a ADSE, referindo ainda que o réu, a ser condenado não o poderia ser solidariamente com os demais réus, sendo a sua responsabilidade limitada.

A ré “E…, S.A”, contestou, alegando que o réu C… presta serviços na E1… desde o ano de 1991, tendo uma vasta experiência profissional e desempenhando a sua profissão com rigor, seriedade e diligência, qualidades com que realizou à autora o exame em causa, o qual decorreu com toda a normalidade; a autora, realizado tal exame, nunca mais retornou às instalações da ré para se submeter a qualquer observação clínica, nem se queixou de qualquer complicação subsequente ao exame; a perfuração do intestino é uma complicação possível à realização da colonoscopia, mesmo agindo-se com todo o zelo e cuidado pelo que a perfuração, a ter ocorrido durante o exame, não ficou a dever-se a incúria ou falta de atenção. Esta ré impugnou ainda os factos alegados pela autora e requereu a intervenção da Companhia de Seguros F…, em virtude de ter celebrado com a mesma um contrato de seguro, para ela transferindo a responsabilidade civil extracontratual por danos patrimoniais e não patrimoniais causados a terceiros decorrentes da sua actividade.

O réu C… contestou também impugnando a factualidade vertida na petição inicial, alegando que a autora, quando o contactou, apresentava já um quadro abdominal de dor crónica, distensão muscular e obstipação, circunstâncias que a levaram a procurá-lo e a realizar o exame de diagnóstico em causa; o exame foi efectuado com total respeito pelas legis artis, sendo que a autora, durante o mesmo, não apresentou queixas que não fossem as consideradas “normais”, tanto mais que lhe havia sido administrado um sedativo; o réu não teve qualquer participação ou, sequer, conhecimento dos actos médicos praticados pelo Hospital de Santo António, sendo que o conjunto de sequelas referenciadas pela autora advêm do conjunto de actos por este praticados; a perfuração do intestino pode ser causado por uma simples espinha ou osso deglutida pela autora. Mais alega o réu que os factos ora em análise se encontram já a ser apreciados em procedimento criminal instaurado contra o réu, por via de queixa apresentada pela autora, pelo que o pedido de indemnização civil deveria ter sido formulado no processo crime; no caso concreto, atenta a descrição dos fatos efectuada pela autora o regime de solidariedade nunca seria o aplicável, configurando um conjunto de relações jurídicas e não apenas uma única relação material controvertida, respeitante a várias pessoas: segundo a versão da autora, do contacto com a mesma havido pelos diferentes réus, emergiram quatro relações jurídicas perfeitamente distintas e autónomas, ainda que encabeçadas pelo mesmo sujeito, pelo que nos encontramos perante uma situação de responsabilidade conjunta.

Replicou a autora alegando que: - os factos que originam a responsabilidade do Hospital … não são actos de gestão pública, sendo os Tribunal comuns os competentes para conhecer da presente acção; - no inquérito originado com a sua queixa de índole penal, apresentado há mais de dois anos por referência à data da réplica, até àquele momento, não foi proferido despacho de arquivamento ou acusação pelo que, nos termos do artigo 72.º/1, a) do Código de Processo Penal, era legítimo à autora propor a presente acção; - mantém tudo o por si já alegado na petição inicial.

Admitida a intervenção da Companhia de Seguros F…, S.A., veio a mesma alegar que o presente sinistro jamais foi comunicado à interveniente, passando a impugnar os factos alegados pela autora e referindo ainda que à E… não foi dada, pela autora, possibilidade para avaliar a situação clínica da autora, depois do exame, não tendo sido alegados fatos que permitam estabelecer um nexo causal entre a eventual perfuração e as complicações relatadas pela autora, sendo esta própria que alega que estas complicações tiveram origem na omissão de deveres de cuidado e diligência por parte dos Hospitais de Valongo e Porto.

O réu C… requereu a intervenção provocada nos autos da B…, Companhia de Seguros, Ld.ª, por ter celebrado, com a mesma um contrato de seguro por via do qual transferiu para a seguradora a responsabilidade civil adveniente dos actos praticados no exercício da sua profissão, sendo que esta, citada, veio esclarecer que tal seguro, à data dos factos alegados pela autora, vigorava para um capital máximo de anuidade e por sinistro de €85.156,77 em danos corporais e €17.654,45 em danos materiais, com franquia no valor de €49.88, sendo que os factos objecto do presente processo nunca foram participados à seguradora; a interveniente impugnou os factos alegados, referindo serem exageradas as quantias peticionadas.

A fls. 489 dos autos, em sede de audiência preliminar, foram os réus Hospital de S. João e Hospital …...

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