Acórdão nº 156/13.2GCVFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 18 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelRAUL ESTEVES
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam em Conferência os Juízes do Tribunal da Relação do Porto: 1 Relatório Nos autos de Processo comum com o nº 156/13.2GCVFR.P1 que correu os seus termos no Tribunal Criminal da Comarca de Santa Maria da Feira foi proferido acórdão que condenou o arguido B…, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punível pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, n.º 4, n.º 5 e n.º 6 do Código Penal e um crime de violência doméstica, em autoria e na forma consumada, previsto e punível pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea d), n.º 2, n.º 4, n.º 5 e n.º 6 do Código Penal, respectivamente nas penas de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão e 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão. Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva.

Foi ainda condenado, em sede de pedidos cíveis, a pagar à assistente a título de compensação por danos não patrimoniais, a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), a que acrescem os correspondentes juros de mora legais, vencidos e vincendos, desde a presente decisão, até integral pagamento, e a pagar ao menor C…, a título de compensação por danos não patrimoniais, a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), a que acrescem os correspondentes juros de mora legais, vencidos e vincendos, até integral pagamento.

Não conformado com tal decisão, veio o arguido, interpor recurso para este Tribunal, juntando para tanto as motivações que constam de fls. 314 e seguintes dos autos, e que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais, concluindo nos termos, que, por súmula, se transcrevem: - A matéria de facto assente sob o ponto 6 dos factos provados não foi provada durante o julgamento, tendo sido apenas referida pela assistente mediante perguntas sugestivas formuladas pelo Tribunal, tendo-se esta limitado a responder “sim”; - De igual forma deve ser dada como não provada a matéria constante dos pontos 7, 20 e 21 dos factos assentes; -Não se mostram provados factos que permitam ao Tribunal julgar procedentes os pedidos cíveis; - Os montantes indemnizatórios mostram-se excessivos; - As penas em que o arguido foi condenado mostram-se excessivas; - A pena única em que o arguido foi condenado devia ter sido suspensa na sua execução.

O MºPº respondeu ao recurso, concluindo não merecer o acórdão qualquer censura, devendo o recurso ser julgado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Neste Tribunal o Ilustre Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

Foi cumprido o disposto no artigo artº 417º nº 2 do CPP.

Cumpridas as formalidades legais, procedeu-se à Conferência.

2 Fundamentação Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – vícios decisórios e nulidades referidas no artigo 410.º, n.º s 2 e 3, do Código de Processo Penal – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.

No caso o recorrente sintetizou o objecto do recurso na apreciação das seguintes questões:

  1. Mostrar-se erradamente julgado o facto constante sob os números 6 da factualidade provada; B) A matéria factual provada sob o número 7, e consequentemente sob os números 20 e 21 dos factos assentes, não preenche a tipicidade do crime.

  2. Não se terem provados factos que sustentem as decisões sobre os pedidos cíveis; D) As penas aplicadas ao recorrente mostrarem-se excessivas; E) A pena única em que o arguido foi condenado haveria de ser suspensa na sua execução.

    Cumpre assim apreciar e decidir.

  3. Mostrar-se erradamente julgado o facto constante sob os números 6 da factualidade provada; É o seguinte o teor da decisão da matéria de facto do acórdão recorrido: Os factos provados Discutida a causa, resultaram provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos: 1) O arguido casou com D… a 22 de Outubro de 2009, tendo vivido em comunhão de mesa e cama até 13 de Abril de 2013, data em que esta abandonou o domicílio comum.

    2) Desse relacionamento nasceu E… a 17 de Janeiro de 2011.

    3) O arguido, D…, E… e C…, menor de 11 anos de idade e enteado do arguido, residiam na …, n.º .., ..º esquerdo, …. – … …, Santa Maria da Feira.

    4) Desde o nascimento da filha, E…, o arguido começou a alterar o seu comportamento com a D… e o C….

    5) O arguido ao longo do casamento, desde o nascimento da filha, embora nunca tenha agredido fisicamente a D…, constantemente apodou-a de “filha da puta”, dizendo-lhe também, designadamente, que ela não valia “merda nenhuma” e que tinha de ser ela a pagar as contas todas em casa.

    6) O arguido, desde aquele período e ao longo do casamento agrediu por variadas vezes, em datas não concretamente apuradas, com bofetadas no rosto e na cabeça e com puxões de orelhas, o menor C….

    7) O arguido obrigava C… a trazer as compras da garagem para o 2.º andar enquanto lhe dizia: “anda lá despacha-te, senão dou-te já um pontapé no cú”, sendo que muitas das vezes o seu enteado era obrigado a transportar sacas pesadas, designadamente, com batatas ou pacotes de leite.

    8) Como a D… via que o seu filho C… não tinha capacidade física para transportar e carregar objetos tão pesados, tentava auxiliá-lo, o que lhe era proibido pelo arguido que lhe dizia: “ele pode bem não tens nada que ajudar”.

    9) Volvido um ano desde a celebração do casamento com D…, o arguido não a deixava sair de casa e caso fosse necessário fazer compras só podia se ausentar do domicílio comum na companhia do arguido.

    10) Sempre que o arguido abandonava o domicílio comum fechava as portas da casa que dão acesso ao exterior à chave. Como a D… não tinha chaves do domicílio não conseguia sair da residência sempre que o arguido se ausentava.

    11) Quando o arguido fervia o leite para a sua filha E…, colocava uma pedra branca do jardim no recipiente, por crença de que isso acalmaria as cólicas daquela.

    12) Como a D… não conseguia viver mais naquelas condições, no dia 13 de Abril de 2013, pelas 11 horas, dirigindo-se ao arguido, disse-lhe que não conseguia viver mais em cativeiro e que caso este não a deixasse sair de casa que se atirava de uma janela.

    13) Perante tal, o arguido contactou um Advogado, Dr. F… que, juntamente com outra Advogada, de identidade não apurada, compareceu no domicílio comum.

    14) O Advogado foi com o arguido para um café, enquanto a Advogada ficou com a D… no interior do domicílio comum.

    15) Volvidos cerca de 30 minutos, o arguido chegou ao domicílio comum na companhia do aludido Advogado, tendo a Advogada dito ao arguido que D… ia passear com os seus filhos e que depois voltava.

    16) O arguido acedeu, tendo a D… abandonado o domicílio comum com E… e C….

    17) O arguido, apesar de consumir em excesso bebidas alcoólicas, é agressivo independentemente de estar sob o efeito do álcool ou não.

    18) Desde 13 de Abril de 2013 que a D…, vive, juntamente com os seus filhos, E… e C…, em casa dos seus pais.

    19) O arguido quis e conseguiu, no domicílio comum e na presença dos seus filhos menores, molestar a ofendida, bem sabendo que é seu cônjuge, sequestrando-a, ofendendo-a na sua honra e consideração, intimidando-a, ameaçando-a, perturbando a vida privada, a paz e o sossego e submetendo-a a um tratamento desrespeitoso da sua personalidade e auto-estima.

    20) O arguido quis e conseguiu molestar física e psicologicamente o C…, menor de 11 anos de idade, bem sabendo que é seu enteado e que estava ao seu cuidado, à sua guarda e a quem incumbia educar, agredindo-o fisicamente, ameaçando-o, submetendo-o a um tratamento desrespeitoso da sua personalidade e autoestima, sabendo, ainda, que era criança e, por isso, particularmente indefesa em razão da idade.

    21) O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, com perfeito conhecimento de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei e, ainda assim, prosseguiu os seus intentos.

    22) Em consequência da actuação do arguido, a assistente sofreu inquietações, perturbações, humilhação e medo daquele, bem como sofreu a ver o seu filho a ser maltratado pelo arguido.

    23) Em consequência direta e necessária da actuação do arguido, este molestou psicologicamente o menor, seu enteado, C….

    Mais se apurou, quanto às condições pessoais do arguido: 24) Que B… é oriundo de família modesta e rural, composta pelos progenitores e por cinco irmãos. Cresceu em contexto familiar pautado por dificuldades económicas, sendo o seu pai, pedreiro e a mãe dedicada à vida familiar e atividades de lavoura. Desde cedo ajudava os pais nas lides agrícolas e tratamento dos animais.

    Efetuou a quarta classe sem dificuldades de aprendizagem, mas com repetição de dois anos, por conciliar a vida escolar com o apoio a atividades de lavoura e outras tarefas importantes para a subsistência do seu núcleo familiar. Concluída a 4ª classe, ficou a ajudar o pai na construção civil, até à maioridade e, posteriormente, manifestou vontade de sair do meio onde vivia para procurar outras oportunidades de trabalho e melhorar as condições de vida.

    Foi trabalhar para Lisboa através de empresário da área alimentar, conhecido da família, em mercearias e restaurantes, vindo a ingressar na G…, em 1976, como técnico de telecomunicações. Suspendeu a atividade profissional na G…, com a pré-reforma, em 2005, não voltando a trabalhar desde então e passando a subsistir com a pensão que lhe foi atribuída.

    Casou pela primeira vez em 1977, aos 22 anos de idade, resultando dois filhos do casamento, atualmente com 36 e 31 anos de idade, tendo-se divorciado em 2002. Teve um terceiro filho, H…, de uma relação marital que estabeleceu posteriormente, tendo este descendente, atualmente, 16 anos de idade. Casou pela segunda vez com uma cidadã brasileira, de cerca de 50 anos de idade, residindo no atual domicílio e divorciando-se após cerca de quatro anos de vivência em comum.

    O terceiro...

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