Acórdão nº 102048/12.7YIPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 02 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelMANUEL DOMINGOS FERNANDES
Data da Resolução02 de Fevereiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 102048/12.7YIPRT.P1-Apelação Origem: Porto-Inst. Local-Secção Cível - J2 Relator: Manuel Fernandes 1º Adjunto Des. Caimoto Jácome 2º Adjunto Des. Macedo Domingues Sumário: I- Através do incidente de habilitação previsto nos artigos 351.º a 355.º do CPCivil como o meio adequado a modificar a instância quanto às pessoas, substituindo-se alguma das partes na relação substantiva em litígio [artigo 262.ºal. a) do CPCivil], apenas se trata de averiguar se o habilitado tem as condições legalmente exigidas para a substituição, isto é, apenas se aprecia a sua legitimidade como substituto da parte falecida, legitimidade essa que só coincide com a definida pelo artigo 30.º do mesmo diploma.

II- Assim, na habilitação, não se exige a aceitação da herança do habilitando e o facto de ele ser habilitado não determina, em princípio, o reconhecimento da aceitação tácita, permitindo que mesmo depois da habilitação o habilitado que a não contestou possa vir repudiar a herança, mantendo-se, assim, a autonomia dessas questões, a saber, a habilitação incidental e a aceitação da herança.

III- O repúdio da herança tem efeitos retroactivos, ou seja, tudo se passa como se o repudiante não tivesse figurado no quadro dos sucessíveis, como se nunca lá tivesse estado, excepto quanto ao direito de representação (artigo 2062.º do CCivil), pelo que, se no incidente de habilitação se alega e prova tal acto, não estão preenchidos os pressupostos legais para a julgar habilitada como sucessor do falecido, pois que, a qualidade de sucessível se encontrava irretratávelmente desvitalizada.

IV- Todavia, se aquele acto de repúdio se se verifica em momento posterior à decisão do incidente de habilitação, mas antes de ser proferida a sentença no processo principal, não se pode dizer que a habilitada deixou de ser parte legítima na causa.

V- Esse repúdio, significando o desaparecimento-embora não físico, mas jurídico-dos sucessores habilitados, devendo ser comunicado nos autos, apenas terá como consequência a suspensão da instância a desencadear, assim, nova habilitação.

VI- Se esse repúdio se verificar antes de ter sido proferida a decisão nos autos principais, mas dele aí não se tenha dado conhecimento, não pode essa questão com enfoque na ilegitimidade passiva, ser conhecida em via de recurso.

VII- E, mesmo a entender-se de outro modo, sempre o tribunal ad quem teria que apreciar a questão da validade do repúdio e, como tal, tratar-se-ia de uma questão nova que lhe estava vedado conhecer, pois que, este não é daqueles casos em que se possa suprimir um grau de jurisdição.

VIII- Pelo que, findando a instância com o trânsito do acórdão, será na oposição mediante embargos, (artigo 728.º e ss. do CPCivil) após a eventual instauração da execução da sentença, que a apelante deverá colocar a questão do repúdio da herança e, concluindo-se pela sua validade, então sim, terá a embargada ora apelada, por apenso à execução, que deduzir novo incidente de habilitação.

*I-RELATÓRIO Acordam no Tribunal da Relação do Porto: B…, SA, com sede na …, nº .-sala ..-…, Algés intentou o presente procedimento de injunção contra C…, residente na Rua … bloco ., Ent. … casa .., Porto solicitando o pagamento da quantia de € 6.587,60 acrescida de juros de € 3.069,99 à taxa de 25,00%, desde 31-08-2011 respectiva taxa de justiça e outros custos.

Alega para o efeito e em síntese que o requerente não pagou as mensalidades do B1…, concessão de crédito em conta corrente que possibilitava a aquisição de bens/serviços.

*Na pendência dos autos veio a falecer o requerente tendo sido habilitada, como sucessora para prosseguir os termos da demanda, a sua filha E… ora recorrente.

*Devidamente citada para contestar o procedimento de injunção, a habilitada não se apresentou a fazê-lo.

*Com base naquela falta de contestação a Srª juiz proferiu decisão em que julgou a acção procedente por provada e condenou a habilitada (em nome do primitivo R. C…) a pagar à Autora B…, S.A. a quantia de € 9.657,89 € (nove mil seiscentos e cinquenta e sete euros e sessenta cêntimos), acrescida juros de mora sobre a quantia de 6.587,60 € (capital) que se venceram desde 30-5-2012 (data da entrada da injunção) até integral pagamento.

*Não se conformando com o assim decidido veio a habilitada interpor o presente recurso concluindo as suas alegações pela forma seguinte: 1ª- A recorrente repudiou a herança por instrumento de repúdio datado de 10 de Outubro de 2014, lavrado no Cartório Notarial do Porto, do Dr. F…, constante de fls. 50 a 50v do livro de notas de escrituras diversas n.º 102, dez dias antes da data da prolação da sentença e respectiva notificação.

  1. - O repúdio é um acto jurídico unilateral, não receptício, com efeitos retroactivos à data da abertura da sucessão.

  2. - Desta forma a situação da recorrente nunca evoluiu de sucessível para a de sucessora do primitivo réu.

  3. - Acresce que a recorrente nunca aceitou a herança do primitivo réu, nem nunca exprimiu, por actos expressos ou implícitos, manifestos ou concludentes, a menor intenção de ter aceitado a herança ou de a vir a aceitar no futuro.

  4. - A habilitação é um expediente processual destinado a trazer aos autos a pessoa ou pessoas que ingressaram, por sucessão, na posição jurídica do réu.

  5. - O repúdio superveniente, porque tem efeito retroactivo, produz o efeito de a recorrente não poder ser habilitada–ou de o não dever ter sido–, com o fundamento de não ser sucessora do réu.

  6. - Donde resulta que a recorrente é parte ilegítima da acção (ilegitimidade passiva).

  7. - A ilegitimidade configura uma excepção dilatória (cfr. art.º 577º, al. e) CPC), de conhecimento oficioso do tribunal (cfr. art.º 578º CPC), conducente à absolvição da instância (cfr. art.º 278º, n.º 1, al. d) CPC).

  8. - A questão da ilegitimidade, aliás como todas as questões de conhecimento oficioso, integram o chamado “objecto implícito do recurso”.

  9. - O tribunal superior não está impedido de a conhecer seja qual for a altura e o estado dos autos.

  10. - A recorrente só agora está em condições de levantar a questão.

  11. - Com efeito, só agora, em sede de recurso, pode invocar o facto [o repúdio] e oferecer o meio de prova correspondente a junção aos autos do instrumento notarial, pois este não existia antes de 10 de Outubro de 2014.

  12. - É preciso também atender a que a recorrente não podia levantar a questão em articulado superveniente, atento o regime consagrado no art.º 566º, n.º 3, CPC, visto que não houve audiência preliminar, marcação de data de julgamento nem audiência final, e o facto é posterior à fase dos articulados, razão por que só o pode fazer no presente recurso.

  13. - Pode o Tribunal da Relação, e deve, ao abrigo dos poderes que lhe estão cometidos, alterar a matéria de facto assente e aceitar a junção do documento nesta fase, com fundamento na impossibilidade jurídica e material de o mesmo ter sido apresentado antes.

  14. - Sendo certo que o repúdio destrói definitivamente a base fáctico-jurídica em que assentou o despacho que decidiu o incidente de habilitação, bem como a da sentença, dado o carácter retroactivo daquele.

  15. - Pelo que não deverá deixar de alterar a decisão sobre a matéria de facto, nos termos preconizados no art.º 662º, n.º 1, CPC, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou documento superveniente impuserem decisão diversa”.

  16. -É esse o caso: o documento cuja junção agora se requer tem a natureza de superveniente (cfr. 423º a 425º CPC). Com efeito, a recorrente não o poderia ter juntado antes porque ele, pura e simplesmente, não existia.

  17. - Sendo legal a sua apresentação nesta fase, a matéria de facto deverá ser alterada, aditando-se um novo facto do seguinte teor: Em 10 de Outubro de 2014 a ré renunciou à sucessão do autor da herança, tendo-a repudiado por escritura outorgada no Cartório Notarial do Porto, como se prova e deduz do documento junto em sede de recurso.

  18. - O meio de prova que impõe o aditamento factual sugerido é o instrumento de repúdio junto com o presente recurso, que em consequência determinará a revogação da decisão recorrida–cumpre aqui a recorrente o ónus previsto no art.º 640º, n.º 1, al. b), CPC.

  19. - Uma vez repudiada a herança pelo sucessível, tudo funciona como se este fosse desde o início não chamado, ou seja, não há relativamente a ele vocação sucessória–a menos que o repúdio padecesse, ele próprio, de alguma patologia jurídica que afectasse a sua validade e eficácia, o que não ocorre.

  20. - A sentença deve, pois, ser revogada, 22ª- Devendo ser aditado um novo facto, nos termos já preconizados, 23ª- E, a final, a recorrente absolvida da instância, com fundamento na sua ilegitimidade passiva.

*Devidamente notificada contra-alegou a Autora concluindo pelo não provimento do recurso.

*Corridos os vistos legais cumpre decidir.

*II- FUNDAMENTOS O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de...

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