Acórdão nº 1267/12.7TVPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 04 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelANA PAULA AMORIM
Data da Resolução04 de Maio de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Testamento-1267/12.7TVPRT-296-15TRP Comarca do Porto Inst Central Porto-1ª sc Cv-J4 Proc. 1267/12.7TVPRT Proc. 296/15-TRP Recorrente: B… Recorrido: C…-Juiz Desembargador Relator: Ana Paula Amorim Juízes Desembargadores Adjuntos: Rita Romeira Manuel Fernandes* * *Acordam neste Tribunal da Relação do Porto[1] (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível) I. Relatório Na presente ação declarativa sob o regime de processo comum e que foi instaurada sob a forma do regime processual civil experimental, entretanto revogado, em que figuram como: - AUTOR: B…, nif ………, casado, residente na Rua …, …, ….-… …, Vila Nova de Gaia; e - RÉUS: C… e mulher D…, residentes na Rua …, n° … – .º Esquerdo Traseiras, …, ….-… Porto pede o Autor: - a) que seja declarada a anulabilidade, com todos os legais efeitos, do testamento outorgado por E…, viúva, no dia 21 de junho de 2006 no Cartório Notarial do Licenciado F…, sito na Rua …, n° … – .º, Porto a fls. 35 do livro de testamentos nº 76-T; b) declarada nula a citação da falecida E… no processo nº 957/08.3TJPRT do 3º Juízo Cível do Porto e de todo o subsequente processado em tais autos, incluindo a respetiva sentença, com todos os legais efeitos.

Alega para tanto e no essencial que a testadora, a falecida E…, não se encontrava, no momento da feitura do testamento, em condições psíquicas e intelectuais de entender e de querer o sentido da declaração testamentária, pelo que este testamento é anulável (art. 2199 do Código Civil).

Mais alega que nem a falecida, no estado demencial em que se encontrava, tinha capacidade intelectual ou discernimento para tomar a iniciativa de ir até um cartório notarial, conversar com um notário e mandar lavrar um testamento a favor de quem quer que fosse. Pelo que, perante essa incapacidade, ao invés, teve de ser o notário a ir a casa do Réu para lavrar um testamento cujas disposições, por coincidência, mas não por acaso, correspondem à conhecida vontade do Réu.

No que concerne à requerida nulidade da citação daquela E…, entretanto falecida, alega que no dia 29 de abril de 2008, o R. instaurou contra a sua mãe uma ação de prestação de contas que correu termos sob o processo nº 957/08.3TJPRT do 3º Juízo Cível do Porto. Na petição dessa ação, o A. (aqui réu) e a Ré (a mãe) são identificados, e bem, com residência no mesmo local, a casa do filho autor, que a mãe é citada via postal, assinando o respetivo aviso postal de receção, que a mãe (que o autor alega estar nessa data demente) demente não contratou qualquer advogado, não contestou essa ação, nem nada respondeu ao mesmo processo e, por via de tal absoluta incapacidade, o filho autor prestou as contas que quis, como quis, do que quis e pelo valor que quis, pelo que conseguiu, assim e dessa forma, este R. obter uma sentença a condenar a demente mãe a pagar-lhe a quantia de € 90.781,60.

-Citados, os Réus contestaram os factos alegados pelo autor para suportar os pedidos formulados e quanto ao segundo pedido mais alegam que não existe qualquer nulidade de citação e por conseguinte e muito menos qualquer nulidade da sentença proferida no processo porquanto a falecida não estava demente nem incapacitada na data de citação da referida ação (ano de 2008). Por fim alegam que este processo nunca seria o meio próprio para suscitar a questão da nulidade da citação feita no âmbito de outro processo, sendo que após o transito em julgado de sentença proferida em ação declarativa, o único meio que o réu revel pode invocar é interpondo um recurso de revisão invocando a falta de citação ao abrigo do disposto no artigo 771º alínea e) do CPC, e, alegam, sempre faltaria legitimidade.

-Findos os articulados, realizou-se uma tentativa de conciliação, a qual, não teve êxito.

-Dispensou-se, ao abrigo do artigo 547ºCPC a elaboração de despacho saneador e bem assim do despacho de identificação do objeto de litígio e de enunciação dos temas de prova e foi agendada data para realização do julgamento.

-Procedeu-se à realização de julgamento com intervenção de juiz singular e com observância do formalismo legal.

-Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve: “Pelo exposto, julgo verificada a exceção dilatória inominada, consubstanciada, na inadequação do meio processual usado pelo aqui autor para apreciação do pedido consubstanciado em ver declarada a nulidade da citação da falecida E… no processo nº 957/08.3TJPRT do 3º Juízo Cível do Porto e de todo o subsequente processado em tais autos, incluindo a respetiva sentença, com todos os legais efeitos, absolvendo o réu da instância relativamente ao pedido formulado em segundo lugar, o que se declara para todos os efeitos legais.- artigos 576º, nºs 1, 2, 577º, 578º, 579º, todos do NCPC - e julgo improcedente, por não provada, a presente ação, e consequentemente, absolvo o Réu do pedido formulado em primeiro lugar.

Custas da ação a cargo do autor, fixando em € 30.000,01 o valor da ação”.

-O Autor veio interpor recurso da sentença.

-Nas alegações que apresentou o apelante formulou as seguintes conclusões: 1. Foi dado por provado que no “processo de inabilitação nº 480/09.9TVPRT contra a mesma falecida mãe dos A. e R. marido, tendo sido proferida sentença, transitada em julgado, da qual consta o seguinte:… A requerida sofre de doença de Alzheimer que a torna total e definitivamente incapaz de administrar os seus bens, tal como parecer médico… O quadro de demência tem como data provável de início o ano de 2005.” 2. E provado que “da fundamentação jurídica da sentença proferida consta o seguinte: “Resulta claramente do interrogatório judicial a que foi sujeita, e exame médico a que foi submetida no âmbito destes autos que, E…, sofre de Síndrome Demencial, de etiologia provável degenerativa - tipo Doença de Alzheimer .. devido à doença que a afeta, de que padecerá pelo menos desde 2005…pelo que nesse âmbito será facilmente enganada, a doença de que padece tem caráter evolutivo e é incurável…” 3. E que “… proferiu o tribunal a seguinte decisão: “Pelo exposto e em conclusão, considerando o grau de incapacidade da requerida, decreto a inabilitação definitiva, por anomalia psíquica, de E…, fixando-se a data provável do começo da sua incapacidade em 2005…” 4. E também provado que “O Réu marido instaurou a 9 de maio de 2005 uma ação de inabilitação contra a sua mãe, a qual correu termos sob o nº 4580/05.5TBVNG na 2ª Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia…” 5. A. e R., os únicos filhos da falecida E…, naquele processo de inabilitação nº 480/09.9TVPRT declararam e reconheceram que a sua falecida mãe sofria de síndrome demencial desde, pelo menos, 2005.

  1. Dados estes fatos provados, verifica-se a presunção de facto da incapacidade acidental da falecida E… desde, pelo menos, 2005.

  2. Em consequência, tem de se concluir que aquando da feitura do testamento, em junho 2006, a falecida E… padecia de síndrome demencial.

  3. No termos do decidido no Acórdão da Relação do Porto de 08.05.2000 (in www.dgsi.pt) “A incapacidade acidental, aquando da feitura do testamento, do testador não interdito por anomalia psíquica, pode ser objeto de presunção judicial”.

  4. Perante o fato dos filhos da testadora terem reconhecido no processo de inabilitação que a sua mãe padecia síndrome demencial desde, pelo menos, 2005, o fato do filho R. ter requerido a inabilitação da testadora em 2005 e o fato de ter sido provado na ação nº 480/09.9TVPRT que a testadora sofria de tal doença desde aquela data, a incapacidade acidental da testadora, aquando da feitura do testamento, deveria ter sido, também, objeto de presunção judicial.

  5. Tratam-se de limitações causadas por doença neurodegenerativa de que, pelo menos, desde 2005 a falecida já padecia – cfr. docs. 2 e 3 da pi.

  6. Perante o teor dos vários processos judiciais juntos a estes autos e toda a matéria fatual que nos mesmos foi dada por provada, deve presumir-se, socorrendo-se das regras da experiência comum e atendendo à característica evolutiva da doença da testadora, que esta, no ato da outorga do testamento, não podia entender o sentido, nem querer o alcance da declaração manifestada.

  7. Deve presumir-se que, dado este historial clínico e judicial da testadora, no momento da feitura do testamento, esta se encontrava privada de uma vontade sã, livre e consciente.

  8. Dizem os médicos especialistas neste tipo de doenças que "É necessário que o testador demonstre claramente possuir a necessária liberdade para querer e entender as disposições tomadas…. A existência de uma doença psiquiatra só não invalida o testamento se os peritos pudessem estabelecer com clareza que a doença não altera os quadros de lúcida decisão do testador” (Prof. Polónio Sampaio, “Psiquiatria Forense”, 1975, págs. 298 e pág. 463)”.

  9. Este ensinamento científico tem acolhimento na jurisprudência que considera que a fixação em sentença da data provável do início da incapacidade constitui presunção de facto da incapacidade natural, conforme decidido no Acórdão do STJ de 5.07.2001 (in www.dgsi.pt), no Ac. STJ de 14.01.75 (in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 243, fevereiro 1975, p. 199 e 200) e no Acórdão da R.P. de 08.05.2000 (in www.dgsi.pt).

  10. E a doutrina de Galvão Telles, na RT, Ano 1972, p. 268, ensina que: “provado o estado demencial, em período que abrange o ato anulando, é de presumir, sem necessidade de mais, que na data do mesmo ato aquele estado se mantinha sem interrupção. Corresponde isto ao id quod plerumque accidit; está em conformidade com as regras da experiência”.

  11. Pelo que a conclusão jurídica que, de forma lógica se impõe de ver indeferido o pedido do A., é que só se fosse demonstrado – de forma científica - que o ato da feitura do testamento recaiu num momento de excecional, intermitente e rara lucidez.

  12. A lei confere a possibilidade de se fazer intervir no testamento peritos médicos para abonarem da sanidade mental do outorgante testador, mas tal não aconteceu.

  13. Dado que à data do testamento, a testadora sofria de síndrome demencial “de...

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