Acórdão nº 8423/06.5TBMTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelMANUEL DOMINGOS FERNANDES
Data da Resolução26 de Maio de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 8423/06.5TBMTS. P1-Apelação Origem-Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos, 6º Juízo Cível Relator: Manuel Fernandes 1º Adjunto Des. Caimoto Jácome 2º Adjunto Des. Macedo Domingues 5ª Secção Sumário: I- Na reapreciação da prova a Relação goza da mesma amplitude de poderes da 1.ª instância e, tendo como desiderato garantir um segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto impugnada, deve formar a sua própria convicção.

II- Na acção de impugnação de justificação notarial o autor/impugnante, pode também pedir o reconhecimento do seu direito sobre o prédio, por contraposição à declaração de inexistência do direito do réu/justificante, bem como a reivindicação do prédio, caso em que a causa de pedir engloba, igualmente, a existência do direito do autor e a violação desse direito por banda do Réu.

III- Nesta acção sendo os Réus que nela afirmam a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre um imóvel, inscrito definitivamente no registo a seu favor, com base nessa escritura, incumbe-lhes a prova dos factos constitutivos do seu direito, sem poderem beneficiar da presunção do registo decorrente do artigo 7.º do Código do Registo Predial.

IV- As escrituras públicas, nomeadamente as de justificação notarial, só serão nulas nos precisos termos em que a lei o determine, ou seja, nos termos previstos nos artigos 70.º e 71.º, do Código do Notariado e independentemente da veracidade ou falsidade das declarações que delas ficaram a constar, emitidas perante o Notário.

V- A circunstância de um imóvel se encontrar registralmente inscrito a favor de alguém, tendo por base uma aquisição derivada, não obsta à aquisição por usucapião a favor de outrem, pois que, a usucapião inutiliza por si as situações registais existentes, em nada sendo prejudicada por estas vicissitudes.

**I-RELATÓRIO Acordam no Tribunal da Relação do Porto: Massa Falida de B…, Lda, representada pelo Exº Senhor Administrador Judicial C…, com domicílio profissional na Rua …, n.º .., Sala .., Porto, intentou, contra D… e E… (este último entretanto falecido), com domicílio na Rua …, n.º …, …, Vila do Conde, tendo sido habilitados como herdeiros D…, F… e G…, acção declarativa com forma de processo ordinário, de impugnação de justificação notarial e reivindicação, peticionado: a)- a declaração de que a Autora é a actual proprietária do imóvel descrito no art.º 5º da petição inicial; b)- a condenação dos Réus a reconhecer esse direito de propriedade da Autora; c)-a condenação dos Réus a absterem-se de praticar actos lesivos do direito de propriedade da Autora; d)- a condenação dos Réus a entregarem tal prédio livre e devoluto à A; e)- a declaração da nulidade da escritura de justificação notarial descrita no art.º 41 da petição inicial; f)- ordenar-se o cancelamento de quaisquer registos efectuados com base na referida escritura, designadamente a inscrição da aquisição a favor da Ré D… do prédio n.º 02666/240103.

Para tanto, e em resumo, alegou a Autora que o prédio descrito na CRP de Matosinhos sob o n.º 01264/110195, foi adquirido pela Autora por compra, em 11/1/1977, conforme escritura pública que juntou, tendo sido a Autora representada nessa escritura pelo Réu E…, seu sócio-gerente à data, sendo que esse Réu outorgou a escritura como gestor de negócios. Alega ainda que, desde essa data que a Autora lá construiu um anexo, armazena e deposita madeiras, permite o acesso de funcionários, de boa fé, à vista de todos e sem qualquer oposição, com intenção de o fazer seu. E foi esse o prédio que a Ré D… declarou ser seu na escritura de justificação notarial lavrada em 21 de Novembro de 2002, mais declarando tê-lo adquirido por compra verbal, o que bem sabia ser falso.

*Contestando, os Réus alegaram que o registo de aquisição do prédio a favor da Autora é nulo, visto que a escritura de compra e venda do imóvel só foi ratificada pela Autora, gestida, em 5/11/2003, em data muito ulterior à do registo.

Alegaram ainda que até à ratificação do negócio a Autora bem sabia que o prédio era alheio. Invocaram, por outro lado, que só em 2006 o legal representante da Autora reivindicou de facto o imóvel aos Réus, e que o Réu E… negociou o prédio para a B…, mas com dinheiro da Ré D…, que o pagou, e sem autorização da B…. Alegam, ainda, que o Réu E… actuou assim convencido que o prédio pertencia à Ré D… até que a B… o ratificasse, o que só veio a suceder muitos anos depois, e que até essa data sempre usaram o prédio, à vista de todos, de boa fé, e pacífica, pelo que lavraram a escritura de justificação dos autos, pelo que, concluem, formulando os seguintes pedidos reconvencionais: a)- que se declare nulo o registo da aquisição a favor da Autora do prédio descrito sob o n.º 1264, pois foi baseado em título deficiente; b)-para o caso de procedência da acção pedem a condenação da Autora a pagar à Ré o valor do imóvel calculado à data da sentença; d)-pedem ainda a condenação do Exº Senhor Administrador Judicial da Autora como litigante de má fé.

*Respondeu a Autora pugnando pela improcedência de todos os pedidos deduzidos pelos RR.

Já em sede de audiência de julgamento, foi admitido articulado superveniente junto aos autos pela Autora, tendo os Réus respondido alegando que a ratificação da gestão de negócios operada pelo Administrador Judicial da Autora é nula, por não ter sido precedida de autorização do síndico, para além de ser contrária à vontade expressa pela própria empresa B… em 1991.

*Findos os articulados, realizou-se a audiência de julgamento, com observância de todo o formalismo legal.

*Fixada a matéria de facto pela forma que dos autos consta foi, a final, proferida sentença que julgou a acção integralmente improcedente e parcialmente procedente por provada a reconvenção, e em consequência: - Absolveu os Réus D… e E… (este último entretanto falecido), representado pelos seus herdeiros D…, F… e G… de todos os pedidos contra si formulados pela Massa Falida de B…, Lda; - Determinou o cancelamento de todos os registos que subsistam e possa contrariar o direito reconhecido aos Réus reconvintes D… e E… (este último entretanto falecido), tendo sido habilitados como herdeiros do falecido Réu E…, F… e G… sobre o prédio sito no …, freguesia …, do concelho de Matosinhos, a confrontar do norte com H… e I…, do sul com J… e outros, do nascente com Junta Autónoma das Estradas e do poente com Rua …, J… e outro, descrito na Conservatória de Registo Predial de Matosinhos sob o n.º 02666/240103 e inscrito no art. 1057º da matriz rústica respectiva; - Absolveu a Autora reconvinda Massa Falida de B…, Lda de todos os demais pedidos contra si formulados pelos Réus Reconvintes D… e E… (este último entretanto falecido), tendo sido habilitados como herdeiros do falecido Réu E…, F… e G….

* Não se conformando com o assim decidido, veio a Autora interpor o presente recurso, concluindo as suas alegações nos seguintes termos: a) A única entidade que adquiriu a propriedade aqui em causa por contrato foi a sociedade B…, Lda., à qual sucedeu, nos termos legais, a respectiva massa falida, apreendido pelo seu administrador judicial; b) A aquisição por parte da referida sociedade efectuou-se mediante a outorga das escrituras públicas e posteriores ratificações mencionadas em III, VI, VII, XXX, XXXI, XXXIV dos factos provados da douta sentença recorrida.

c) O falecido Réu E…, sócio-gerente da sociedade B…, Lda., adquiriu em nome e no interesse desta o imóvel aqui em causa e, nesse sentido, celebrou as escrituras públicas referidas.

d) Tais aquisições foram registadas na Conservatória de Registo Predial, pelo que gozam de presunção legal; e) A ratificação da gestão de negócios, tem efeitos retroactivos, pelo que a compra e venda do bem em causa considera-se efectuada no dia da celebração das respectivas escrituras públicas, ou seja em 1977.

f) A resposta ao quesito 42º deveria ter sido “não provado”; g) No entanto, em resposta a este quesito foi julgado provado que “Por carta registada de 12/09/1991, os sócios gerentes da falida K…, L…, M…, N…, O… e o sócio N… comunicaram ao Réu que a sociedade B…, Lda., não ratificava a gestão, na escritura de compra e venda, de 11/01/1997 (lapso material, uma vez que a data é de 11/01/1977), pelo que tal negócio era ineficaz em relação à sociedade.”; h) O documento de fls 243 não tem qualquer credibilidade; i) O documento de fls 243 não tem o mérito de provar a respectiva data de elaboração, a qualidade em que os alegados subscritores o assinaram, a intenção com que foi elaborado, o respectivo envio; j) Um dos alegados subscritores do mesmo (testemunha M…) nega que o tivesse assinado e que tivesse conhecimento da mesma; k) A sua falta de credibilidade resulta desde logo pela data e modo dos supostos reconhecimentos das assinaturas; l) O alegado conselheiro da elaboração dessa carta (testemunha P…) nem soube explicar o modo como a mesma teria sido entregue ao falecido co-réu E…; m) Face ao exposto e nos termos dos Arts. 268º e 1316º, ambos do Código Civil dever-se-á dar como provada a aquisição da propriedade por parte da sociedade; n) A co-ré D… não adquiriu os imóveis aqui em causa por usucapião; o) O teor da escritura de justificação de fls 25 e sgts dos autos é falso; p) A co-ré prestou falsas declarações quando nesse ato notarial afirmou que: adquiriu tal terreno por “contrato meramente verbal, a Q… e a S… entre os anos de 1977 e 1979; ter usufruído o referido imóvel, gozando de todas as utilidades por um tempo superior a 20 anos; que o imóvel se encontrava “NÃO DESCRITO” na conservatória de registo predial; q) Pelo contrário, a co-ré sabia que o seu marido tinha celebrado duas escrituras públicas de aquisição do imóvel; sabia que o imóvel tinha sido utilizado pela empresa; que não se encontrava omisso na conservatória; que se encontrava registado a favor de B…, Lda; que tinha sido apreendido para a Massa Falida e, por último, que estava a prejudicar os credores desta; r) Assim sendo, qualquer eventual posse do terreno...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT