Acórdão nº 5523/13.9TBVNG-B.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelCARLOS QUERIDO
Data da Resolução26 de Maio de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 5523/13.9TBVNG-B.P1 Sumário do acórdão: I. O regime processual previsto no n.º 2 in fine e no n.º 7 do artigo 931.º do CPC constitui incidente na tramitação da acção de divórcio “sem consentimento do outro cônjuge”, tendo natureza provisória, como expressamente resulta das citadas disposições legais: é provisório o acordo obtido quanto ao destino da casa de morada de família [vigorando em regra “durante o período de pendência do processo” – art. 931/2]; é provisório o regime adoptado na decisão do juiz proferida perante a inviabilidade do acordo das partes [como expressamente o define o n.º 7 do art. 931.º].

  1. O referido incidente distingue-se do processo de jurisdição voluntária previsto no artigo 990.º do CPC, que não se caracteriza pela mesma provisoriedade, apesar da sua alterabilidade, prevista no n.º 3 do artigo 1793.º do Código Civil, própria dos processos desta natureza (art. 988.º do CPC).

  2. Apesar da apontada diferença de regimes processuais, nada impede a utilização, no incidente previsto no artigo 931.º do CPC, dos critérios enunciados no artigo 1793.º do Código Civil, que deverão presidir à escolha do cônjuge a quem deverá ser atribuída a casa de morada de família.

  3. A casa de morada de família deverá ser atribuída em função das necessidades de cada um dos cônjuges, assumindo particular relevância o «interesse dos filhos», devendo privilegiar-se, na ausência de prova da situação patrimonial das partes, aquela a quem os filhos menores do casal se encontram confiados e com quem residem.

  4. Face à natureza provisória do incidente previsto no artigo 931.º do CPC, não tendo as partes alegado qualquer facto referente à sua situação económica, sobre a qual nenhuma prova foi produzida, não se revela imperativo o estabelecimento de uma relação arrendactícia, cumprindo os critérios legais enunciados a atribuição da casa de morada de família ao cônjuge a quem os filhos menores foram confiados, e com quem residem, até à “partilha ou venda da casa”, mediante o pagamento integral do “valor relativo à amortização mensal do empréstimo para aquisição dessa habitação, bem como todos os encargos decorrentes da mesma (seguros e IMI).”.

  5. A imposição dos referidos pagamentos ao cônjuge beneficiário da atribuição traduz-se, desde logo, numa contrapartida a favor do outro: a dispensa do pagamento da sua parte da prestação bancária e restantes encargos referentes a um bem comum.

    Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. Relatório Na acção de “divórcio sem consentimento do outro cônjuge”, intentada por B…, contra C… que corre termos na Instância central de Vila Nova de Gaia, 5.ª Secção de Família e Menores – J1, realizou-se em 4 de Novembro de 2013 a tentativa de conciliação, na qual, após conciliação parcial das partes foi proferido despacho a determinar o prosseguimento dos autos como divórcio por mútuo consentimento.

    Não tendo sido obtido acordo dos cônjuges quanto à casa de morada de família, foi determinada a notificação de ambos para produzirem alegações e apresentarem meios de prova com vista à decisão sobre a atribuição da casa de morada de família.

    Após apresentação de alegações e oferecimento de meios probatórios por parte da requerente e do requerido, foi proferida sentença em 11.03.2014, com o seguinte dispositivo: «Decidindo-se pelo provimento da pretensão da requerida e pela improcedência da pretensão do requerente, atribui-se à requerida B… o direito de utilizar a casa de morada de família sita na Rua …, .., …, em Vila Nova de Gaia, ao abrigo do disposto no artigo 1793°, C.C., até venda ou partilha da mesma.

    A requerida fica obrigada a pagar o valor relativo à amortização mensal do empréstimo para aquisição dessa habitação, bem como todos os encargos decorrentes da mesma (seguros e IMI).

    Custas do incidente pelo requerente.».

    Não se conformou o requerido e interpôs o presente recurso de apelação, apresentando alegações, nas quais formula as seguintes conclusões: 1- No caso em apreço a casa de morada de família é bem comum do casal, ou seja, o Recorrente é dono e legitimo proprietário da meação do imóvel que constitui a casa de morada de família; 2- Com a atribuição do uso exclusivo da casa à Recorrida existe uma limitação ao direito de propriedade do Recorrente; 3- A atribuição da casa de morada de família quando incida num bem próprio ou comum tem, no entanto, uma contrapartida para o ex-cônjuge, e a essa contrapartida há-de corresponder uma renda; 4- A atribuição da casa de morada de família à Recorrida deve ter como correlativa uma contraprestação adequada e justa para o Recorrente que vê-se privado de usar e usufruir de um bem que também é seu, o qual não cedeu a qualquer título; 5- O Recorrente, com a atribuição da casa de família à Recorrida, viu-se, pois, obrigado a mudar de casa e a ficar privado de todo o recheio da casa composto por bens móveis também da sua propriedade; 6- A decisão sub judice não atendeu a qualquer critério, não fundamentando quer nos factos quer no direito, para decidir não atribuir uma compensação pecuniária certa e determinada ao Recorrente; 7- Apenas obrigar a Recorrida a pagar o valor relativo à amortização mensal do empréstimo para aquisição dessa habitação, bem como os encargos decorrentes da mesma (seguros e IMI), sem o mesmo ter sido apurado em sede de audiência de julgamento ou pela documentação junta aos autos, não constitui contrapartida pecuniária certa e determinada - renda - pela atribuição da casa de morada de família.

    Além do mais, 8- A decisão provisória de atribuição da casa de morada de família à Apelada manter-se-á até ao trânsito em julgado da decisão de adjudicação do mencionado prédio em inventário o que pode demorar anos, sendo que, durante esse período, a Recorrida beneficiará exclusivamente do uso e fruição de um bem comum sem que o Recorrente seja compensado através do recebimento de uma renda mensal, sofrendo o consequente prejuízo e injustiça social; Na verdade, 9- O Douto Tribunal a quo, nunca poderia ter decidido pelo provimento da pretensão da Requerida B… sem, no entanto, lhe aplicar um valor concreto de renda, nomeadamente aquele que o Requerido adiantou de € 682,00.

    10- Na sua opinião, também ela corroborada pela Mma. Juíza do Tribunal a quo, a atribuição da morada de família à Ré/Recorrida, deverá estar sempre condicionada às regras do arrendamento para habitação, figurando esta como arrendatária e o Recorrente/Autor como senhorio.

    11- De facto, o prédio urbano, destinado a habitação onde está instalada a casa de mora de família está inscrito na matriz urbana da União das freguesias de … e … sob o artigo 5358 e tem o valor patrimonial atual de € 122.766,03, facto este dado como assente.

    12- Pelo que nos termos do disposto nos artigos 30° e seguintes da Lei n° 6/2006 de 27 de Fevereiro, com a redacção que lhe foi dada pela Lei 31/2012, de 14 de Agosto, a renda mínima para uma habitação com iguais características (localização, idade e conservação, tipologia) e valor patrimonial é de € 682,00 (seiscentos e oitenta e dois euros).

    13- E, dado que ao Recorrente/Requerido não foi atribuída a casa de morada de família deverá receber, até à partilha e adjudicação, a título de renda mensal, o montante correspondente a à sua quota parte no mesmo, que é de metade, ou seja deverá receber, pelo menos, o montante de € 341,00 (trezentos e quarenta e um euros), afim de, com esse valor, encontrar moradia/apartamento com cómodos suficientes para poder viver e acolher os seus filhos em idênticas condições de conforto.

    14- E, a Recorrida a quem a mesma casa de morada de família foi atribuída deverá outrossim ficar responsável pelos pagamentos de água, luz e gaz, sendo da responsabilidade conjunta de ambos os proprietários (na proporção de Y2 para cada um) o pagamento do empréstimo de crédito-habitação, seguros e IMI.

    15- Ora, no presente caso a Mma. Juíza não fixou, como deveria ter feito, um valor concreto de renda - entenda-se determinada contrapartida em dinheiro, certa e determinada, pelo arrendamento - o que se requer e, motivo pelo qual é interposto o presente recurso.

    16- Errou, portanto, o Tribunal a quo ao não estabelecer qualquer compensação pecuniária - certa e determinaada - ou renda mensal pelo arrendamento da casa de morada de família.

    17- Deveria o tribunal a quo fazer uso na decisão de que se recorre, do critério estabelecido no art.1193° do Código Civil...

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