Acórdão nº 436/12.4GBVNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelERNESTO NASCIMENTO
Data da Resolução26 de Maio de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo comum colectivo 436/12.4GBVNG da Comarca do Porto, Vila Nova de Gaia, Instância Central, 3.ª Secção Criminal, J2 Relator - Ernesto Nascimento Adjunto – Artur Oliveira Acordam, em conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório I. 1. Efectuado o julgamento foi o arguido B… condenado, por 6 crimes de furto qualificado, pp. e pp. pelas disposições conjugadas dos artigos 203.º/1 e 204.º/2 alínea e) C Penal – um deles ainda, que desqualificado, nos termos do n.º 4 - na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão.

  1. 2. Inconformado, recorreu o arguido, pugnando por que, in casu, a subtracção de objectos de uma escola, ainda que totalmente vedada, não sendo nem uma casa, nem um espaço fechado dela dependente, não é susceptível de integrar o tipo legal pelo qual vem condenado, antes e tão só, o tipo legal de furto qualificado, em primeiro grau, p. e p. pelo artigo 204.º/1 alínea f) C Penal - o que desde logo, conduziria a aplicação de penas menos graves e, de qualquer forma, a redução da pena, para valor nunca superior ao mínimo legal e ainda assim, pela suspensão da sua execução.

  2. 3. Respondeu o Magistrado do MP., pugnando pela manutenção do decidido.

  3. Subidos os autos a este Tribunal o Exmo. Sr. Procurador Geral Adjunto, no seu parecer, veio defender, da mesma forma, o não provimento do recurso.

    No exame preliminar o relator deixou exarado o entendimento de que o recurso foi admitido com o efeito adequado e que nada obstava ao seu conhecimento.

    Seguiram-se os vistos legais.

    Foram os autos submetidos à conferência e dos correspondentes trabalhos resultou o presente acórdão.

  4. Fundamentação III. 1. Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas - a não ser que sejam de conhecimento oficioso - que neles se apreciam questões e não razões e que não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, as questões suscitadas no presente prendem-se, tão só, com a questão, da qualificação jurídico-penal dos factos e, da medida e espécie da pena.

  5. 2. Apreciando.

  6. 2. 1. A subsunção dos factos ao Direito III. 2. 1. 1. As razões do arguido.

    Todos os furtos ocorreram no interior de estabelecimentos de ensino, a cujo interior o arguido acedeu depois de subir e saltar a vedação que circunda totalmente o recinto de cada uma delas.

    Na sequência da qualificação jurídica dada aos factos na acusação, na sentença veio a ser condenado pela prática de 6 crime de furto qualificado, pp. e pp. pelas disposições conjugadas dos artigos 203.º/1 e 204.º/2 alínea e) C Penal.

    Contra esta qualificação jurídica insurge-se o arguido pugnando pelo entendimento de que espaço fechado tem o sentido de lugar fechado dependente de casa, onde não se integra a vedação que circunda, totalmente, o recinto da escola, pugnando assim por que os factos serão susceptíveis, tão só, de integrar o tipo legal de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º/1 e 204.º/1 alínea f) C Penal.

  7. 2. 1. 2. Atentemos.

  8. 2. 1. 2. 1. A propósito do crime de furto, dispõe o artigo 203.º/1 C Penal, no que se pode considerar como o tipo-base, que, “quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com multa”.

    Prevê depois, o artigo 204.º, no seu n.º 2 e no seu n.º 2, respectivamente, 2 tipos de furto qualificados – em 1.º e em 2.º graus, a que correspondem, consoante a maior ou menor gravidade das circunstâncias, modificativas agravantes, dois escalões ou níveis de qualificação.

    As circunstâncias qualificadoras do tipo legal de furto – ao contrário do que acontece quanto ao crime de homicídio - são elementos do tipo legal, são taxativas e de funcionamento automático, o que, desde logo, como assinala o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, tem importantes implicações: “por um lado, o tribunal não pode alargar o âmbito de uma circunstância legal, subsumindo-lhe uma situação da vida análoga e, por outro, não pode rejeitar a subsunção ao tipo qualificado de uma situação da vida formalmente cabível nalguma das alíneas dos n.ºs 1 e 2 do artigo 204.º, mas que não revela um especial desvalor de acção ou de resultado”, cfr. Acórdão deste tribunal de 20.11.2013, in site da dgsi.

    A enunciada diferença de gravidade está bem reflectida no caso dos autos.

    Enquanto que a decisão recorrida integrou as diversas condutas do arguido na previsão da alínea e) do n.º 2, este defende, agora, que o deveriam ter sido tão só, na previsão da alínea f) do n.º 1.

    Assim.

    Quer na alínea f) do n.º 1, quer na alínea e) do n.º 2 está prevista como circunstância qualificativa a introdução/penetração ilegítima ou ilegal em habitação, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado.

    A diferença entre uma previsão e a outra está nos meios através dos quais a introdução tem lugar.

    Se para o preenchimento do tipo de furto qualificado da alínea e) do n.° 2 do artigo 204.° não basta que o agente pratique o furto após penetrar em algum dos espaços ali referidos, exigindo-se ainda que a penetração se tenha processado por algum dos meios específicos que o legislador define, a saber: arrombamento, escalamento ou chaves falsas, já o mesmo não acontece na previsão da alínea f) do n.º 1 – para a qual basta a introdução ilegítima ou a permanência escondido com intenção de furtar.

    Em ambos os casos - saliente-se – a matriz é comum: habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado.

    Por sua vez, as noções legais de arrombamento, escalamento ou chaves falsas, estão consagradas no artigo 202.º, respectivamente, nas alíneas d), e) e f).

    No que ao caso interessa a noção de “escalamento“ é a de “introdução em casa ou em lugar fechado dela dependente, por local não destinado normalmente à entrada, nomeadamente por telhados, portas de terraços ou de varandas, janelas, paredes, aberturas subterrâneas ou por qualquer dispositivo destinado a fechar ou impedir a entrada ou passagem”.

    Assim, só existe escalamento em relação a casa ou a alugar fechado dela dependente.

  9. 2. 1. 2. 2. Escalamento que, por não poder, materialmente, acontecer em relação aos veículos automóveis - com o objectivo de fazer equivaler ambas as circunstâncias de escalamento e de arrombamento a bens da mesma natureza - é que na Reforma operada em 1995, se eliminou a referência, que constava na versão primitiva do C Penal de 1982, em relação ao arrombamento - este já materialmente, possível - a referência a “móveis destinados a guardar quaisquer objectos” que constava do artigo 298.º/1 Assim ficou equivalente a aplicação quer do arrombamento, quer do escalamento – apenas a casas ou a lugares fechados delas dependentes.

    Nesta sequência, de resto, veio o STJ a decidir através do então Assento 7/2000 - a propósito de um furto, com arrombamento em veículo automóvel é certo - que, “não é enquadrável na previsão da alínea e) do n.º 2 do artigo 204.º C Penal a conduta do agente que, em ordem à subtracção de coisa alheia, se introduz em veículo automóvel através do rompimento, fractura ou destruição, no todo ou em parte, de dispositivo destinado a fechar ou impedir a entrada no interior daquele veículo”.

    Isto porque, a expressão “espaço fechado” que consta da referida norma - e também da alínea f) do n.º 1 - tem, forçosamente, de ser entendida com o restrito sentido de lugar fechado dependente de uma casa, que no entanto, na dimensão que o conceito assume, não é de confinar ou restringir o conceito que se tenha de “casa” ou de mera habitação, pois que nele não só se devem incluir os estabelecimentos comerciais ou industriais - expressamente referidos na alínea e) do n.º 2 do artigo 204.º - como, igualmente, outras realidades que, como “casa”, devam ser consideradas na perspectiva daquela citada alínea, v. g., casas de arrecadação, de abrigo, de recolha de alfaias agrícolas, etc.

    Conceito que não consente, na ratio da sua amplitude, os veículos automóveis, pois que apresentam, desde logo, uma afectação específica a uma finalidade própria: a de transporte. E logo esta afectação basta para repelir qualquer ponto de contacto, qualquer aproximação ou qualquer sinonimização entre veículos automóveis e o conjunto (diversificado embora) das realidades que podem (ou que possam), sem esforço ou artificial expediente, merecer integração num conceito adequado (ainda que flexível) de “casa”.

  10. 2. 1. 2. 3. Atentemos desde já no conceito de lugar fechado dependente de casa.

    No que deve ser entendido como o recinto que dá acesso à casa e que não precisa de ser vedado. É o pátio, o jardim ou o terraço ligado à casa e com passagem para ela.

    “Aliás, como, lapidar e consequentemente, se enfocou no citado Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 1998 “no conceito de outro espaço fechado”, cabem as “casas” de habitação, de estabelecimento comercial e industrial e ainda as outras casas que não podem incluir-se nessas realidades, bem como os lugares fechados delas dependentes, logo de seguida se pormenorizando que “nestes lugares fechados se incluem, por exemplo, os jardins murados e fechados anexos às “casas”, apud referido Assento 7/2000.

    Donde, ressalta a ideia, como se referiu, ainda, neste aresto, que, “visível será também que o legislador reservou a qualificativa agravativa decorrente da alínea e) do n.º 2 do artigo 204.º C Penal para os condicionalismos em que é posto em causa o valor jurídico «casa» ou realidades congéneres ou aproximadas (valor que, directa ou indirectamente, se prende ou se liga com ou a ideia de respeito pela privacidade e pela segurança especial que a deve envolver), concedendo-lhes, assim, uma específica coloração rigorizadora da sua violação, diversa, por mais gravosa, da que confere em relação aos veículos automóveis, mesmo que esta categoria de bens se tenha transformado, nos dias...

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