Acórdão nº 5199/12.0TBMAI.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelFERNANDO BAPTISTA
Data da Resolução26 de Maio de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. 5199/12.0TBMAI.P1 Relator: Fernando Baptista Adjuntos: Des. Ataíde das Neves Des. Amaral Ferreira I- RELATÓRIO: Acordam na Secção Cível do tribunal da Relação do Porto 1. B… e a sua mulher C…, residentes na Rua …, n.º .., Porto, e L... vêm propor acção declarativa de processo ordinário contra D…, E…, F… e esposa G…, H… e esposa I…, J… e esposa K….

Alega, em síntese, que no dia 5 de Fevereiro de 2001 as aqui Autoras, em conjunto com o também Autor B…, na qualidade de marido da Autora C…, efectuaram escritura de doação do prédio misto sito no …, freguesia …, concelho da Maia, inscrito da matriz predial sob o artigo urbano e rústico com o valor patrimonial de 212.120$00 (€1.058,08).

Mais alegam que tal prédio, pela apresentação n.º 6/121092, foi indevida e ilegalmente registado como tendo sido adquirido pelas Autoras C… e L… e pelo Autor B…, por sucessão hereditária por óbito dos pais de C… e L…, o que não corresponde à verdade uma vez que B… e C… contraíram matrimónio do regime de comunhão de adquiridos.

Deste modo concluem afirmando ter sido efectuada uma doação de bens alheios sob tal prédio, uma vez que B… não é proprietário de tal bem, pelo que peticionam que seja declarada a nulidade da doação efectuada.

Como pedido subsidiário requerem que seja decretada a perda do benefício obtido pela 1.ª Ré com a doação efectuada, uma vez que alegam que a mesma teve em conta a qualidade de nora e sobrinha dos Autores daquela, no pressuposto de que o casamento desta com o 2.º Réu se mantivesse, pelo que com o divórcio entre estes desapareceu o interesse na permanência deste beneficio recebido gratuitamente pela 1.ª Ré.

*Regularmente citados os Réus não contestaram.

*Foi dado cumprimento o disposto no artigo 484.º, n.º 1 do Código de Processo Civil na redacção anterior à Lei n.º 41/2013 de 26 de Junho tendo sido considerados confessados todos os factos articulados pelos Autores.

*Notificados nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 484.º do Código de Processo Civil na redacção anterior à da Lei n.º 41/2013, Autores e a 1.ª Ré D… vieram apresentar alegações de direito.

A final foi sentenciada a causa nos seguintes termos: «Por tudo o exposto, decide-se julgar a presente acção parcialmente procedente e em consequência: 1. Julgar improcedente o pedido deduzido a título principal, absolvendo-se os Réus do mesmo; 2. Julgar procedente o pedido deduzido a título subsidiário, declarando a perda do benefício obtido pela 1.ª Ré D… com a doação efectuada por escritura pública de dia 5 de Fevereiro do ano de 2001, no 7.º Cartório Notarial do Porto, a fs. 27 a 28 V.º do Lº D –tendo por objecto o imóvel Prédio misto composto por casa de um pavimento e quintal, terreno de cultura e ramada, sito no …, freguesia …, concelho da Maia, inscrito na matriz sob os artigos 18 urbano e 1 rústico, com o valor patrimonial total de duzentos e doze mil cento e vinte escudos, correspondendo à parte urbana o valor de cento e noventa e quatro mil e vinte e seis e o atribuído de igual valor e parte rústica o valor de dezoito mil e noventa e quatro escudos e o atribuído de igual valor e descrito na Conservatória do Registo Predial da Maia sob o número mil duzentos e trinta e cinco “…”, revertendo a sua quota-parte no identificado imóvel a favor dos doadores B…, C… e L….».

Inconformada com a sentença, dela veio recorrer a Ré D…, tendo apresentado alegações que remata com as seguintes “CONCLUSÕES: I.

Os Autores vieram propor contra os Réus a presente acção declarativa de processo ordinário. Alegaram que no dia 5 de Fevereiro de 2001 as Autoras, em conjunto com o também Autor B…, na qualidade de marido da Autora C…, efectuaram escritura de doação do prédio misto sito no …, freguesia …, concelho da Maia, inscrito da matriz predial sob o artigo urbano e rústico com o valor patrimonial de 212.120$00 (€1.058,08). Mais alegam que tal prédio, pela apresentação n.° 6/121092, foi indevida e ilegalmente registado como tendo sido adquirido pelas Autoras C… e L… e pelo Autor B…, por sucessão hereditária por óbito dos pais de C… e L…, o que não corresponde à verdade uma vez que B… e C… contraíram matrimónio do regime de comunhão de adquiridos. Concluem afirmando ter sido efectuada uma doação de bens alheios sob tal prédio, uma vez que B… não é proprietário de tal bem, pelo que peticionam que seja declarada a nulidade da doação efectuada. Subsidiariamente, requereram que seja decretada a perda do benefício obtido pela 1.° Ré com a doação efectuada, uma vez que alegam que a mesma teve em conta a qualidade de nora e sobrinha dos Autores daquela, no pressuposto de que o casamento desta com o 2.° Réu se mantivesse, pelo que com o divórcio entre estes desapareceu o interesse na permanência deste benefício recebido gratuitamente pela 1.° Ré.

II.

Foi proferida decisão que decidiu: 1. Julgar improcedente o pedido deduzido a título principal, absolvendo-se os Réus do mesmo; 2. Julgar procedente o pedido deduzido a título subsidiário.

  1. No nosso entender a decisão recorrida está fulminada por: Violação do disposto no artigo 12.° e 1971.° do Código Civil IV.

    Entendeu o Tribunal aplicar ao caso o disposto no artigo 1791.° do Código Civil com a redacção da Lei 61/2008, de 31 /10 e uma vez que, na actual redacção do artigo 1791.°, não se mostra necessário o requisito da culpa, caso o disposto naquele preceito operasse ipso iure, ambos os cônjuges perderiam o benefício recebido por terceiro, o que pode não corresponder à intenção do doador entendeu decretar a perda do benefício obtido pela Recorrente.

    V.

    A decisão em causa viola o disposto no artigo 12.° do Código Civil, pois considerando que a doação foi realizada no ano de 2001 e o divórcio decretado no ano de 2006 por mútuo consentimento, o disposto legal a aplicar seria o resultante da redacção do artigo 1791.° do Código Civil anterior à Lei 61/2008, de 31 /10, ou seja teria que verificar-se o trânsito em julgado da sentença proferida na acção de divórcio litigioso que declarou um dos cônjuges único ou principal culpado para operar a perda do beneficio.

    VI.

    Deve ser a lei em vigor á data do divórcio e não uma posterior que deve regular a presente situação, conforme preceituado na norma geral de aplicação das leis no tempo constante do artigo 12.° do Código Civil.

    VII.

    O princípio geral de aplicação das leis no tempo consagrado no artigo 12.° é o de que a lei só dispõe para o futuro e, ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular. Todavia, quando a lei dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que ela "abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor".

    VIII.

    Ora no presente caso o casamento já não subsistia á data da sua entrada em vigor.

    IX.

    Assim e nos termos do disposto no artigo 12.° do Código Civil o regime introduzido pela Lei n.° 61/2008 aplica-se aos casamentos celebrados antes da sua data de entrada em vigor (01.12.2008) e que nessa data ainda subsistam, isto é, não tenham sido dissolvidos.

    X.

    Ora no presente caso, o divórcio foi decretado em 2006.

    XI.

    Esta solução conduz a que a nova versão do artigo 1791.° do Código Civil não seja aplicável aos casamentos dissolvidos em data anterior á sua entrada em vigor.

    XII.

    Atentos os factos dados como provados e conforme resulta do disposto no 1791.° do CC (na sua versão anterior) só pode perder os benefícios quem for declarado único ou principal culpado do divórcio, ora conforme resulta dos autos o divórcio foi decretado por mútuo consentimento em 2006, pelo que não existindo a declaração prevista no artigo 1787.° do CC não poderia o pedido proceder e acção deveria ter sido julgada totalmente improcedente.

    XIII.

    Ao não fazê-lo o Tribunal violou o disposto no artigo 12.° do Código Civil e consequentemente o artigo 1791 do Código Civil na redacção anterior à Lei n.° 61/2008.

    Normas violadas: 12.° do Código Civil e consequentemente o artigo 1791 do Código Civil na redacção anterior à Lei n.° 61/2008.

    Termos em que deve o presente Recurso ser admitido e julgado procedente por provado e, consequentemente a decisão em crise revogada e substituída por outra que julgue a presente acção totalmente improcedente por não provada.».

    Foi apresentada resposta às alegações, na qual se pugna pela confirmação da sentença.

    Foram colhidos os vistos legais.

  2. FUNDAMENTAÇÃO.

    II.1. AS QUESTÕES: Tendo presente que: - O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (arts. 635º, nº4 e 639º, do C. P. Civil); - Nos recursos se apreciam questões e não razões; - Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, a questão suscitada no recurso é esta: ● Se deve ser aplicada ao caso sub judice a redacção do artº 1791º do CC vigente à data do divórcio dos 1º e 2º Réus e, como tal, se a nova versão daquele normativo, decorrente da Lei nº 61/2008, de 31.10, se não aplica aos casamentos dissolvidos antes da sua entrada em vigor.

    II.2. OS FACTOS: No tribunal recorrido deram-se como provados os seguintes factos: 1. Pela apresentação n.º 6/121092 o prédio misto composto por casa de um pavimento e quintal, terreno de cultura e ramada, sito no …, freguesia …, concelho da Maia, inscrito na matriz sob os artigos 18 urbano e 1 rústico, com o valor patrimonial total de duzentos e doze mil cento e vinte escudos, correspondendo à parte urbana o valor de cento e noventa e quatro mil e vinte e seis e o atribuído de igual valor e parte rústica o valor de dezoito mil e noventa e quatro escudos e o atribuído de igual valor e descrito na Conservatória do Registo Predial da Maia sob o número mil duzentos e trinta e cinco … foi registado como tendo sido adquirido...

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