Acórdão nº 655/13.6TTOAZ.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelEDUARDO PETERSEN SILVA
Data da Resolução26 de Maio de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 655/13.6TTOAZ.P1 Apelação Relator: Eduardo Petersen Silva (reg. nº 450) Adjunto: Desembargadora Paula Maria Roberto Adjunto: Desembargadora Fernanda Soares Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório B…, residente em …, veio interpor a presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento que lhe foi promovido em 3.10.2013 por “C…, Lda.”, com sede na … (…) São João da Madeira.

Na audiência de partes foi ordenada a notificação do empregador para motivar o despedimento e para dar cumprimento ao disposto no artigo 98º-J nº 3 do CPT.

A Ré apresentou articulado motivador do despedimento, invocando, em síntese, que o Autor, encarregado do processamento das vendas de combustível a clientes, sendo perfeito conhecedor do software instalado, aproveitou o seu próprio cartão de desconto emitido pela D… para, após o processamento das operações de venda de combustíveis a clientes, de imediato as anular, fazer novas operações desta vez com desconto, do qual se apropriou, sendo ainda que por o fazer off-line em relação à D…, a Ré não era restituída, por esta, do valor dos descontos. Este procedimento prejudicou irremediavelmente a relação laboral e o Autor, confrontado com a sua conduta, aceitou nada mais reclamar da Ré na altura em que recebeu os seus créditos salariais sobre os quais a Ré decidiu não fazer o desconto do prejuízo que lhe foi causado.

Na parte final do articulado motivador a Ré requereu a junção aos autos de cópia do “processo” disciplinar instaurado ao Autor, cópia essa que consta a fls. 35 vº e seguintes, e da qual notificação da instauração de processo disciplinar e envio da Nota de Culpa, Nota de Culpa, 3 documentos relativos a uma mesma venda de combustível, resposta à Nota de Culpa, dois autos de inquirição de testemunhas, decisão final de despedimento, alguns documentos relativos a operações de venda de combustíveis (fls. 48 vº a 59) e declaração intitulada Declaração de Quitação.

O Autor contestou, desde logo invocando a nulidade do processo disciplinar, por o mesmo apenas conter uma nota de culpa, a defesa apresentada pelo Autor, os autos de inquirição de testemunhas e a decisão, aí faltando pois juntar, pelo menos, na lógica da entidade empregadora, 223 documentos relativos às operações de venda em que o Autor supostamente se apropriara de valores de desconto. A inexistência desses documentos viola o princípio do contraditório e da defesa.

Por outro lado, outras nulidades do procedimento disciplinar ocorrem: - a Nota de Culpa não menciona os concretos deveres contratuais supostamente violados, sendo tal elemento essencial para a defesa, verificando-se uma ausência de descrição circunstanciada de factos que permitam ao trabalhador defender-se; - a omissão de menção dos deveres contratuais violados manteve-se – não obstante a sua invocação na resposta à nota de culpa – na própria decisão de despedimento.

- em momento algum do processo disciplinar a empregadora consignou a data em que teve conhecimento dos factos, o que é elemento essencial para a defesa, dado que importar sindicar a eventual caducidade.

O A. invocou ainda, à cautela, a caducidade do procedimento disciplinar.

Por impugnação, negou a prática dos factos, invocou que, aliás, ficou precludido o direito da Ré em juntar ao procedimento disciplinar os documentos relativos às operações de venda, opôs-se à peritagem requerida pela Ré aos documentos, e alegou ainda a sua versão dos factos: - as operações de anulação das vendas seguidas de novo processamento eram devidas ao facto dos clientes, portadores de talões e cartões de desconto, não mencionarem a vontade de obterem os descontos antes da realização da primeira operação, e por isso todas as segundas operações se destinaram a satisfazer o interesse dos clientes em receberem os descontos, como efectivamente receberam. A anulação das operações era permitida pelo sistema informático, e quando assim acontecia, o sistema comunicava à D… e era emitida mensagem de permissão da operação. Nunca a Ré comunicou, ao A. ou a qualquer dos seus colegas, que não podiam efectuar qualquer anulação de operação.

O Autor deduziu ainda reconvenção, desde logo invocando danos morais, e peticionando a declaração de nulidade do despedimento na procedência das excepções invocadas, a declaração de ilicitude do despedimento, e em qualquer dos casos que a Ré seja condenada a pagar-lhe: - uma indemnização por antiguidade, no valor de € 1.715,00, acrescida de juros até decisão final; - as remunerações e demais regalias vencidas e vincendas, incluindo juros, até decisão final; - a quantia de € 1.500,00, pelos danos não patrimoniais.

A Ré respondeu a fls. 75 e seguintes, alegando: - quanto à invocada nulidade do processo disciplinar, tal nulidade não procede, na medida em que a Ré alegou na nota de culpa os factos em causa, inserindo-os nas circunstâncias de tempo e local, como o impõe o art. 353º do Código do Trabalho; - o Autor confunde factos com meios de prova, pretendendo cercear à Ré a possibilidade de fazer no âmbito destes autos a produção dos meios de prova em Direito permitidos; - nenhuma norma impõe a obrigação de fazer referência, na nota de culpa, à data em que o empregador teve conhecimento da infracção; - porque o prazo a que alude o art. 329º/2 do Código do Trabalho é de caducidade, compete ao Autor, nos termos do art. 343º/2 do Código Civil, alegar e provar os factos que demonstrem ter o prazo decorrido; - impugna, por falsos, os factos alegados pelo Autor em sede de reconvenção.

A fls. 89 foi proferido despacho convidando a Ré a juntar aos autos, em 10 dias, e com a cominação prevista pelo art. 98º-J, nº 3, do Código de Processo do Trabalho, o procedimento disciplinar.

Na sequência desse despacho, veio a Ré, a fls. 90 vº e seguintes, dizer que com o seu articulado juntara todas as peças do processo disciplinar, sendo que em relação à nota de culpa e à decisão, procedera à junção das cópias constantes do arquivo informático, que não estavam assinadas, sendo porém certo que as mesmas peças haviam sido remetidas ao Autor devidamente assinadas. Pediu que lhe fosse relevado o lapso e declarou proceder novamente à junção do processo disciplinar com as peças devidamente subscritas, tal como remetidas ao Autor.

Com data de 18/02/2014 (referência electrónica nº 803494), foi proferido novo despacho, renovando a determinação anterior, no sentido da junção do processo disciplinar e não apenas de cópia do mesmo, concedendo-se agora um prazo de 5 dias.

Quer deste último despacho, quer do despacho de fls. 89, o Autor foi notificado, conforme referências electrónicas nºs 801224 e 804439, nada tendo em face dos mesmos dito ou requerido.

Notificada desse despacho a 19/02/2014, veio então a Ré juntar o processo disciplinar a 21/02/2014, conforme resulta do Apenso por linha organizado para o efeito.

Foi proferido despacho saneador tabelar, admitida a reconvenção e a resposta à mesma, declarado o entendimento que o tribunal adoptaria quanto à questão da caducidade, dispensada a selecção de factos assentes e controvertidos, e admitida a prova pericial.

Foi junta aos autos a resposta do perito nomeado.

Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento no início da qual o Autor formulou requerimento de decretamento imediato da ilicitude do despedimento por não junção oportuna do procedimento disciplinar, não podendo o vício ser suprido nem corrigido, e sendo de conhecimento oficioso, tendo o tribunal, após contraditório, decidido relegar o conhecimento da questão para a sentença.

Foi respondida a matéria de facto, consignada a respectiva motivação e, seguidamente foi proferida sentença de cuja parte dispositiva consta: “Face ao exposto, decidimos julgar improcedentes a acção e a reconvenção, nos seguintes termos: a) julgamos improcedentes as nulidades do procedimento disciplinar que o Autor arguira; b) indeferimos a pretendida declaração de ilicitude do despedimento por não junção do procedimento disciplinar; c) julgamos lícito o despedimento do Autor; d) julgamos improcedente a reconvenção, desta sendo a Ré absolvida.

Custas pelo Autor/trabalhador – art. 527º/1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art. 1º/2 a) do Código de Processo do Trabalho.

Valor da causa: 2.000,00 [arts. 98º-P/1 do CPT e 12º/1 e) do Regulamento das Custas Processuais”.

Inconformado, interpôs o A. presente recurso, apresentando a final as seguintes conclusões: 1. O Tribunal de 1ª instância decidiu mal o requerimento apresentado pelo Autor, ora recorrente, no dia de audiência de julgamento, pois, por força de lei e na linha do que vem sendo propugnado por jurisprudência do STJ, a não junção dos documentos referidos no artigo 98.º – I n.º 4 do C.P. Trabalho, implica necessariamente a declaração imediata da ilicitude do despedimento, conforme previsto no artigo 98- J n.º3 do mesmo diploma legal.

2. O Tribunal recorrido andou mal ao considerar que tal vício já deveria ter sido invocado em momento anterior, pois, na verdade, o mesmo é de conhecimento oficioso, podendo ser invocado a todo o tempo pela parte a que aproveita.

3. O Tribunal recorrido apreciou mal a prova testemunhal produzida para, com base nela, dar por assentes os factos 14.º a 27.º da matéria de facto dada por provada, pois nenhuma das testemunhas ouvidas em julgamento disseram ter conhecimento, ter presenciado ou visto, seja de que forma for, os factos constantes naqueles pontos da matéria provada, sendo certo que nenhuma prova testemunhal se fez nesse sentido.

4. O Tribunal recorrido, ao justificar o sentido da sua decisão, apenas e tão-só nas regras da experiência comum, foi muito para além da mera faculdade de apreciar livremente a prova, pois que na sua construção dedutiva acabou por ser arbitrário e discricionário na valoração que fez já que impede o trabalhador de se defender.

5. Tal entendimento do Tribunal só seria admissível de a partir de uma realidade conhecida da conduta ilícita...

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