Acórdão nº 299/14.5T8PNF.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelPAULA LEAL DE CARVALHO
Data da Resolução11 de Maio de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Procº nº 299/14.5T8PNF.P1 Apelação Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 829) Adjuntos: Des. Rui Penha Des. Maria José Costa Pinto Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório O Digno Magistrado do Ministério Público intentou a presente ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho contra B…, SA, pedindo que seja reconhecido que o contrato celebrado entre a Ré e C… em 19 de Março de 2014 é um contrato de trabalho e que a relação laboral se iniciou naquela data.

Arrolou prova testemunhal.

A Ré contestou aceitando uns factos e impugnando outros, concluindo, pelas razões que invoca, que o vínculo contratual existente consubstancia um contrato de prestação de serviços e não um contrato de trabalho. Sob a epígrafe de defesa por “Excepção”, alega que: a ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho prossegue apenas o interesse privado de que é titular o alegado trabalhador, constituindo a ação em causa violação dos princípios da autonomia privada e liberdade contratual (art. 405º do Cód. Civil) e sendo inconstitucional por violação do princípio do Estado de Direito Democrático, na sua vertente da segurança jurídica e do princípio da confiança, da liberdade de escolha do género de trabalho, da igualdade, do direito de ação e livre desenvolvimento da personalidade, previstos, respetivamente, nos arts. 2º, 47º, nº 1, 13º, 20º, nºs 1 e 4, 26º, nº 1 e 27º, nº 1, da CRP; entendimento contrário, que atribuísse ao MP o poder de promover a presente ação em representação e no interesse próprio ou de terceiro determinaria a incompetência material do Tribunal do Trabalho.

Conclui no sentido da procedência da “exceção inominada de inconstitucionalidade”, declarando-se, consequentemente, extinta a instância e a ré dela absolvida ou, caso assim se não entenda, no sentido da total improcedência da ação, com a sua absolvição do pedido.

Juntou prova documental e arrolou testemunhas.

Designada data para julgamento e cumprido o disposto no art. 186º-l, nº 4, do CPC, veio a alegada “trabalhadora”, a fls. 502, comunicar aos autos que não pretende alterar o vínculo de contrato de prestação de serviços que mantém com a Ré.

Notificados o MP e a Ré para, querendo, se pronunciarem quanto a eventual homologação da desistência apresentada por aquela, veio a Ré requerer que seja homologada a desistência do pedido apresentada pela mesma, na sequência do que o Tribunal a quo foi proferida a seguinte decisão: “Pelo exposto, atenta a qualidade da requerente e o objecto do processo, nos termos do disposto nos arts. 283.º, n.º 1, 285.º, nº 1, 286.º, n.º 2, e 289º, todos do Cód. Processo Civil, julgo válida, por sentença, a desistência do pedido e, consequentemente, absolve-se a Ré do pedido.

Valor da acção: o previsto no art.º 12º, n.º 1, al. e), do Regulamento das Custas Processuais (ex vi art.º 186º-Q, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho).

Sem custas.” Inconformado, o Ministério Público recorreu, formulando, a final das suas alegações, as seguintes conclusões: 1) A ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho criada pela Lei 63/2013, de 27 de Agosto visa Combater a utilização indevida do contrato de prestação de serviços em relações concretas de trabalho subordinado; 2) Atribuindo a Lei ao Ministério Público legitimidade para intentar essa acção, independentemente de pedido ou vontade do trabalhador; 3) Sendo, por isso, interesses públicos que lhe são subjacentes; 4) Com a propositura da acção apenas se pretende pôr termo a uma situação de incerteza quanto à qualificação do contrato celebrado como sendo de trabalho ou de prestação de serviços; 5) Incerteza essa que Resultou após prévia inspecção da ACT, com base nos factos apurados e na presunção de laboralidade prevista no artigo 12º do Código do Trabalho; 6) O trabalhador não tem legitimidade para desistir do pedido contrariando a pretensão formulada pelo Ministério Público na Petição Inicial; 7) Já que o direito que se pretende acautelar com a instauração da acção não é um direito de que o trabalhador possa dispor; 8) Pelo que a declaração da trabalhadora, no sentido de constituir uma desistência do pedido, não pode ser considerada legal; 9) E, como tal, não deveria a transacção ter sido homologada; 10) A douta decisão recorrida violou, por erro de interpretação o disposto nos artigos 1249º do Código Civil, 1º da Lei 63/2013, de 17 de Agosto, 15º-A da Lei 107/2009, de 14 de Setembro, 52º e 186º-K, nº1, do CPT, e artigo 289º, nº1, do Código de Processo Civil; 11) Normativos legais esses que deverão ser interpretados e aplicados com o sentido e alcance sustentados na presente alegação; 12) E, consequentemente, ser revogada a decisão de que se recorre e substituída por outra que julgue inválida a desistência do pedido e ordene o prosseguimento dos autos com a designação da audiência de julgamento.

A Recorrida contra-alegou, tendo formulado, a final das suas alegações, as seguintes conclusões:“1.ªA consagração no processo do trabalho da acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, aprovada pela Lei n.º 63/2013, de 27 de Agosto, teve por finalidade o combate à precariedade no emprego, no pressuposto de que esta precaridade é prejudicial aos trabalhadores e pretendendo proteger estes últimos.

  1. Trata-se, pois, de conferir a cada putativo trabalhador outro meio para a obtenção da tutela legal que lhe é devida, com eficácia acrescida por efeito de tramitação processual mais célere e do patrocínio pelo Ministério Público.

  2. Uma vez iniciada a instância, o interesse protegido em cada acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho é o do sujeito da concreta situação jurídica em apreço, que na forma se apresenta como trabalho autónomo, mas relativamente à qual há indícios de subordinação jurídica.

  3. Assim sendo, o titular do interesse processualmente protegido e autor da acção é o putativo trabalhador, cujo contrato de trabalho pretende ver reconhecido.

  4. Na acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, o legislador não estatuiu que o Ministério Público actua em representação do Estado, nem que lhe caiba a defesa de interesse público, que não surge identificado.

  5. A acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho consubstancia acção declarativa de simples apreciação positiva, cujo objecto se limita à declaração da existência ou inexistência de direito ou facto jurídico.

  6. Sendo de simples apreciação positiva, da acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho não resultam quaisquer efeitos para terceiros e, designadamente, nem a autoridade tributária, nem a instituição competente da segurança social, podem socorrer-se de eventual sentença que reconheça a existência de contrato de trabalho como título para a cobrança da respectiva dívida, até porque da presente acção não decorre a fixação de qualquer rendimento colectável ou base de incidência previdencial.

  7. O contrato de trabalho insere-se no domínio da autonomia da vontade, não se tratando de negócio jurídico que possa ser imposto às partes pela lei, contra a vontade destas.

  8. Não tendo a Lei n.º 63/2013 introduzido qualquer alteração ao direito material, nomeadamente quanto à natureza do contrato de trabalho, não existe actualmente no nosso ordenamento jurídico qualquer referência legal no sentido de que o contrato de trabalho se encontra sujeito, limitado ou condicionado a algum tipo de interesse público, assim como que o mesmo não integra o núcleo de direitos indisponíveis.

  9. No caso concreto, estão em causa direitos disponíveis do alegado trabalhador, pelo que o mesmo pode deles dispor livremente.

  10. A circunstância de a presente acção se iniciar sem o impulso processual das partes e, em particular, do alegado trabalhador, não afasta a possibilidade de este poder, a partir do momento em que intervém na acção, desistir do pedido nela formulado, porquanto da Lei n.º 63/2013 não resulta qualquer limitação à liberdade de desistência, confissão ou transacção das partes, pelo que, nesta matéria, se aplica o regime geral previsto no artigo 289.º/1 do CPC.

  11. Não assiste razão ao Recorrente quando sustenta a sua legitimidade para prosseguir a presente acção, independentemente da vontade da prestadora de serviços a qual, se não fosse autora na presente acção – que é pelo facto de ser titular do único direito em discussão -, não poderia deixar de ser considerada como parte na mesma, atendendo, desde logo, ao disposto no artigo 186.º-O do CPT.

  12. Numa situação em tudo idêntica à dos presentes autos, decidiu já a Relação de Lisboa que “a intervenção do Ministério Público na propositura da acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, introduzida no CPT pela L. 63/2013, de 27/8, faz-se, em primeiro lugar, em defesa do interesse do “trabalhador” a que a acção diz respeito e, só secundariamente, em defesa do interesse público de combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado”, prosseguindo no sentido de que, “sendo o contrato de trabalho (tal como o de prestação de serviços) um contrato de direito privado, é disponível o direito dos respectivos outorgantes a verem jurisdicionalmente definida a respectiva qualificação jurídica”, o que “decorre aliás da própria lei ao prever, no art. 186º-O do CPT que, estando presentes ou representados o ”trabalhador” e o empregador, o juiz realiza audiência de partes, procurando conciliá-los (mesmo que o “trabalhador” não tenha aderido aos factos apresentados pelo M.P., apresentado articulado próprio, nem constituído mandatário)” e concluindo que, “se o “trabalhador” manifesta vontade de desistir do pedido e não houver razões para pôr em causa que tal declaração é consciente e livre, nada obsta a que se homologue a desistência e julgue extinto o direito que se pretendia fazer” (acórdão de 24.9.2014, in www.dgsi.pt com o número de processo...

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