Acórdão nº 266/11.0TAVFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 20 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelEDUARDA LOBO
Data da Resolução20 de Maio de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 266/11.0TAVFR.P1 1ª secção Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO No âmbito do Processo Comum com intervenção do Tribunal Singular que corre termos no 1º Juízo Criminal de Santa Maria da Feira com o nº 266/11.0TAVFR, foi submetido a julgamento o arguido B…, tendo a final sido proferida sentença, depositada em 17.03.2014, que condenou o arguido pela prática de um crime de homicídio por negligência p. e p. no artº 137º nº 1 do Cód. Penal, na pena de 150 dias de multa à taxa diária de € 8,00.

Inconformado com a sentença condenatória, dela veio o arguido interpor o presente recurso, extraindo das respetivas motivações as seguintes conclusões: 1. Os autos não contêm elementos conducentes à condenação do arguido, mas ao invés impõem a sua absolvição; 2. Os documentos, depoimentos e todo o acervo probatório deste processo judicial não são idóneos para as conclusões a que a douta sentença chegou; 3. Uma vez que o arguido circulava dentro do limite de velocidade permitida no local e na sua mão, aquando da ocorrência do sinistro; 4. Ao invés, a vítima surgiu em plena faixa de rodagem de uma estrada nacional (e logo da Estrada Nacional nº ., reconhecidamente uma via muito movimentada), em clara e evidente infração estradal, nomeadamente quanto ao lugar por onde devem transitar os peões ou fazer o atravessamento das vias de trânsito, o que se mostra decisivo para que as consequências danosas se tivessem produzido – como aliás a sentença, vinda de citar, repetidamente, reconhece; 5. Tal atitude de imprudência resulta, certamente, de a vítima se encontrar sob o efeito de um medicamento psicofármaco, cujos efeitos sedativos e hipnóticos condicionam o comportamento humano, reduzindo o reflexo, lentificando o pensamento e diminuindo a capacidade de atenção e o discernimento, o que toldou a sua perceção – e o fez atravessar a faixa de rodagem com as características acima referidas; 6. Encontrando-se demonstrado que a vítima iniciou o atravessamento numa via de tráfego rodoviário intenso, tendo-se colocado numa situação de perigo, onde deveriam circular apenas veículos, não está determinado quando, e em que momento, o fez; 7. Não estando, consequentemente, determinado em que altura se colocou como involuntário obstáculo em face do veículo conduzido pelo arguido, pelo que não pode tomar-se como assente que este poderia imobilizar o veículo atempadamente e evitar o atropelamento; 8. Pois necessitando o veículo de vários metros (26 metros segundo o relatório pericial constante dos autos) para se imobilizar à velocidade que seguia (e que se continha nos limites legais do local) os autos não sabem se a vítima se atravessou na frente do veículo a essa distância ou a uma distância menor; 9. Sendo perfeitamente lícito, razoável e de senso comum inferir-se que a vítima, quando se colocou à frente do veículo, este estava a uma distância de si inferior a 26 metros, podendo estar a 10 metros, 15 metros ou 17 metros – circunstância em que não seria possível imobilizar o veículo no espaço existente entre este e o peão ali surgido e evitar a colisão; 10. A tudo isto acrescem as demais circunstâncias do acidente que ocorreu de noite, com a vítima a trajar roupas escuras e circulando o veículo do arguido dentro do limite legal, e com o sinistrado sob o efeito de sedativo hipnótico não se vendo, assim, como pode ser o arguido responsabilizado, culpado e condenado por homicídio negligente; 11. Não existem testemunhas oculares do acidente e, logo, a dinâmica do acidente não se encontra demonstrada, sendo verosímil concluir que o acidente pode ter ocorrido por uma de diversas formas que os autos desconhecem, não podendo, em boa verdade, sustentar-se que uma é mais válida que outra; 12. Nada nos autos permite deduzir que quando a vítima efetuava o atravessamento, o arguido estava a uma distância suficiente e com tempo suficiente para a avistar e evitar o atropelamento tal qual ele ocorreu – sendo puro exercício de especulação e adivinhação sustentar-se o contrário; 13. Muito menos é lícito e compatível com as normas aplicáveis aos autos - designadamente as que se impõem e sobrepõem e que são as do processo penal e as de índole constitucional – que tal exercício de especulação e adivinhação conduza à condenação pela prática de homicídio negligente; 14. O recurso à prova indireta exige especial cuidado e, pelo menos, a respetiva confirmação por outros elementos de prova, o que não existe nos autos, em absoluto; 15. As outras hipóteses, para o circunstancialismo de facto de que se reveste o acidente ajuizado, são igualmente possíveis (e uma delas, acima explicitada, bem plausível), se conjugadas com os restantes elementos dos autos, pelo que não podem ser afastadas; 16. E assim, não podendo ser eliminadas as restantes hipóteses para a produção do acidente, não poderia ter sido acolhida só uma, aquela que a sentença expressa e cujas premissas, conclusão e toda a linha condutora contêm flagrantes e evidentes falhas, sobretudo se atendermos à natureza do processo penal; 17. Sem conceder, e quando muito, dúvidas insanáveis encobrem o concreto circunstancialismo de que revestiu o acidente – pelo que, quando muito, deve ser aplicado o princípio in dubio pro reo; 18. A factualidade dos pontos nºs. 15, 16, 17, 20, 21, 22, 23 e 24 dos Factos Provados da sentença recorrida deve ser considerada Não Provada, uma vez que se funda, exclusivamente em prova indireta não baseada em nenhum elemento válido dos autos, mas apenas em suposições e conclusões extrapoladas; 19. Pois que outra coisa não são do que meras extrapolações e conclusões sem apoio algum, deixar-se dito que “o arguido só poderia seguir desatento à condução”, por ter “a possibilidade de observar a infeliz vítima … a 30 metros” quando este facto não se provou, por via alguma; 20. A sentença padece, assim, de um erro notório na apreciação da prova, ao inserir diversos factos respeitantes à conduta do arguido, à sua desatenção e falta de cuidado, quando a prova destes factos é uma completa e absoluta ausência dos autos, nada neles havendo que permita sugeri-lo – quanto mais dá-lo como provado; 21. A sentença não deixa também de conter flagrante e insanável contradição na sua fundamentação e desta com a decisão pois repete consecutivamente que a conduta da vítima se mostra decisiva para a infeliz ocorrência e, ainda assim, imputa a culpa do acidente ao arguido; 22. A decisão recorrida violou os artigos 24º, 99º, 100º e 101º do Código da Estrada, os artigos 124º, 355º, 356º do Código de Processo Penal e os artigos 15º e 137º do Código Penal.

*O arguido B… interpôs ainda um recurso interlocutório a fls. 541 a 546, renovando o interesse na respetiva apreciação aquando da interposição de recurso da sentença final.

Conclui as respetivas motivações do seguinte modo: 1. No douto despacho recorrido, o Tribunal extravasa o âmbito da norma aplicável (e que invoca) – artigo 358º nº 1 do Código de Processo Penal – pois não se cinge a factos apurados no decurso da audiência; 2. Em boa verdade, procede em sentido inverso ao que a lei determina pois se esta estipula e contém o seu âmbito de aplicação precisamente aos factos colhidos no decurso da audiência, o Tribunal não utiliza nenhum facto resultante da audiência de julgamento; 3. A lei permite apenas e tão só (e nunca mais do que isso) que o Tribunal, durante a dinâmica de produção de prova na Audiência de Julgamento, se divisar factos que possam interessar para a decisão do processo os possa selecionar; 4. No entanto, todos os novos factos constantes do despacho recorrido seguiram para ali diretamente da fase de inquérito, o que a lei não prevê e não permite; 5. O douto despacho recorrido devotou-se à missão de refazer, de cabo a raso, a acusação e apresentar uma totalmente nova, da sua lavra, aproveitando apenas uma pequena parte do que da acusação constava – procedendo a uma verdadeira revolução quanto ao teor da acusação.

6. Deparamo-nos, assim, com uma nova acusação em que o Tribunal tomou, indevidamente, o lugar do Ministério Público para reedificar, por inteiro a Acusação Pública que existia nos autos; 7. O Tribunal interpretou o normativo legal de uma forma demasiado ampla a excessiva e que não se contém nas balizas que a norma adjetiva prevê e impõe; 8. A questão sob recurso é saber se o Tribunal, ao decidir proferir um despacho para alteração não substancial dos factos poderia agir como agiu – e não podia, pois vai além do que a lei permite; 9. A boa interpretação da norma e dos princípios que atravessam o nosso processo penal deverá levar à constatação que este preceito não confere uma carta branca ao Tribunal para que refaça a Acusação Pública e a transforme por completo, passando o Tribunal (aproveitando excertos e fragmentos da Acusação), ao papel de acusador e deixando a sua função para se substituir ao Ministério Público; 10. Que foi o que, salvo o devido respeito e melhor opinião, o Tribunal acabou por fazer, pelo que deve ser ponderado em que medida é lícito, regular e admissível a prolação do despacho recorrido e, consequentemente, a sua subsistência nos autos; 11. A decisão recorrida violou os artigos , , 48º, 53º e 358º do Código de Processo Penal.

*Na 1ª instância apenas o Ministério Público respondeu às motivações de ambos os recursos interpostos pelo arguido, concluindo pela sua improcedência.

*Neste Tribunal da Relação do Porto o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência dos recursos do arguido.

*Cumprido o disposto no artº 417º nº 2 do C.P.P., veio o arguido/recorrente responder nos termos constantes de fls. 643 a 645.

*Colhidos os vistos legais, procedeu-se a audiência a requerimento do arguido, com observância do legal formalismo.

* *II – FUNDAMENTAÇÃO A sentença sob recurso considerou provados os seguintes factos: [transcrição] 1) No dia 3 de fevereiro de 2011, pelas 18.50 horas, o arguido circulava na Estrada Nacional n.º ., junto...

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