Acórdão nº 53/14.4SFPRT-B.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 06 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelELSA PAIX
Data da Resolução06 de Maio de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 53/14.4SFPRT-B.P1 Instância Central - 1ª Secção Instrução Criminal (J3) da Comarca do Porto Acordam, em Conferência, os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I – Relatório Na Instância Central - 1ª Secção Instrução Criminal (J3) da Comarca do Porto, no processo nº 53/14.4SFPRT, no dia 29.01.2015, foi submetido a primeiro interrogatório judicial o arguido B…, solteiro, nascido em 15.06.1984, filho de C… e de D…, natural da Freguesia …, concelho de Matosinhos, tendo-lhe sido aplicada a medida de coacção de prisão preventiva.

Foi proferida a seguinte decisão (transcrição): “Os factos expostos ao arguido B…, sustentados pelos meios de prova que lhe foram comunicados, indiciam fortemente a prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21º nº 1 do D.L. nº 15/93 de 22/01 com referência à Tabela I-C anexa ao referido diploma legal, ao qual corresponde em abstracto, pena de prisão de 4 a 12 anos.

Com efeito, não foi por acaso que o OPC efectuou as vigilâncias externas nos dias 27/11/2014 entre as 9.00 horas e as 11.05 horas (fls. 8 e 9), 29/12/2014 entre as 9.30 horas e as 10.55 horas (fls. 65), 8/1/2015 entre as 9.30 horas e as 11.30 horas (fls. 68 e 69), mas porque teve notícia de que o arguido B… e demais arguidos que foram detidos nestes autos, se dedicavam à comercialização de produtos estupefacientes, presenciando 90 vendas nos períodos de tempo ali referidos (incluindo as vendas presenciadas nos dias 7/1/2015 e 9/1/2015, cfr. fls. 66 e 67 e 70).

De tais informações constava ainda que o aqui arguido B… não tem qualquer ocupação profissional.

E os factos constantes de tais informações comprovaram-se quer pelo resultado das vigilâncias, onde surge sempre o arguido B…, que saindo da residência buscada, conduzindo a viatura fotografada a fls. 123 a 125, com matrícula ..-CQ-.., cujo direito de propriedade se encontra registado em seu nome, faz a entrega ao seu irmão E… de um embrulho e recebe do E… várias notas, regressando a casa, quer pela apreensão do produto estupefaciente haxixe vendido e que foi apreendido aos clientes dos arguidos, logo no instante seguinte, conforme consta de fls. 10 a 30, 71 a 74.

O E… de seguida, procedia à venda directa do haxixe aos clientes consumidores essencialmente no …, no Porto e após, fazia a entrega, ao B…, do lucro obtido.

Por sua vez, na busca efectuada à residência do arguido B…, sita na Rua … nº …, no Porto, foi apreendida a quantia monetária de € 124.420,00, que na sua maioria estava fraccionada em notas de baixo valor facial e haxixe com o p.b.ta. de 19,97 gramas.

Este arguido, ao aperceber-se da presença do OPC na sua residência pelos toques da campainha e seguido arrombamento da porta, às 10.20 horas do dia 9/1/2015, dia útil, saltou em pijama e descalço, pela janela do seu quarto para a rua (cfr. fls. 127), colocando-se em fuga, correndo magoado (fraturando o tornozelo, em sua consequência) pelo salto que dera, refugiando-se em casa de um cunhado, que é comerciante de automóveis, a cerca de 500 metros de distância.

Diga-se em abono da verdade, que tal salto numa altura de 6 metros e fuga em pijama e descalço para a rua, arriscando-se a sofrer lesões com alguma gravidade e dolorosas, no caso fraturando o tornozelo e continuando a correr, é muito de estranhar para quem reclama a inocência nos factos que lhe estão imputados, como aqui faz o arguido, que por causa de tal comportamento ficou internado no hospital, para ser sujeito a intervenção cirúrgica ao tornozelo.

E na busca à residência do irmão, o co-arguido E…, que também não tem qualquer ocupação profissional, foram apreendidos haxixe com o p.b.t.a. de 3.430,52 Kg, a quantia monetária próxima de € 2.000,00 (€ 1.245,00 + € 154,99 + € 570,00 + € 14,37), 4 moinhos próprios para moer estupefaciente e outros utensílios próprios para o seu doseamento e condicionamento em doses individuais (tábua de madeira com resíduos, mortalhas, papel celofane, rolo de papel de alumínio, ligaduras e bloco de apontamentos).

O arguido neste interrogatório judicial, declarou exercer a actividade profissional de comerciante de automóveis (diga-se, a profissão do cunhado em cuja habitação se refugiou), pneus e legalização de veículos por conta própria, auferindo cerca de € 1.200,00 por mês, embora não colectado junto da Fazenda Pública, o que, para além de não estar minimamente comprovado, nem sequer é compatível com a quantidade de dinheiro que lhe foi apreendido na residência, pois se o arguido adquire as viaturas no estrangeiro para as vender em Portugal, e os pneus algures em Portugal, nem sequer ganha o suficiente para investir na compra de veículos para revenda ou de pneus, nem da busca à sua residência foram encontrados documentos indiciadores de que se dedique à legalização de viaturas para terceiras pessoas.

Note-se que o arguido a fls. 118 e 119 declarou desconhecer os rendimentos do agregado familiar composto por ele, pela companheira (que neste interrogatório afirmou ser empregada de limpezas e que faz unhas de gel por conta própria e que residem ambos em casa arrendada pela quantia mensal de € 11,00) e 2 filhos menores de ambos, não ter bens imóveis, nem contas bancárias, ou participações sociais.

Aliás, se o arguido efectivamente se dedicasse a tal alegada actividade comercial, ainda que com fuga ao Fisco, não se recusaria a abrir a porta da residência ao OPC, nem saltaria pela janela do quarto para a rua, numa altura de 6 metros, descalço e em pijama, às 10.20 horas de dia útil, correndo pela rua fora com o tornozelo fracturado, refugiando-se em casa do cunhado.

Como já diz o povo na sua sabedoria, " quem não deve não teme"! Ao contrário, antes se indicia nos autos que o arguido não tem qualquer ocupação profissional e obteve a consideravelmente elevada quantia monetária de € 124.420,00 -cfr. art. 202º b) do C.P.P. -(repartida em notas de baixo valor facial) com a venda de haxixe que entregava ao seu irmão E… para este, por sua vez, o partir, dosear, embalar e vender aos consumidores no …, no Porto.

Aliás, só assim se explica a aquisição, posse e inerentes despesas com a manutenção do veículo que tem registado em seu nome e que foi apreendido, no qual se deslocava até junto do irmão para fazer a entrega dos embrulhos contendo haxixe, o que de todo seria impossível para um desempregado, que tem como habilitações académicas apenas a 4ª classe do ensino primário e uma família composta por mais 3 elementos para sustentar, sendo 2 deles duas crianças de menor idade, sobretudo na actual conjuntura político-económica em que estão tão caros bens de primeira necessidade, tais como água, electricidade, gás e géneros alimentares. A isto acresce ainda os gastos com o vestuário e infantário para os 2 filhos menores.

Neste momento histórico, a conjuntura não ajuda, e o emprego é muito difícil de conseguir, mesmo para os que possuem uma licenciatura.

Desconhece-se quem seja o fornecedor do haxixe ao arguido B…, sendo plausível que uma parte da quantia monetária que lhe foi apreendida na residência se destinasse a ser entregue a esse fornecedor, sendo o arguido B… um intermediário na organização do tráfico do haxixe.

Restituir este arguido à liberdade ou pelo menos restringi-la, colocando-o obrigado a permanecer na habitação ainda que com controlo por meios técnicos à distância, seria permitir-lhe continuar a traficar pacatamente em casa, pois como se desconhece ainda a identidade do seu fornecedor, não seria possível in casu, cumular esta medida com a proibição de contactos com este, já que o fornecedor continuaria a ter acesso directo ao arguido e este poderia, a partir da residência, comandar a continuação do negócio do haxixe, através de outros intermediários, uma vez que o seu irmão E… se encontra preso preventivamente.

É certo que o arguido se encontra em liberdade neste momento e se apresentou voluntariamente neste tribunal no dia hoje, o que é de louvar.

Porém, tal atitude, sem outra colaboração do arguido que não prestou declarações sobre os factos apesar de se encontrarem fortemente indiciados, não é suficiente para se considerar atenuado os perigos de perturbação do inquérito, nomeadamente para a manutenção e veracidade da prova já adquirida e ainda a adquirir, de perturbação da ordem e tranquilidade públicas inerente ao crime em apreço pelos graves danos que causa na saúde dos toxicodependentes, pelo drama que causa nas respectivas famílias destruindo-as, pelos efeitos criminógenos de que é gerador, e de continuação da actividade criminosa.

Se tivesse sido outra a postura do arguido neste interrogatório judicial, reveladora de que estaria disposto a mudar de vida, seria de considerar não aplicar-lhe a medida mais gravosa, pela atenuação dos ditos perigos.

E é certo que no caso presente o perigo de continuação da actividade criminosa é muito forte, pois pelo que se deixou dito, o arguido faz desta actividade, indiciariamente o único e principal meio para a obtenção de ganhos económicos.

Como se exarou no Ac. da R.P. de 13/7/2011 " O crime de tráfico é, por natureza, um crime de repetição. Transforma-se facilmente, se não no modo de vida, pelo menos em actividade secundária, permanente, dificilmente repudiada, por quem a pratica. Implica ganhos económicos fáceis e consoante a natureza e estrutura do grupo em que o agente se insira, ou para quem actue, pode representar uma subida de estatuto económico e social, respeitabilidade no grupo e, até a garantia de protecção pessoal.

Quem trafica fá-lo para obter proventos económicos grandes, que justifiquem o risco que corre. O lucro implica que a actuação se transforme em actividade, repetida, frequente. (...).

Nesta medida, a ordem pública é particularmente sensível à reacção da justiça, face a este tipo de criminalidade. São particularmente intensas as necessidades de prevenção geral nesta área de criminalidade, que despertam um muito especial e particularmente intenso sentimento de reprovação...

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