Acórdão nº 65775/12.9YIPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 21 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Data da Resolução21 de Maio de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso de Apelação Processo n.º 65775/12.9YIPRT.P1 [Comarca de Aveiro / Instância Local / Estarreja] Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto: I.

B…, S.A.

, com sede em …, Aveiro, requereu procedimento de injunção contra C…, Lda., com sede em Salreu, Estarreja, com vista a obter o pagamento da quantia de €579,35 proveniente de facturas do fornecimento à requerida de água e saneamento.

Frustrada a notificação da requerida, o procedimento foi remetido à distribuição como acção. Após a distribuição, a Mma. Juíza a quo convidou a autora a pronunciar-se sobre a eventual incompetência do tribunal em razão da matéria. A autora pronunciou-se defendendo a competência dos tribunais judiciais. De seguida foi proferida decisão julgando a excepção invocada procedente e consequentemente absolvendo a ré da instância.

Do assim decidido, a autora interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões: 1. Conforme resulta do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), o âmbito da jurisdição administrativa em matéria contratual não depende do carácter jurídico-administrativo do contrato; 2. Não se aplica o artigo 4.º, n.º 1, alínea d) do ETAF, dado não estarmos perante a fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos praticados por sujeitos privados, designadamente concessionários, no exercício de poderes administrativos; 3. A alínea f), do n.º 1 do artigo 4.º, apenas atribui competência à jurisdição administrativa para apreciar litígios sobre a interpretação, validade e execução de (i) contractos de objecto passível de ato administrativo, (ii) de contractos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo, ou (iii) de contractos em que pelo menos uma das parte seja uma entidade pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão, e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público; 4. Ora, a relação material em litígio é de natureza manifestamente privada, pois é pedido a condenação do cliente/consumidor final, aqui Recorrida, no pagamento de determinado montante referente aos serviços de fornecimento de água e saneamento, sendo a causa de pedir a violação da relação sinalagmática pelo não pagamento do preço acordado, ou seja, não é do foro administrativo e não se alicerça no disposto no art.º 4, n.º 1 alínea f) da ETAF, estando excluída a sua aplicação; 5. O contrato dos autos (contrato de fornecimento de água), para efeitos de critério de justiciabilidade administrativa, é um contrato de consumo, regulado no âmbito do direito privado, de uma relação de consumo, que não se celebra em substituição de qualquer ato administrativo; 6. Apesar de ser objecto de uma regulação específica, está longe de se poder considerar uma regulação baseada em normas de direito público, antes tal regulação é, pelo menos nos anos mais recentes, claramente, a protecção do consumidor no contexto de uma relação de consumo de um serviço público essencial; 7. O contrato dos autos não foi expressamente submetido pelas partes a um regime substantivo de direito público; 8. A competência dos tribunais administrativos em matéria de contractos da Administração latu sensu não depende (apenas) da administratividade, mas antes de outros critérios que inspiram as quatro alíneas do artigo 4.º do ETAF, sobre o âmbito da jurisdição administrativa relativa a contractos; 9. Os contractos de fornecimento de água por empresas como a da Recorrente não entram em nenhum dos preceitos constantes do ETAF, antes ordenam-se no âmbito do direito privado: são contratos de direito privado; 10. Da interpretação do ETAF resulta que, só a ordenação dos mesmos como contractos administrativos seria susceptível de os reconduzir à jurisdição dos tribunais administrativos; 11. Os contractos de fornecimento de água não são administrativos pela simples razão de que não são objecto de uma regulação baseada em normas de direito administrativo; tratam-se de contratos de consumo, em parte regulados por normas que protegem precisamente os direitos dos consumidores/utentes – Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, Lei dos Serviços Públicos Essenciais; 12. Estamos perante uma simples cobrança de dívida civil, por uma empresa privada, regulada pelas regras do direito privado; 13. A Recorrente é uma empresa privada, que não actua munida de poder soberano na sua relação com o consumidor, antes actua, perante este, em situação de paridade; 14. Não está aqui em discussão nem consubstancia o pedido ou a causa de pedir, tal qual foi apresentada pela ora recorrente, a relação entre a Recorrente e os entes públicos indicados no Contrato de Parceria; 15. Muito menos a correcta ou incorrecta determinação do preço devido pela prestação dos serviços; 16. Ou sequer a validade das cláusulas contratuais subjacentes à prestação do serviço não pago; 17. Estamos perante uma acção que tem por objecto o pagamento de valores constantes de facturas, mais juros, nos termos da fruição do uso do contador e da água consumida, pela qual foram emitidas facturas que não se mostram pagas; 18. Uma acção que tem por base uma relação jurídica de direito privado, e consubstancia uma situação de incumprimento das obrigações contratualmente assumidas pela Recorrida; 19. Obrigações que tendo natureza civil, regem-se, pelas normas dos contractos civis, estando em causa a apreciação de pressupostos da responsabilidade e do incumprimento e mora contratuais nos termos da lei civil – arts. 762 e segs, 792 e segs., 806, todos do CC; 20. A sujeição à jurisdição civil em face do incumprimento contratual é similar à que resulta da falta de pagamento de uma factura de electricidade ou de uma factura emitida por operadora de telemóveis ou de comunicações electrónicas – Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, Lei dos Serviços Públicos Essenciais; 21. Aqui o interesse que se satisfaz, com o fornecimento do serviço é o interesse particular do consumidor, ainda que no âmbito da prestação de serviços públicos essenciais; 22. Não se confunda, na apreciação dos presentes autos de recurso, a questão da determinação da qualificação da relação jurídica, ou seja, da criação a B… (que até é uma sociedade anónima constituída nos termos da lei comercial), com a prestação de serviços essenciais através de contractos subordinados ao regime do direito privado, celebrados com os particulares, tal como acontece com os serviços de fornecimento de água, electricidade e comunicações telefónicas, entre outros; 23. Assim, determinada e qualificada a relação jurídica entre a B… e o cliente, isto é, entre a Recorrente e a Recorrida, tal qual foi configurada pelo Autor no processo; 24. Na base da competência em razão da matéria está o princípio da especialização, com o reconhecimento da vantagem de reservar para órgãos judiciários diferenciados o conhecimento de certos sectores do Direito, pela vastidão e pela especificidade das normas que os integram pelo que só será competente o tribunal judicial (comum) se a causa não estiver inserida por lei na competência dos tribunais administrativos; 25. Assim, é perante os termos em que é estruturada a petição inicial que se afere se, atentos os contornos objectivos (pedido e seus fundamentos) e subjectivos (identidade das partes) da acção, a sua apreciação se enquadra na competência dos Tribunais Administrativos ou na competência dos tribunais judiciais comuns; 26. Os actos de gestão privada são, de modo geral, aqueles que, embora praticados por órgãos, agentes ou representantes do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas, estão sujeitos às mesmas regras que vigorariam para a hipótese de serem praticados por simples particulares, são actos em que o Estado ou pessoa colectiva pública intervém como um simples particular, despido do seu poder de soberania ou do seu jus imperi.

27. O presente diferendo insere-se estritamente nas relações entre a ora Recorrente e os consumidores/utilizadores, aqui Recorrida, pedindo-se o pagamento das quantias devidas pelo fornecimento de água a que a Recorrida estava obrigada por força do contrato de fornecimento, centrando-se o diferendo no volume e pagamento do preço da água; 28. Baseando-se num contrato que se ordena no âmbito do direito privado.

Pelo que deve ser dirimido nos Tribunais Judiciais, tendo o Juízo de Média e Pequena Instância Cível de Estarreja competência material para decidir a presente acção.

Foram violados os artigos 64º e 65.º, 96º, 97º n.º 2, 99º n.º 1, 278º n.º 1 al. a), 576º n.º 2 1.º parte, 577º 1 al. a), todos do Código de Processo Civil, bem como o artigo 1.º, n.º 1 do ETAF, e ainda, os artigos 211.º 1 e...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT