Acórdão nº 1012/12.7TJPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 12 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelFERNANDO SAM
Data da Resolução12 de Maio de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 1012/12.7TJPRT.P1 Da Comarca do Porto - Instância Local - Secção Cível - J7*Relator: Fernando Samões 1.º Adjunto: Dr. Vieira e Cunha 2.º Adjunto: Dr.ª Maria Eiró Acordam no Tribunal da Relação do Porto – 2.ª Secção: I. Relatório B…, interdito representado pela sua tutora C…, instaurou, em 4/6/2012, contra D…, melhor identificados nos autos, a presente acção declarativa pedindo que o réu seja condenado a despejar o locado, entregando-o livre de pessoas e bens, bem como a pagar-lhe as rendas vencidas, no montante de 6.184,09 €, e as vincendas.

Para tanto, alegou, em síntese, que a sua anterior tutora deu de arrendamento a E…, a partir 1/11/2005, para comércio, o rés-do-chão e 1.º andar do prédio sito na rua …, n.º .. da freguesia …, Porto, inscrito na matriz predial sob o art.º 641, vindo o réu a ingressar, por cessão, na posição contratual daquele arrendatário, tendo, porém, desde Agosto de 2011, deixado de pagar a respectiva renda, no valor actual de 562,19 €, invocando falsamente que o locado necessita de arranjo.

O réu contestou, excepcionando a ilegitimidade activa, por desconhecer qualquer direito do autor sobre o arrendado, e impugnando parte do alegado, reconhecendo, porém, ter deixado de pagar as rendas a partir de Agosto de 2011, mas invocando a excepção de não cumprimento do contrato, por o prédio se encontrar “em risco de ruína e, em rigor, inutilizável”, o que fez com que utilizasse apenas parte e originou a intervenção da Câmara Municipal … no primeiro semestre de 2011, face à inoperância do senhorio, que nada fez, não obstante ter sido avisado da necessidade de realização de obras e da redução da renda. Concluiu pela improcedência da acção e, caso assim não se entenda, pela redução proporcional e equitativa do pedido de pagamento de rendas, “tendo em conta, nomeadamente, a impossibilidade de fruição da totalidade do locado desde, pelo menos, Agosto de 2011 até à sua entrega efectiva”.

O autor respondeu à matéria da excepção, pugnando pela sua improcedência.

Por decisão de 23/5/2014, foram julgados habilitados a intervir na acção, como sucessores do autor, perante o seu falecimento ocorrido em 22/2/2013, os seus primos F…, casado, residente na rua …, .., Porto, G…, casado, residente na rua …, …, hab. .., Porto, H…, casado, residente na …, .., .º esq., Vila Nova de Gaia, I…, casado, residente na …, .., …, e J…, casada, residente na rua …, n.º .., ..º Porto.

Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a excepção da ilegitimidade.

Dispensada a condensação e instruída a causa, procedeu-se, em 21/11/2014, à audiência de discussão e julgamento, após o que, em 1/12/2014, foi elaborada sentença que julgou a acção procedente e, em consequência, condenou “o réu a despejar o locado, entregando-o livre de pessoas e bens, bem como a pagar as rendas vencidas, até à data da propositura da acção, no montante de € 6.184,09, bem como as vincendas”.

Inconformado com o assim decidido, o réu interpôs recurso de apelação para este Tribunal e apresentou a sua alegação com as seguintes conclusões: “I – O Rec.te não se conforma com a decisão quanto à matéria de facto, nos termos sobreditos, sendo que, as respostas deveriam ser aquelas que supra se enunciam.

II – Ademais, verificam-se contradições entre factos julgados provados e não provados, o que suscita obscuridades e ambiguidades, tornando ininteligível a sentença, o que determina a sua nulidade.

III – Porquanto, a Mma. Juíza a quo fez incorrecta apreciação dos testemunhos prestados em audiência, devidamente gravados no sistema de gravação utilizado nos Tribunais, juntando-se, em anexo, os mesmos devidamente transcritos na sua totalidade, e cuja reapreciação expressamente se requer.

IV – A Mma. Juíza a quo não procedeu à correcta valoração de cada uma das testemunhas, as suas razões de ciência, as suas relações de subordinação com os Rec.dos, os seus interesses implícitos na decisão da causa, e não conjugou os diferentes depoimentos entre si e com os documentos juntos aos autos, nem com as vicissitudes destes.

V – Nomeadamente, a Mma. Juíza desconsidera os depoimentos de quem demonstrou ter conhecimento directo e profundo dos factos, nomeadamente, o de K…, tal como desconsiderou explicações sustentadas e enquadradas temporalmente.

VI – O Recorrente não ignora que a reapreciação da matéria de facto não deve constituir um novo julgamento, mas no caso vertente, lamentavelmente, os erros de julgamento são tão notórios que se impõe um novo julgamento dos factos.

VII – A Mma. Juíza a quo demonstrou não ter entendido a situação de facto a que se reporta os autos e deixou-se levar no canto da sereia de quem se apresentou como sendo muito sério, apesar de violar deliberadamente as suas obrigações de locador e da interpelações administrativas para executar as obras que se impunham para conservar o prédio.

VIII – A Mma. Juíza a quo fez errada aplicação da faculdade que lhe é conferida pelo n.º 5 do artigo 607.º do Código do Processo Civil, ou, então, fez tábua rasa da prova produzida para, ao abrigo da sua livre apreciação, proferir a douta sentença de que se recorre.

IX - A convicção do Tribunal, quanto à realidade e verificação dos factos, gera-se quando, relatados com o mínimo de certeza, deixam de fora toda a dúvida, alinhando-os na coerência e lógica da situação em que se enquadram.

X - Não basta – é certo – a simples probabilidade da sua verificação; antes, é “exigível um grau de probabilidade tão elevado que seja suficiente para a vida” – Vaz Serra, Provas, 115). Ou seja, o julgador norteia-se por padrões de probabilidade forte, e nunca de certeza absoluta.

XI - Entende o aqui apelante que estamos perante, reitera-se, um manifesto erro na apreciação e interpretação da prova produzida, razão pela qual, in casu, a reapreciação da prova seguramente gerará em Vossas Excelências uma muito forte convicção de que os factos relatados pelo apelante correspondem à realidade, pelo que as respostas aos pontos da matéria de facto supra enunciados deverão ser alteradas nos termos referidos.

XII – Encontram-se preenchidos os pressupostos previstos no artigo 640º do Código do Processo Civil, pelo que se justifica o presente recurso.

Termos em que, Reapreciada a prova produzida, deverão Vossas Excelências revogar a decisão recorrida, proferindo, em seu lugar, outra por via da qual se julgue a presente acção conforme se concluiu na contestação, assim se fazendo JUSTIÇA” Os autores/recorridos contra-alegaram pugnando pela confirmação da sentença recorrida e pedindo a condenação do réu como litigante de má fé, com indemnização a seu favor em quantia não inferior a 1.500,00 €.

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso.

Sabido que o seu objecto e âmbito estão delimitados pelas conclusões do recorrente (cfr. art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do actual CPC, aqui aplicável – art.ºs 5.º, n.º 1 e 8.º, ambos da Lei n.º 41/2013, de 26/6), não podendo este Tribunal de 2.ª instância conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, e tendo presente que se apreciam questões e não razões, as questões que importa dirimir consistem em saber: 1. Se a sentença padece da nulidade que lhe é imputada; 2. Se pode/deve ser alterada a matéria de facto; 3. Se procede a excepção do não cumprimento do contrato e, em caso afirmativo, as suas repercussões para o desfecho da acção; 4. Se o réu litiga de má fé (questão suscitada nas contra-alegações).

  1. Fundamentação 1. De facto Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos: 1. O A. estava, à data da propositura da acção, judicialmente interdito, tendo a interdição sido declarada no processo 1100/1988 da 3ª Vara, 1ª Secção do tribunal judicial do Porto e sendo representado nos seus negócios pela tutora acima referida.

    1. No ano de 2005, entre a anterior tutora, D. L…, e E…, também de nacionalidade Bangladeshi, foi celebrado um contrato de arrendamento, para fins de comércio, relativo ao R/ Ch e 1º A do prédio sito na rua …, nº .. da freguesia …, Porto, inscrito na matriz predial sob o artº 641.

    2. Tal contrato foi celebrado pelo prazo de 1 ano, renovável por iguais períodos, a vigorar a partir de 1 de Novembro de 2005.

    3. Por cessão da posição contratual, a titularidade do arrendamento passou do arrendatário referenciado em 2 para o R, em 30.12.2006.

    4. A renda inicial foi estipulada na quantia mensal de € 500,00, ficando com os sucessivos aumentos legais no montante de € 562,9.

    5. Sucede que a partir de Agosto de 2011 (inclusive) até à data, o R. deixou de pagar a renda relativa ao dito R/ Ch e 1º andar.

    6. A Câmara Municipal …, em 2007, teve necessidade de intervir no prédio, para evitar o desmoronamento de elementos da fachada.

    7. Procedendo ao escoramento da fachada, com vigas de ferro implantadas na vertical e fixadas àquela, situação que ainda se mantém.

    8. O interior do locado encontra-se deteriorado.

    9. Pelo menos o rés-do-chão tem vindo a ser utilizado pelo réu, mantendo ali o seu estabelecimento aberto.

    10. O réu abriu, em momento não concretamente apurado, uma outra loja, para onde encaminha clientes que o procuram no arrendado.

    11. As escoras a segurar o prédio não o tornam apelativo aos olhos dos clientes.

    12. O réu chegou a tentar, através da pessoa mandatada pelo autor para receber a renda, obter uma redução da renda, o que foi recusado.

    13. De direito 2.1. Da nulidade da sentença O recorrente arguiu a nulidade da sentença, com fundamento em ininteligibilidade da decisão por obscuridade e ambiguidade dos seus fundamentos, mais concretamente por contradição entre os factos dados como provados sob os n.ºs 11 e 13 e os factos considerados não provados e que haviam sido alegados nos art.ºs 18.º e 22.º da contestação.

      O art.º 615.º, n.º 1, al. c) do CPC dispõe que a sentença é nula quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma obscuridade ou ambiguidade que torne a decisão ininteligível”.

      Aquela primeira causa de...

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