Acórdão nº 253/06.0GCSTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 02 de Dezembro de 2015

Magistrado ResponsávelARTUR OLIVEIRA
Data da Resolução02 de Dezembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO – SECÇÃO CRIMINAL (QUARTA) - no processo n.º 253/06.0GCSTS.P1 - com os juízes Artur Oliveira [relator] e José Piedade, - após conferência, profere, em 2 de dezembro de 2015, o seguinte AcórdãoI - RELATÓRIO 1. No processo comum (tribunal singular) n.º 253/06.0GCSTS, da Secção Criminal (J2) – Instância Local de Santo Tirso, Comarca do Porto, em que é assistente e demandante civil B…, é arguido e demandado civil C… e são demandados civis o Centro Hospital …, EPE e D… – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos [fls. 1943-1944]: «

  1. Absolver a arguida E… da prática de um crime ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelos artigos 148º, nº 1 e 3 e 144º, alíneas a), b), c) e d) do Código Penal de que vinha acusada.

  2. Condenar o arguido C… na pena 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de €30,00 (trinta euros) pela prática de um crime ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelos artigos 148º, nº 1 e 3 e 144º, alíneas a), b), c) e d) do Código Penal.

  3. Julgo parcialmente procedente o pedido cível deduzido pela demandante B… e, em consequência: 1. Absolvo a demandada E… do pedido de indemnização civil contra ela formulado.

  1. Condeno, solidariamente os demandados, C… e Centro Hospitalar do Médio Ave, EPE a pagarem-lhe a indemnização por danos não patrimoniais no valor de €35.000,00 (trinta e cinco mil euros) e a indemnização por danos patrimoniais no valor de €86.311,60 (oitenta e seis mil trezentos e onze euros e sessenta cêntimos) acrescidas de juros de mora, calculados às taxas legais aplicáveis, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, sendo a interveniente D… – Companhia de Seguros, SA responsável por tal pagamento de acordo com o contrato celebrado, com o limite €150.000,00 por sinistro e uma franquia de 10% do valor do sinistro, com o mínimo de €125,00.

    No mais, absolvo os demandados do pedido.

    (…)» 2. Inconformados, recorrem o arguido C…, os demandados civis Centro Hospitalar …, EPE e D… – Companhia de Seguros, S.A.

    e, com recurso subordinado, a assistente B…, extraindo das respetivas motivações as seguintes conclusões: - Recurso do arguido C… [fls. 2125-2130]: «1º Na consideração da responsabilidade (civil ou criminal) de um médico impõe-se antes do mais verificar se o mesmo violou, ou não, uma ou mais regras próprias da prática clínica, vulgarmente designadas por leges artis.

    1. Esta asserção tem a maior relevância para a compreensão do contexto em que o caso foi julgado em Primeira Instância, e do enunciado dos fundamentos em que o arguido pretende fazer assentar o recurso interposto da douta sentença recorrida.

    2. Através do presente recurso, o recorrente pretende demonstrar que o Tribunal a quo ignorou ostensivamente a regra ínsita no art. 150º do Código Penal (CP).

    3. O presente recurso tem igualmente por finalidade, entre outras, demonstrar que a prova produzida nunca permitiria dar como assentes os “factos” relatados sob os nºs 8 a 18, 26, 27 e 33 a 42 (incl.), e que a decisão sobre estas matérias enferma da errada ponderação e valoração dos elementos probatórios.

    4. Para além disso, a douta sentença recorrida revela vários exemplos de contradição insanável da fundamentação, e entre esta e a decisão, propriamente dita, 6º O recorrente tem a fundada suspeita para crer que o “destino” deste processo já estivesse traçado, mesmo antes da produção da prova em audiência de julgamento, em razão da circunstância de já ser previsível (a absolvição da co-arguida E… 7º Qualquer tentativa para se fixar um quadro factual minimamente fiável sobre a evolução da situação clínica da assistente passa obrigatoriamente pela consulta do respectivo Processo Clínico.

    5. No caso dos autos, o Processo Clínico da assistente revela um vasto conjunto de informação a que o Tribunal recorrido manifestamente não atendeu.

    6. Os meios de prova existentes nos autos demonstram ex abundanti a total ausência de fundamento, segundo critérios clínicos objectivos, para se ter dado como provada a “factualidade” constante do nº 8 do enunciado da fundamentação, devendo por isso, tal factualidade ser julgada como não provada.

    7. O Tribunal recorrido fez “tábua rasa” do princípio segundo o qual a aplicação de qualquer sanção penal depende da prova sobre a autoria material ou moral do crime, ou crimes, de que o arguido vinha acusado.

    8. O douto acórdão recorrido incorreu em erro notório na apreciação da prova e violou o disposto no art. 26º do CP.

    9. E tendo em conta todos os elementos de prova supra discriminados e transcritos, bem como as mais elementares regras da experiência comum, o enunciado dos factos dados como assentes sob os nos nºs 9 a 15 (inclusive) deve ser alterado do modo seguinte: 10. Em 5 de Dezembro de 2005, os sintomas apresentados pela assistente revelaram sinais evidentes de doença; 11. A partir dessa altura, a assistente teve, por vezes a necessidade de fazer penso duas vezes ao dia, nos Centros de Saúde … e de …; 12. Substituir a expressão “sempre referindo” por “tendo referido” e “pelo que a aconselhavam a” por “pelo que a aconselharam a”; 13. E assistente assim fez, nomeadamente no dia 7 de Dezembro de 2005; 14. Em várias ocasiões em que observou a assistente, quer em consulta, quer em “urgência”, o arguido solicitou a uma enfermeira que fizesse o respectivo penso e referiu-lhe que não se preocupasse porque a «loca ia fechar»; 15.No referido dia 7 de Dezembro (…) 13º. E à matéria do nº 9, na medida em que deverá traduzir na realidade processual a decisão de julgar como “não provada” a matéria do nº 44, deverão ser aditados os seguintes dizeres: observando-a todas as segundas e quartas-feiras, salvo durante o período de internamento da assistente, ocorrido entre os dias 24 e 31 de Dezembro de 2005.

    10. Da mesma forma, tendo igualmente em conta todos os elementos de prova supra discriminados e transcritos, bem como as mais elementares regras da experiência comum, à matéria dos nºs 16, 17 e 18 o Tribunal recorrido deveria ter respondido nos termos seguintes: 16.(…) tendo o Dr. C… (suprimir a expressão “por esse facto”) observado a ofendida e ordenado que a mesma fizesse uma ecografia e análises ao sangue; 17.(…) 18. Suprimir o período final a partir de «contudo a ofendida…)» 15º Os nºs 38, 41, 42 e 44 constituem meros enunciados gerais de “conclusões”, ou seja, não são “factos” no sentido acima expresso, pelo que o respectivo teor não deve ser atendido como expressão de acontecimentos ou ocorrências da realidade prática susceptíveis de ser “atestados” por qualquer meio de prova.

    11. Aliás, a conclusão expressa no nº 36 está em contradição manifesta com as conclusões dos nºs 17, 18, assim como com a prova constante dos autos.

    12. A afirmação contida no nº 40 é totalmente desmentida pelos registos contidos no Processo Clínico reportados àquela fase, sendo portanto destituída de qualquer fundamento.

    13. A Mª Juíza a quo esqueceu-se- de indagar se todos os procedimentos clínicos em que o arguido interveio, no seu próprio contexto de tempo e de modo, consubstanciavam a efectiva violação das legis artis.

    14. No seu “relatório de peritagem médica de cirurgia geral”, a Inspecção Geral das Actividades da Saúde pronunciou-se no sentido de que o arguido cumpriu todas as normas e procedimentos previstos nas leges artis.

    15. Mas o Tribunal a quo ignorou olimpicamente este relatório, nem sequer se lhe referindo para o apreciar criticamente, como tem a estrita obrigação de fazer em relação a qualquer “prova absolutória”, 21º A Mª Juíza a quo não atendeu pois ao disposto no art. 150º do CP, norma essa que se deve considerar violada pela douta sentença recorrida e, com esse fundamento, totalmente revogada.

    16. O Tribunal também não ponderou o facto evidente (e a circunstância infeliz) de os meios auxiliares de diagnóstico terem afastado expressamente a hipótese do abandono da compressa, como de resto foi confirmado pelo relatório da ecografia realizado em 27 de Dezembro 2005, durante o internamento a que a assistente foi submetida nessa ocasião! 23º A douta decisão recorrida, para além de não atender a uma parte significativa das provas existentes nos autos, de não ter ponderado e valorado outras no seu exato contexto temporal, de ter incorrido em contradições insanáveis entre os seus próprios fundamentos, e entre estes e a decisão, acabou por se traduzir numa decisão claramente injusta, mesmo para quem não esteja especialmente familiarizado com a realidade judiciária e com os complexos meandros das “artes médicas”.

    Termos em que, com o douto suprimento de V. Exª. Se deve revogar o douto acórdão recorrido, sendo o mesmo substituído por outro que absolva o arguido de todos os crimes em que foi condenado, assim se fazendo inteira JUSTIÇA! (…)» - Recurso do demandado civil Centro Hospitalar do Médio Ave, EPE [fls. 1983-1992]: «(…) 1. O presente recurso vem interposto da decisão proferida sobre a matéria de facto, bem como sobre a matéria de direito e colocar em crise a sentença de fls..., dos autos, na parte em que o condenou solidariamente com o Demandado C… no pagamento da indemnização por danos não patrimoniais, no valor de € 35.000,00 e patrimoniais no valor de € 86.311,60., acrescidos de juros de mora, calculados às taxas legais aplicáveis, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento; 2. No processo penal o pedido de indemnização cível tem que ser fundado na prática de um crime (arts. 129º do CP e 71º do CPP), por isso, o pedido cível depende da existência de uma ação penal em que é deduzida uma acusação, onde se imputa a prática de um crime ao arguido; 3. Ora, in casu, o aresto sub recurso padece de vício por erro na apreciação da prova, no que tange à matéria de índole criminal como cível e consequentemente, de erro na aplicação do direito! 4. Uma correta valoração da prova documental carreada para os autos e dos depoimentos prestados importaria a absolvição do arguido C… e, consequentemente a...

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