Acórdão nº 132/14.8T8VNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 16 de Dezembro de 2015

Magistrado ResponsávelJORGE LOUREIRO
Data da Resolução16 de Dezembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Apelação 132/14.8T8VNG.P1 Autor: B… Ré: C.T.T. – Correios de Portugal, S.A.

Relator: Jorge Manuel Loureiro 1º adjunto: Jerónimo Freitas 2º adjunto: Eduardo Petersen Silva Acordam no Tribunal da Relação do Porto I - Relatório O autor instaurou contra a ré a presente acção com a forma de processo comum e emergente de contrato de trabalho pedindo, em suma, que a ré seja condenada a: a) reconhecer que as remunerações complementares que lhe pagou nos anos de 1982 a 1984, 1988 a 1995 e 1997 a 2013, as quais melhor identifica e individualiza na petição, devem ser incluídas nas retribuições de férias, subsídios de férias e de Natal, e, em consequência, a pagar ao autor a esse título a quantia global de 12.200,95 €; b) reconhecer que as remunerações complementares que lhe pagou nos meses de Janeiro de 1985 a Dezembro de 1986, Fevereiro de 1988, Novembro de 1992, Janeiro a Dezembro de 1996, Setembro de 1997, Fevereiro, Agosto e Outubro de 1998, Julho e de Setembro a Dezembro de 2004, as quais melhor identifica e individualiza na petição, devem ser incluídas nas retribuições de férias, subsídios de férias e de Natal, e, em consequência, a pagar ao autor a esse título a quantia a liquidar em execução de sentença[1]; c) pagar ao autor juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor.

Alega a existência de contrato de trabalho a tempo indeterminado entre as partes, a categoria profissional e as funções que lhe estão atribuídas, o AE que é aplicável e a sua filiação sindical, as componentes da sua retribuição de 1982 a 2013, a denominação e características que lhes eram atribuídas, bem como a circunstância de a ré não ter considerado, como devia, algumas dessas componentes retributivas nos montantes pagos ao autor a título de retribuição de férias, subsídios de férias e de Natal.

Frustrada a tentativa de conciliação levada a efeito na audiência de partes, a ré contestou pugnando pela improcedência da acção.

Alegou, em resumo que: estão prescritos os créditos reclamados pelo autor até Dezembro de 1987, momento até ao qual o autor esteve contratado a termo, pois que desde então e até à data da proposição da acção decorreu o prazo de prescrição sucessivamente fixado nos arts. 38.º do DL 49.408, de 24/11/1969 (LCT), 381º/1 do CT/2003, e 337º/1 do CT/2009; os créditos reclamados pelo autor e anteriores a Maio de 1992 são inexigíveis, pois que os actos de processamento dos vencimentos do autor até essa data assumiram a natureza de actos administrativos, os quais não foram impugnados nos termos e prazos fixados legalmente para o efeito; os créditos reclamados pelo autor e anteriores a Maio de 1992 estão prescritos, pois que a relação entre o autor e a ré esteve durante esse período sujeita a um estatuto “…próximo dos funcionários públicos mas de natureza híbrida, pública-privada…”, logo subtraída à disciplina da LCT, designadamente em matéria de prescrição, estando antes sujeita ao regime dos arts. 306º/1 e 310º/g do CC, com a consequente prescrição dos créditos anteriores a Maio de 1992; o autor abusa de direito ao reclamar juros moratórios nos termos em que o faz, ou seja, desde a data de vencimento de cada uma das prestações reclamadas, pois que a prática retributiva da ré em matéria de retribuição de férias, subsídios de férias e de Natal que agora se pretende colocar em causa sempre foi aceite pelo autor e demais trabalhadores da ré, correspondendo tal prática, aliás, à vontade das partes outorgantes nos sucessivos acordos de empresa aplicáveis à relação de trabalho entre o autor e a ré, de acordo com a qual os referidos subsídios deveriam corresponder à retribuição mensal dos trabalhadores relativa ao seu período normal de trabalho; dada a iliquidez dos créditos que eventualmente se mostrarem devidos ao autor, só serão devidos juros de mora a contar da data do trânsito em julgado da decisão que reconhecer tais créditos, ou na pior das hipóteses desde a citação, sendo certo que estão prescritos os juros vencidos há mais de cinco anos contados da citação; as prestações pecuniárias que o autor identifica e que pretende ver incluídas nas férias, subsídios de férias e de Natal não são devidas a tais título, atenta a sua específica natureza não retributiva; só podem integrar o conceito de retribuição as prestações pecuniárias pagas pelo empregador ao trabalhador com carácter de regularidade, ou seja, em onze meses de cada ano, o que não sucede com diversas prestações pecuniárias reclamadas pelo autor.

Saneado o processo, com absolvição da instância da ré em relação a pedido genérico formulado pelo autor na alínea b) da parte conclusiva da petição inicial, as partes acordaram quanto à matéria de facto que deveria considerar-se provada, logo após o que foi proferida sentença de cujo dispositivo consta, designadamente, o seguinte: “Nestes termos e com tais fundamentos, julgo a presente acção parcialmente procedente, em consequência do que decido condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia global de 8 293,24€, relativa aos créditos salariais referentes aos anos de 1988 a 2013; acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, às sucessivas taxas legais aplicáveis, até integral pagamento.

Custas por ambas as partes, na proporção do respectivo decaimento.

Registe e notifique.

”.

Inconformada com o assim decidido, apelou a ré, tendo rematado as suas alegações com as conclusões seguidamente transcritas: I. É entendimento da recorrente que se impõe a modificação da decisão do Tribunal a quo por inegável erro de julgamento, nos termos do art. 669.º n.º 2, a) e b) do C.P.Civ., por a decisão recorrida ter sido tomada contra legem.

  1. Vem o presente recurso interposto do douto despacho proferido a fls. Destes autos, na parte em que, conhecendo das excepções peremptórias de prescrição dos créditos pelas diferenças retributivas anteriores a Maio de 1992 e de prescriçao dos juros relativos aos créditos que o Autor reclama, decidiu pela sua improcedência.

  2. Importa na análise da natureza jurídica da relação entre a Ré e os seus trabalhadores anterior a Maio de 1992, atender à natureza do vínculo laboral entre a Recorrente e os seus trabalhadores, estabelecidas anteriormente àquela data, pois que a mesma influencia, determinantemente, na possibilidade ou não de o Autor pôr em causa a forma de pagamento do vencimento de férias, subsídios de férias e de Natal anteriores a Maio de 1992.

  3. Até àquele período (e não só, como veremos), a relação jurídica entre Autor e Recorrente estava conformada pelo quadro jurídico estabelecido, nomeadamente, pelos seguintes normativos legais: - D.L. n.º 49368, de 10 de Novembro de 1969 - Portaria n.º 706/71, de 18 de Dezembro; - Portaria de Regulamentação Colectiva de 29.07.1977; - AE de 81 - Portaria n.º 348/87, de 26 de Abril V. Com o D.L. n.º 49368, de 10 de Novembro de 1969, que criou a empresa pública Correios e Telecomunicações de Portugal, a Apelante assumiu uma tradição de instituição pública e os seus trabalhadores um estatuto típico do funcionalismo público, ainda que com certas especificidades, sendo certo que o regime público se mantém.

  4. De referir que a Recorrente, enquanto pessoa colectiva de direito público – e mesmo após a sua transformação em sociedade anónima – integra a Administração pública em sentido orgânico (ou, pelo menos, constituir uma verdadeira Administração indirecta privada).

  5. Na verdade, através desse diploma legal foi conferido à Recorrente o estatuto de empresa pública regendo-se o seu pessoal por um regime jurídico privativo, de natureza pública, conforme determinava o art. 26.º dos seus estatutos, que veio a ter posterior tradução nomeadamente nos diplomas e normativos acima indicados e que se manteve inalterado pelas disposições consubstanciadas no Acordo de Empresa posteriormente outorgado pela Recorrente.

  6. A evolução do seu perfil organizacional e a sua prévia existência enquanto verdadeira direcção geral, de pleno integrada na administração directa do Estado - a que também não é estranha a fixação de prorrogativas aos seus trabalhadores, no período considerado, que evidenciam poderes de autoridade administrativa (vide art. 28.º do D.L. n.º 49368) - explicam a opção do legislador quando afasta o regime do contrato individual de trabalho, dada a expressa natureza jus-privatística deste último.

  7. Nem os aspectos diferenciadores do regime jurídico estabelecido, de carácter privativo, nem o quadro legal posteriormente fixado pelo D.L. n.º 260/76, de 8 de Abril, procederam à desfuncionalização da relação de emprego público existente, nesse período, nem tiveram por efeito transformar os funcionários ao serviço dos CTT em trabalhadores sujeitos ao regime do contrato de trabalho.

  8. Manteve-se, assim, uma relação jurídica de emprego de cariz público, sujeita ao direito administrativo, a que a natureza empresarial dos CTT nada obstou.

  9. Relembrar que ainda hoje, no AE de 2013 (BTE, 1.ª Série, n.º 15 de 22 de Abril de 2013) e que está em vigor, o poder disciplinar da Recorrente é dualista, o que representa o reconhecimento “no plano da relação contratual, de que os antigos trabalhadores mantém o estatuto decorrente da sua originária inserção numa empresa pública de direito público e assume um valor indiciário próprio no sentido de uma interpretação declarativa das normas em causa.” (sublinhado nosso) – vide Parecer da PGR, de 7 de Outubro de 1998 (voto de vencido do Conselheiro Fernandes Cadilha).

  10. Atentos os fortes traços de direito público de que se reveste o regime jurídico anterior à transformação dos CTT em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos - concretizada pelo D.L. n.º 87/92, de 14 de Maio, tem de entender-se, assim, que em relação às prestações reclamadas por trabalhadores contratados até 19 de Maio de 1992 e as que respeitem apenas a esse período, as mesmas foram determinadas por actos administrativos.

  11. Porque sustentados numa relação jurídica materialmente administrativa, os actos de processamento de vencimentos e demais prestações...

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