Acórdão nº 361/12.9EAPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 09 de Dezembro de 2015

Magistrado ResponsávelNUNO RIBEIRO COELHO
Data da Resolução09 de Dezembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo 361/12.9EAPRT.P1 Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação do Porto: I. RELATÓRIO Nestes autos foi o arguido, B…, absolvido da prática de um crime de exploração ilícita de jogo previsto e punível pelo Art.º 108.º, n.º 1, do Decreto-Lei nº 422/89 de 2/12, e condenado pela prática de uma contraordenação, prevista e punível pelos Art.ºs 161.º, n.º 1 e 163.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 422/89 de 2/12, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 10/95 de 19/1, na coima de € 249,40 (duzentos e quarenta e nove euros e quarenta cêntimos).

Não se conformando com esta sentença, recorreu o Ministério Público para este tribunal da Relação do Porto, concluindo as suas alegações nos seguintes moldes: 1.º Foi apreendida uma máquina de jogo que se encontrava num estabelecimento comercial aberto ao público, e que após a introdução de uma moeda de € 0,50 no mecanismo existente para o efeito, sem que o jogador tenha qualquer interferência, a máquina expele um novo talão onde consta a data, hora, número de série e a inscrição de uma frase de “aconselhamento” numa das seguintes áreas: “Saúde”, “Negócio”, “Finanças”, “Amor”, “Amizade” e “Virilidade”, podendo ocorrer uma de duas situações: Na frase de aconselhamento consta um algarismo, que corresponde ao prémio ganho pelo jogador, sendo que por norma, uma unidade corresponde a € 1,00. Na frase de aconselhamento não consta nenhum algarismo, pelo que o jogador não terá direito a qualquer prémio, restando-lhe a hipótese de tentar novamente a sua sorte, introduzindo novas moedas.

  1. Qualifica o art.º 4.º do D.L N.º 422/89 de 02/12 nas suas alínea f) e g) como tipos de jogos de fortuna ou azar, a ser explorados em casinos mediante autorização, os jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas, bem como os jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.

  2. O jogo na máquina apreendida é desenvolvido num aparelho eletrónico, o resultado depende exclusiva ou fundamentalmente da sorte, desenvolvendo a mesma temas próprios dos jogos de fortuna e paga prémios em dinheiro.

  3. E não pode ser enquadrado nas modalidades afins referidas no artigo 159.º n.º 2 desse mesmo diploma legal, pois a forma de jogo desenvolvida não se configura como as aí descritas, sendo que as modalidades afins não podem substituir por dinheiro ou fichas os prémios atribuídos, cfr. prevê o art.º 161.º n.º 3.

  4. O jogo apreciado no acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 4/2010 citado na decisão, desenvolvia um jogo idêntico ao das modalidades afins pois que constituía uma espécie de sorteio por meio de rifas ou tômbolas mecânicas.

  5. Não é esta espécie de jogo que a máquina apreendida desenvolve.

  6. Por fim, e conforme se refere no acórdão uniformizador, “O que define e caracteriza o jogo de fortuna e azar é, por um lado, o facto de o seu resultado ser aleatório, dependendo exclusiva ou fundamentalmente do acaso, por outro lado, a circunstância de atribuir prémios em dinheiro, sem embargo de não estar vedada a possibilidade de atribuição de prémios de outra natureza”.

  7. A máquina aprendida desenvolve um jogo de fortuna ou azar pelo que a sua exploração consubstancia a prática de um crime de exploração ilícita de jogo previsto e punido pelo artigo 108.º n.º 1 do D.L. n.º 422/89, de 2/12.

  8. Foi violado o disposto nos artigos 4.º nas suas alínea f) e g), 159.º n.º 2, 161.º n.º 3 e 108.º n.º 1 do D.L. n.º 422/89, de 2/12.

    Nestes termos, e nos demais de direito que V. Ex.as SENHORES JUIZES DESEMBARGADORES, doutamente se dignarão suprir, deve ser julgado procedente o presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e condenando-se o arguido pela prática do crime de exploração ilícita de jogo p. e p. pelo art.º 108.º n.º 1 do D.L. 422/89, de 2/12; com o que farão a acostumada JUSTIÇA.

    O arguido pronunciou-se pela improcedência do recurso apresentado pelo Ministério Público, concluindo a sua argumentação nos seguintes moldes: A. Na douta Sentença ora recorrida a Digníssima Juiz “a quo” fez uma correcta interpretação e aplicação dos preceitos legais em vigor, pelo que, se está modestamente em crer que não assistirá razão ao Ilustre Procurador-Adjunto, devendo, por isso, ser julgado improcedente o Recurso pelo mesmo apresentado.

    B. Assim, no que se refere ao modo de funcionamento da máquina apreendida nos autos e denominada “C…”, bem andou o Dign.º Tribunal “a quo” ao considerar que do seu concreto modo de funcionamento, jamais e em momento algum poderá resultar uma qualquer qualificação desse mesmo desenvolvimento como preenchendo qualquer ilícito de natureza criminal, seja, não desenvolve qualquer jogo de fortuna ou azar.

    C. Com efeito, o jogo em causa não desenvolve um qualquer tema próprio dos jogos de fortuna ou azar, para além do que, o valor pago pela emissão de cada talão não influi por qualquer modo numa qualquer esperança de ganho, sendo apenas o preço respectivo de cada utilização, sendo portanto totalmente independente de um qualquer prémio ou de um qualquer resultado aleatório a que tal utilizador se estivesse a habilitar.

    D. A utilização da máquina dos autos é absolutamente imediata e instantânea, esgotando-se com a emissão do respectivo talão, não sendo sequer possível acumular pontos ou qualquer outra espécie de pontuações, ou sequer creditar ou dobrar “apostas”, motivo pelo qual, conclui-se que não estamos perante um qualquer acto de jogar, sendo que a única intervenção que existe entre o utilizador e a referida máquina, é a inserção de uma moeda e a consequente expelição de um talão, sendo que essa mesma intervenção se esgota com a introdução de uma moeda.

    E. Pelo que, e tendo então por assentes os factos provados, no que ao funcionamento de uma tal máquina se refere, sempre temos que, tal funcionamento, seria assemelhável ou situar-se-ia no mesmo plano de uma tômbola ou de uma rifa, com o mero pagamento do preço da “jogada”, e nada mais, não se traduzindo, por isso, o funcionamento da mesma num qualquer acto de jogar, esgotando-se, como se disse, a sua utilização instantaneamente, com a introdução de uma moeda e a retirada do respectivo talão, o qual poderia então, e eventualmente, ser premiado ou não, conforme, aliás e muito bem, foi entendido pelo Dign.º Tribunal ora Recorrido.

    F. Não obstante, mais se diga que, tendo por base e fundamento a Jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no seu douto Acórdão n. 4/2010 (proferido no Processo n.º 2485/08 e publicado na 1.ª Série, N.º 46º, do D.R. de 08 de Março de 2010), se questiona ao Recorrente Ministério Público de quais as diferenças existentes entre o jogo desenvolvido pela máquina dos autos e aquele outro jogo que foi objecto do citado Acórdão de Fixação de Jurisprudência, para além daquela diferença óbvia de que a máquina ora em causa depende de impulso electrónico, enquanto que aquela outra depende de impulso mecânico? G. Sem descurar, mais se dirá que, tendo por base aquele douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência n. 4/2010, do Supremo Tribunal de Justiça, após uma rigorosa análise e enquadramento de tudo o aí vertido e decidido, o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, no seu douto Acórdão de 02.02.2011 (proferido no âmbito do Proc. n.º 21/08.5FDCBR.C2 e disponível in www.dgsi.pt), entendeu que, «Em qualquer dos casos se trata de uma forma de sorteio que tem como característica o conhecimento prévio pelo jogador dos prémios a que se pode habilitar, jogando. Como verificamos a máquina em causa nos autos não tem mecanismo de jogo idêntico aquele que determinou o acórdão de fixação de jurisprudência embora substancialmente a distinção esteja principalmente ao nível do valor dos prémios que na máquina em causa nos autos pode ser de valor quatro vezes superior, mas que também se encontra previamente determinado, não em cartaz mas na própria máquina.», H. Naquele seu douto Acórdão, o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra refere que, sendo devidamente analisado o conteúdo legal da proibição da exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados, «nunca merecerá a qualificação de crime a exploração de jogos que se enquadram num mecanismo em que os prémios se encontram previamente definidos.», I. Ainda que tais jogos possam mesmo atribuir prémios em dinheiro ou desenvolver temas de jogos de fortuna ou azar, até porque, e ainda segundo o vertido naquele douto Acórdão, mesmo «às modalidades afins que atribuam prémios em dinheiro ou fichas a lei não deixa de designar como modalidades afins», constituindo uma qualquer sua exploração ilícita uma “mera” contra-ordenação, conforme preceituado no artigo 163.º, pois que, conclui-se então no referenciado aresto, «ser esta a tese que está imanente ao acórdão de fixação de jurisprudência e que importa considerar até em obediência ao princípio da igualdade plasmado no artigo 13º da Constituição da República.».

    J. Donde, atento o vertido no douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n. 4/2010, e, bem assim, na mais recente jurisprudência proferida pelos nossos Tribunais Superiores da Relação, designadamente, os doutos Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 02-02-2011, de 26-03-2014, de 25-06-2014 (este ainda não publicado) e de 18-03-2015, os doutos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 11-12-2013, de 12-02-2014 (este ainda não publicado), de 09-07-2014, de 17-09-2014 e de 04-02-2015, e os Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 31.05.2011 e de 28-02-2012, encontrando-se todos disponíveis em www.dgsi.pt., está em crer modestamente o Recorrido que a máquina em causa nos presentes autos não poderá ser entendida como desenvolvendo um qualquer jogo de fortuna ou azar.

    K. Sendo, nessa sequência, forçoso concluir-se que, atentos os factos por si dados como provados, nomeadamente, quanto às...

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