Acórdão nº 415/13.4T3OBR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 23 de Setembro de 2015

Magistrado ResponsávelCASTELA RIO
Data da Resolução23 de Setembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Na 1ª Secção Judicial / Criminal do TRP acordam em Conferência os Juízes no Recurso Penal 415/13.4T3OBR.P1 vindo do Juiz 1 da 2ª Secção de Instrução Criminal da Instância Central de Águeda da Comarca de Aveiro O Inquérito 415/13.4T3OBR do MP de OBR culminou no Despacho de 23-6-2014 a fls 158-162 de Arquivamento ex vi art 277-2 do CPP por «… inexistência e/ou não oferecimento de qualquer outro elemento de prova … do crime denunciado nos autos…» que foi abuso de confiança qualificado p.p. pelo art 205-1-5 «… na forma continuada…» porquanto: «Declaro encerrado o presente Inquérito.

Iniciaram-se os presentes autos com queixa apresentada por B…, na qualidade de legal representante da C…, Lda, contra D…, alegando, em síntese, que, em junho de 2008, na qualidade de legal representante da empresa, contractou os serviços da denunciada para desempenhar a função de TOC.

Em Outubro de 2010 comunicou à denunciada que pretendia rescindir o contrato, tendo a denunciada informado que já tinha feito serviços por referencia a esse mês e que havia prazos para comunicar a rescisão dos serviços, motivo pelo qual a denunciante e a denunciada, acordaram que esta efectuaria o fecho do ano de 2010.

Mais refere que se convenceu que teria a colaboração da denunciada, incluindo a entrega da documentação contabilística, até porque pretendia cessar a actividade, intenção que tinha comunicado à denunciada.

Contudo, desde Março de 2011 que a denunciante tem encetado diversas tentativas para reaver a documentação contabilística, mas sem sucesso. Nesse sentido, enviou várias cartas à denunciada e apresentou duas queixas junto à Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas.

Apesar de diversas vezes interpelada, a denunciada foi protelando a sua entrega e a partir de 2012, recusou-se a devolve-la, alegando que a denunciante teria uma avença em atraso, facto que não corresponde à verdade.

Por forma a recuperar a documentação, liquidou a avença que a denunciada alegava estar em atraso, mas mesmo assim, não conseguiu que a denunciada lhe entregasse a documentação.

Refere por último que esta situação causou inúmeros prejuízos à denunciante e impediu o encerramento da actividade.

Para prova dos factos alegados, a denunciante juntou 39 documentos.

Os factos supra descritos porque, em abstracto, susceptíveis de configurarem a prática pelo denunciado de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo disposto no artigo 205°, n.°1 do Código Penal, deram origem ao presente Inquérito, no âmbito do qual foram empreendidas todas as diligências que se reputaram úteis e possíveis com vista a apurar indícios suficientes da prática de tal infracção.

Assim: Inquirida a denunciante limitou-se a confirmar os factos participados, referindo que continua a desejar procedimento criminal contra a arguida, uma vez que ainda não foi ressarcida dos prejuízos sofridos.

Inquirido E…, confirma o teor da denuncia apresentada pela sua mãe e refere ter conhecimento dos factos por ter participado em várias diligências para contactar a denunciada. Acrescenta que a denunciada, desde o final de 2010, tem-se furtado ao diálogo e suspeita que esse comportamento esteja relacionado com má gestão contabilística, porque ao longo do período em que exerceu funções na empresa, a sua mãe sempre pagou várias coimas.

F…, refere, em síntese que é contabilista e foi contactado, em finais de 2010, por E… pra realizar a contabilidade da empresa “C…, Lda.” Acrescenta que é o contabilista da empresa, e nessa medida tem a contabilidade feita à data da inquirição, mas não consegue entregar o fecho das contas de 201 1 e 2012, porque a denunciada se recusa a entregar os documentos e as declarações fiscais do ano de 2010.

Foi constituída arguida e interrogada nessa qualidade a denunciada D… que, em suma, confirmou ter sido a contabilista da empresa até Dezembro de 2010. Afirma que reteve alguns documentos respeitantes à sociedade lesada e não ao trabalho por si desenvolvido, por força de uma dívida acumulada, resultante de honorários devidos em função dos serviços prestados.

No entanto e para entrega das pastas respeitantes à sociedade lesada e que mantinha na sua posse, disponibilizou-se para as entregar e nesse sentido encetou várias tentativas, contudo nunca obteve resposta.

Mais informa que, através do seu mandatário, já procedeu à entrega de toda a documentação que retinha na sua posse.

Por último refere não ter tido intenção de se apropriar ou fazer sua propriedade qualquer documento respeitante àquela sociedade, tendo-se limitado a reter legitimamente a documentação relacionada com o seu trabalho, em virtude do não pagamento dos honorários que lhe eram devidos.

São estes os factos apurados no decurso do Inquérito, importando agora decidir se os mesmos são ou não susceptíveis de indiciar a prática pela arguida de algum ilícito criminal, nomeadamente e naquilo que agora nos interessa, da prática do crime de abuso de confiança denunciado.

Nos termos do disposto no artigo 205°, n° 1 do Código Penal, comete o crime agora em análise: “Quem ilegitimamente se apropriar de coisa móvel que lhe tenha sido entregue por título não translativo da propriedade”.

São assim elementos deste tipo legal: - A apropriação ilegítima; - De coisa móvel; - Entregue por título não translativo de propriedade.

A consumação do crime verifica-se com a apropriação, isto é, com a inversão do título da posse, situação que ocorre quando, estando a coisa em causa na posse ou detenção do agente por modo legítimo, embora por título não translativo de propriedade, este se apropria daquela, passando a actuar como seu dono, com o propósito de não a restituir.

Mostrando-se de difícil determinação o momento da apropriação, temos que esta se verificará quando ocorrer a inversão do título da posse e existam actos objectivos demonstrativos de o agente ter incorporado a coisa na sua esfera patrimonial, ou seja, actos objectivos susceptíveis de revelarem que o agente já está a dispor da coisa como se fosse sua.

A apropriação traduz-se sempre, no contexto do crime de abuso de confiança, precisamente na inversão do título de posse ou detenção: o agente que recebera a coisa «uti alieno», passa em momento posterior a comportar-se relativamente a ela — naturalmente, através de actos objectivamente idóneos e concludentes, nos termos gerais — «uti dominus»; é exactamente nesta realidade objectiva que se traduz a “inversão do título de posse ou detenção” e é nela que se traduz e se consuma a apropriação (...) Sob que forma deva manifestar-se a apropriação, é em definitivo indiferente: necessário é apenas, que como acima se disse, se revele por actos concludentes que o agente inverteu o título de posse e passou a comportar-se perante a coisa “como proprietário”. (...) É indispensável que através do acto ou actos de apropriação se tenha verificado uma deslocação da propriedade: a mera afetação da substância da coisa não constitui abuso de confiança — Cfr. Prof Figueiredo Dias, in Comentário Conimbricense do Código Pena Coimbra Editora 1999, Tomo II, pág. 94 Assim, para que exista crime é indispensável que o agente actue como «uti dominus», ou seja como proprietário.

Ora, no caso dos autos, forçosamente teremos que concluir que não lograram obter-se nos autos indícios suficientes — nos termos pressupostos no artigo 283°, n° 2 do C.P.P. - da prática pela arguida do crime denunciado, ou seja, não se recolheram indícios suficientes da inversão do título de posse ou detenção.

Com efeito, aquilo que resultou apurado no final das investigações foi que a denunciante terá contratado os serviços da arguida, os quais não pagou, facto que determinou, por parte da arguida, a retenção lícita de documentos respeitantes ao trabalho por si desenvolvido.

Facto que se comprova pelos documentos juntos a fls 105 e ss, onde se comprova as declarações da arguida, designadamente que apenas reteve os documentos por forma a garantir o pagamento dos valores em dívida e que nunca teve intenção de ficar com eles.

Ademais, a arguida abordou, junto da ofendida e do novo TOC, por diversas vezes a questão da não entrega dos documentos e comunicou designadamente ao serviço de finanças e à ordem dos técnicos oficiais de conta, a falta de pagamento dos seus serviços e a retenção dos documentos.

Ora, para que se possa imutar a alguém a prática do crime em análise imprescindível é que seja possível afirmar que agiu com a vontade e a intenção de se apropriar de coisa alheia a que bem sabia não ter direito, o que manifestamente não é o caso.

Cremos pois que a questão denunciada nos autos será, eventualmente, uma situação a dirimir no foro civil e não qualquer conduta merecedora de censura criminal.

Face ao exposto e atenta a inexistência e/ou não oferecimento de qualquer outro elemento de prova, forçosamente se tem que concluir não ser possível considerar indiciada a prática do crime denunciado nos autos, nos termos pressupostos na norma do artigo 283°, n° 2 do Código de Processo Penal, ou seja, em termos de fundamentar um juízo de culpabilidade e a formulação de um despacho acusatório do qual venha a resultar uma possibilidade razoável de condenação em fase de julgamento, motivo pelo qual se determina o arquivamento do presente Inquérito nos termos do disposto no artigo 277°, nº 2 do Código de Processo Penal.

Comunique à ofendida, à arguida e respectivos mandatários o precedente despacho de arquivamento, nos termos do disposto no artigo 277°, nos. 3 e 4, als. a) e c) do Código de Processo Penal.

Em cumprimento do disposto na circular 5/2008 da PGD, consigna-se que o prazo de prescrição do procedimento criminal pelos factos denunciados nos presentes autos é de 5 anos, motivo pelo qual, a respectiva prescrição ocorrerá no próximo dia 08-04-2019» [1].

Inconformada com o decidido, G… – Denunciante por si e como sócia gerente de C…, LDA - requereu em 10-9-2014 a fls 171-178 = 179-186 = 188-196 sua constituição como ASSISTENTE e a abertura de INSTRUÇÃO porquanto: 2. Os presentes autos foram...

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