Acórdão nº 520/15.2T8PVZ-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Setembro de 2015

Magistrado ResponsávelRUI MOREIRA
Data da Resolução15 de Setembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

PROC. Nº 520/15.2T8PVZ-A.P1 Comarca do Porto – Tribunal da Póvoa de Varzim Inst. Local - Secção Cível - J2 REL. N.º 257 Relator: Rui Moreira Adjuntos: Fernando Samões Vieira e Cunha*ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: 1 - RELATÓRIO B… e esposa C… vieram requerer a concessão de providência cautelar não especificada contra o seu filho D… e mulher E…, pedindo a condenação destes a absterem-se de os impedirem de entrar e permanecer na sua habitação, sita na Rua …, nº …, freguesia …, Vila do Conde, bem como de os impedirem de utilizar e aceder a todas as divisões que lhes estão afectas, designadamente, cozinha, despensa, sala de estar, quarto, wc do rés-do-chão, lavandaria e quintal e, ainda, a sua condenação a reporem o fornecimento de água e energia eléctrica ou a autorizarem que os respectivos contratos sejam celebrados em nome dos requerentes, sempre com a condição de suportarem os respectivos custos de consumos.

Sustentando a sua pretensão, alegaram que pretenderam fazer aos requeridos a transmissão da casa que era sua, por “partilhas em vida”, sob condição de estes deles tratarem toda a vida. Por razões relacionadas com o registo da titularidade do prédio, acabaram por fazer uma escritura de justificação desse mesmo prédio e da sua venda aos requeridos, sendo que esse negócio não foi o que realmente fora acordado. O preço previsto foi pago aos irmãos do requerido marido, como se de tornas se tratasse, sem que tivesse ficado escrita a condição de assistência e tratamento dos aqui requerentes, pais do requerido marido.

Acontece que os requeridos abandonaram a habitação e deixaram de assegurar as necessidades dos requerentes, contra o que fora acordado, além de que os confinaram a viver num espaço reduzido da casa, vedando-lhes o acesso aos demais, e deixando de garantir o abastecimento de luz e água, assim colocando em perigo a saúde de ambos. Daí, em suma, a necessidade de recurso a esta providência cautelar não especificada.

Deferiu-se o pedido de produção de prova sem contraditório dos requeridos, após o que foi concedida a providência cautelar requerida.

É esta decisão que os requeridos vêm impugnar através do presente recurso, que terminam com as seguintes conclusões: 1. A testemunha F…, cujo depoimento se encontra gravado no CD 20150417142845_14091415_2871584, é filho dos requerentes, não obstante tal facto não invalide o seu depoimento, o mesmo terá de ser ponderado na valoração da sua imparcialidade e envolvimento pessoal e emocional na questão em apreciação nestes autos.

  1. O depoimento da referida testemunha é totalmente incoerente e desprovido de verdade, atento a que a mesma testemunha declarou dar o seu consentimento na escritura de compra e venda dos requerentes aos requeridos e, em sede de audiência de julgamento, não logrou explicar ao Tribunal a convicção de ter assinado uma escritura de partilha, sendo certo que são atos formais de conteúdo totalmente antagónicos.

  2. Também no que concerne ao documento denominado "Declaração de Compromisso", a mesma testemunha prestou depoimento com conhecimento indireto, tendo declarado que nunca viu tal declaração.

  3. A testemunha G…, cujo seu depoimento se encontra gravado no CD 20150417144754_14091415_2871584, também é filha dos requerentes, pelo que, impunha-se que na valoração do seu testemunho fosse ponderada a sua imparcialidade e envolvimento pessoal e emocional na questão em apreciação nestes autos.

  4. O depoimento desta testemunha não oferece a mínima credibilidade, já que tendo estado presente pessoalmente na escritura de compra e venda e assinado a mesma, todo o seu depoimento é prestado como se não estivesse na mesma pessoalmente e não a tivesse assinado e que o conhecimento em relação à mesma fosse efetuado por interposta pessoa, ou seja, a sua mãe.

  5. A testemunha H…, cujo seu depoimento se encontra gravado no CD 20150417150141_14901415_2871584, é amiga dos requerentes, prestou um depoimento muito vago e impreciso, nunca assistiu a qualquer negócio celebrado entre os requerentes e requeridos, nada sabe quanto à existência da escritura de compra e venda realizada.

  6. A testemunha I…, prima dos requerentes, cujo depoimento se encontra gravado no CD 20150417151332_14091415_2871584, respondeu de forma vaga, sem apresentar qualquer razão de ciência, sendo que face ao seu depoimento se verifica desconhecer a existência da escritura de compra e venda junta aos autos, e a transmissão de propriedade a favor dos requeridos, isto é, no fundo desconhecendo o negócio jurídico celebrado entre os requerentes e os requeridos 8. Tendo em consideração o teor dos depoimentos das testemunhas e feita a reapreciação da prova gravada, não poderia o Tribunal a quo ter dado como provado os factos constantes dos arts. 5º, 6º, 7º, 8, 9º, 11º, 12º, 13º, art. 15º onde lê: "Por motivos que os requerentes ignoram, e tendo em vista concretizar o acordo de partilha a que chegaram ...", 17º, 21º, 22º, 23º, 24º, 26º, 27º, 28º, 9. Devendo essa resposta ser alterada e considerar-se essa matéria de facto como não provada.

  7. Os requerentes não lograram provar, como lhes competia, que são titulares do direito de habitação ou de qualquer outro direito real sobre o indicado prédio.

  8. Como se provou, os requerentes transmitiram por escritura de compra e venda, celebrada em 16/11/2001 no 2º Cartório Notarial de Vila do Conde, aos requeridos, a propriedade do imóvel, livre de ónus ou encargos.

  9. Falta assim, o preenchimento de um requisito indispensável, previsto no nº 1 do art. 368º do C.P.C. "a probabilidade séria do direito invocado" para a que a providência cautelar não especifica fosse deferida.

  10. Não pode ser atribuído qualquer valor probatório ao documento junto aos autos denominado "Declaração de Compromisso", uma vez o mesmo, nos termos do art. 373º do C.C., não poder ser considerado documento particular por dele não constar qualquer assinatura.

  11. Os requerentes também não lograram provar a existência deste documento na posse dos requeridos e muito menos, que a mesma alguma vez tivesse sido assinada.

  12. Na falta da verificação do direito invocado para que fosse decretada a providência cautelar, improcede qualquer prejuízo ou lesão para esse mesmo direito, já que na inexistência do direito invocado, nenhuma lesão pode advir.

  13. Não têm assim, os requerentes qualquer título que lhes permita defender a sua posse, pois com a transmissão do imóvel, os requerentes perderam o animus e o corpus pelos quais a posse se manifesta.

  14. Existe manifesta contradição entre os factos que o Meritíssimo Juiz a quo considera provados e não provados.

  15. Assim como manifesto erro na apreciação das provas produzidas, quer relativamente aos documentos juntos, quer aos depoimentos das testemunhas inquiridas, que contrariam expressamente o documento autêntico junta aos autos " Escritura de Justificação e Compra e Venda ", em que intervieram pessoalmente.

  16. Motivo pelo qual, ao seu depoimento não pode ser atribuído qualquer valor probatório, uma vez contrariar expressamente o que as próprias testemunhas declaram perante o notário na outorga da escritura.

  17. A fundamentação de facto e de direito nunca poderia conduzir à decisão ora recorrida, dado estar em absoluta contradição, estando por via disso, ferida de nulidade por força do disposto no artº 615º nº 1, alínea c) do C.P.C.

  18. Com a douta decisão recorrida, o Meritíssimo Juiz a quo foram violadas as normas dos arts. 36212, nº 1 e 2, art. 368º, nº 1 e art. 615º, nº I, al. c) do CPC. e arts. 370º, 371º, 372º, 373º,879º, 1251º,1259º, 1263º, 1485º do CC.

Termos em que nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá revogar-se a douta decisão recorrida, substituindo-a por outra que julgue o procedimento cautelar totalmente improcedente.

Os recorridos apresentaram resposta, defendendo a confirmação da decisão em crise.

O recurso foi admitido como de apelação, com subida em separado e com efeito devolutivo.

Foi depois recebido nesta Relação, considerando-se o mesmo devidamente admitido, no efeito legalmente previsto.

Cumpre, pois, decidir as questões que constituem o seu objeto.

2- FUNDAMENTAÇÃO O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. art. 639º e nº 4 do art. 635º, ambos do CPC).

No caso, em função das conclusões formuladas, caberá sindicar o juízo proferido quanto à matéria de facto, entendendo os recorrentes dever ser dada por não provada a matéria descrita como provada sob os pontos 5º, 6º, 7º, 8, 9º, 11º, 12º, 13º, art. 15º (onde lê: "Por motivos que os requerentes ignoram, e tendo em vista concretizar o acordo de partilha a que chegaram ... "), 17º, 21º, 22º, 23º, 24º, 26º, 27º, 28º, da decisão recorrida. Nessa tarefa deverá ponderar-se a admissibilidade da prova testemunhal de sentido divergente relativamente a matéria constante da Escritura de Justificação e Compra e Venda a que os autos se referem; sucessivamente, se for caso disso, a falta de credibilidade dos próprios depoimentos testemunhais de F…, G…, H… e I…; e a falta de força probatória de um documento designado “Declaração de Compromisso” que nem sequer se mostra assinado. Por fim, no caso de alteração da matéria de facto apurada, caberá verificar a presença dos pressupostos da tutela cautelar conferida na decisão em crise, designadamente em sede de uma eventual nulidade por contradição entre factos e direito.

*É essencial, para a decisão a proferir, ter presente a decisão do tribunal recorrido sobre a matéria de facto em discussão, que consistiu no seguinte: Factos provados: 1º Os Requerentes são pais do Requerido marido e têm actualmente 78 anos de idade, sendo o Requerente marido invisual e, por isso, dependente de terceira pessoa, 3° O Requerido marido é o mais novo de 5 filhos do casal dos Requerentes e sempre com eles residiu até há cerca de 5 meses, 4º Os Requeridos casaram-se há...

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