Acórdão nº 9671/12.4TDPRT-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 09 de Setembro de 2015

Magistrado ResponsávelANA BACELAR
Data da Resolução09 de Setembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 9671/12.4TDPRT-A.P1 Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto I.

RELATÓRIO No processo comum n.º 9671/12.4TDPRT, da Comarca do Porto – Porto – Instância Local – Secção Criminal – J1, aquando do saneamento do processo, a Senhora Juíza que proferiu o despacho a que alude o artigo 311.º do Código de Processo Penal alterou a qualificação jurídica dos factos constantes da acusação.

Inconformado com tal decisão, o Ministério Público dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]: «1º - O Ministério Público deduziu acusação contra o arguido pela prática de um crime de dano qualificado, p. e p. pelos artºs 212º, nº 1, e 213º, nº 1, alª c), do Código Penal.

  1. - No despacho de recebimento a acusação a Mmª Juiz entendeu não receber a acusação nos termos formulados pelo Ministério Público mas sim pelo crime de dano simples do artº 212º, nº 1, do Código Penal.

  2. - O objecto do presente recurso restringe-se a apurar se é legalmente admissível ao juiz de julgamento alterar a qualificação jurídica dos factos constante da acusação aquando da prolacção do despacho do artº 311º do CPP.

  3. - Em nosso entender e sufragando o que vem sendo defendido pela recente Jurisprudência e pela Doutrina entendemos não ser de admitir tal hipótese, sob pena de violação do princípio do contraditório.

  4. - Assim, fixado o tipo legal de crime no despacho de acusação, qualquer convolação para outro tipo legal de crime só poderá ocorrer em sede de julgamento.

  5. - A decisão recorrida quando convola o crime de dano qualificado para crime de dano simples, porque o fez no momento em que recebe a acusação e designa dia para julgamento, violou o disposto no artº 311º do CPP, que fixa taxativamente as situações em que o juíz pode rejeitar a acusação, nelas não se incluindo a possibilidade de qualificar juridicamente os factos descritos na acusação.

  6. - Pelo que deverá a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que receba a acusação nos precisos termos em que está deduzida pelo crime nela referido e ordene o prosseguimento dos autos designando-se data para o competente julgamento.

Se outro for o juízo de V. Exas. certamente se fará, JUSTIÇA.

» O recurso foi admitido.

Não houve resposta.

*Enviados os autos a este Tribunal da Relação, a Senhora Procuradora Geral Adjunta, revelando concordar com a motivação do recurso e convocando a jurisprudência fixada pelo Acórdão n.º 11/2013, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

Observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do Código de Processo Penal, nada mais se acrescentou.

Efetuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.

Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

II.

FUNDAMENTAÇÃO De acordo com o disposto no artigo 412.º do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995[1], o objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

Posto isto e vistas as conclusões do recurso, a esta Instância é colocada, apenas, a questão de saber se aquando a prolação do despacho a que alude o artigo 311.º do Código de Processo Penal pode, ou não, ser alterada a qualificação jurídica dos factos constantes da acusação.

*Com interesse para a decisão, o processo fornece os seguintes elementos: (i) a acusação formulada pelo Ministério Público tem o seguinte teor [transcrição]: «Nos termos do art. 283º do Código de Processo Penal, para julgamento em processo comum perante Tribunal Singular, o Ministério Público deduz acusação contra, (…) Porquanto indiciam suficientemente os autos que: No dia 25 de Junho de 2012, cerca das 20h20, na estação de metro dos “…”, sita na …, área desta comarca, o arguido pontapeou, por várias vezes, os botões de comando da escada mecânica número 9, existente naquela estação, e sentou-se no corrimão dessas escadas, tendo as mesmas, por via disso, deixado temporariamente de funcionar.

Com a conduta acima descrita, o arguido causou um prejuízo patrimonial à ofendida “B…, S.A.”, no valor global de € 647,73 (seiscentos e quarenta e sete euros e setenta e três cêntimos).

O arguido agiu com o propósito concretizado de causar estragos no bem acima descrito, o qual é de utilidade pública, danificando-o parcialmente e afectando a sua funcionalidade, bem sabendo que aquele não lhe pertencia e que actuava contra a vontade e sem o consentimento do seu proprietário.

O arguido actuou, pois, de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Constituiu-se assim o arguido, em autoria material e na forma consumada na prática de um crime de dano, p. e p. pelos artigos 212º e 213º, n.º 1, al. c

(…)» (ii) a decisão recorrida tem o seguinte teor [transcrição]: «O Tribunal é competente.

O Ministério Público tem legitimidade para acusar.

*Não se verificam nulidades insanáveis, nem questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa.

*Recebo a acusação pública de fls. 139 e ss., no que concerne aos factos aí narrados, cujo teor dou aqui por reproduzido, contra o arguido C…, pela prática de um crime de dano simples, p. e p. no art. 212.º, do Cód. Penal, de que vinha acusado, por entender que face aos face descritos na acusação, os mesmos são susceptíveis de integrar apenas o crime de dano simples.

Assim, refere-se na acusação que: No dia 25 de Junho de 2012, cerca das 20h20, na estação de metro dos “…", sita na …, área desta comarca, o arguido pontapeou, por várias vezes, os botões de comando da escada mecânica número 9, existente naquela estação, e sentou-se no corrimão dessas escadas, tendo as mesmas, por via disso, deixado temporariamente de funcionar.

Com a conduta acima descrita, o arguido causou um prejuízo patrimonial à ofendida "B…, S.A.", no valor global de €647,73 (seiscentos e quarenta e sete euros e setenta e três cêntimos).

O arguido agiu com o propósito concretizado de causar estragos no bem acima descrito, o qual é de utilidade pública, danificando-o parcialmente e afectando a sua funcionalidade, bem sabendo que aquele não lhe pertencia e que actuava contra a vontade e sem o consentimento do seu proprietário.

O arguido actuou, pois, de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Antes de mais, caberá referir que quanto ao crime de dano simples, dispõe o art. 212.º do Código Penal, no seu n.º 1, que “quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa alheia é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”.

São elementos constitutivos do crime de dano: “destruir, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável”, “coisa alheia” e a “existência de dolo genérico”.

  1. Começando pelo primeiro requisito (“destruir, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável”), cumpre referir que em caso de destruição, a coisa, mesmo quando não desaparece a matéria de que é composta, deixa de manter a sua individualidade anterior (M. Leal-Henriques e M. Simas Santos, C.P. Anot., 1996, p. 510). E, segundo os mesmos autores, a destruição parcial é equiparada à destruição total, quando acarrete a completa imprestabilidade da coisa.

    Quando se “danifica” uma coisa, esta, “sem perder totalmente a sua integridade sofre um estrago substancial com a consequente diminuição do seu valor económico ou da sua utilidade específica” (M. Leal-Henriques e M. Simas Santos, ob. e p. cits.). Por outro lado, e ainda seguindo os mesmos autores, “desfigurar” consiste em ofender irremediavelmente a estética da coisa, enquanto “tornar não utilizável” uma coisa é torná-la, mesmo que temporariamente, inadequada ao fim a que estava destinada, sem que perca a sua individualidade.

    Sendo um crime material, o dano consuma-se com a efectiva destruição, danificação, desfiguração ou inutilização da coisa.

  2. “coisa alheia”: Antes de mais cumpre referir que não havendo na lei penal um conceito de coisa, deve acolher-se a noção que desta se dá no art. 202.º, n.º 1 do C. Civil (Ac. da R.C., de 08/03/89, B.M.J. n.º 385, p. 617): “tudo aquilo que pode ser objecto de relações jurídicas”.

    Segundo o Prof. Mota Pinto (Teoria Geral, 3.ª ed., p. 340), para que uma “coisa” possa ser objecto de relações jurídicas, tem que ter as seguintes características: a) existência autónoma ou separada; b) possibilidade de...

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