Acórdão nº 932/14.9PIPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 19 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelPAULA GUERREIRO
Data da Resolução19 de Abril de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso penal no processo nº 932/14.9PIPRT.P1 No processo nº 932/14.9PIPRT, (Tribunal singular),da Comarca do Porto, secção criminal – J3, foi em 16/10/2017 depositada sentença com o seguinte dispositivo: «- condenar o arguido B… como autor material de um crime de Falsidade informática, p. p. no art. 3º, nº 1 e nº 3 da Lei nº 109/2009, de 15-9 na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de €6,00, num total de €1.200,00; - absolver o arguido B… da imputada prática de um crime de ofensa a pessoa colectiva agravado, p. p. no art. 187º, nº 1 alínea a) e 183º do Código Penal; - condenar o arguido B…, no pagamento de 2 UC’s de taxa de justiça, em acordo com os artigos 513º e 514º Código de Processo Penal.

- condenar a assistente C…, Unipessoal, Lda., no pagamento de 2 UC’s de taxa de justiça.» Inconformada com esta decisão condenatória veio a assistente Clínica C…, Ldª interpor recurso com os seguintes argumentos, em síntese, que resultam das respetivas conclusões: - Resulta da matéria de facto dada como provada que o arguido pensou em atingir a relação profissional entre os assistentes (ponto 7), através da montagem de 5 fotografias de teor sexual explícito (ponto 9).

- Mais resulta que no centro dessa montagem de 5 fotografias de teor sexual, o arguido escreveu ou apôs o logo da sociedade aqui recorrente e acrescentou a esta montagem a frase "atendimento personalizado" querendo associar ao objeto social e comercial da clínica (aqui recorrente) a atividade de teor sexual (ponto 10).

- Para a divulgação destas fotografias de teor sexual explícito, o arguido criou dois perfis de Facebook falsos, onde as expôs e enviava convites de amizade a pessoas com perfil de Facebook que fossem amigos da assistente sociedade (pontos 11 e 12), tendo o arguido convidado um número indeterminado de amigos e familiares dos assistentes que efetivamente as viram (ponto 14).

Face à matéria dada como provada, não restam dúvidas que a aqui recorrente foi prejudicada, pra não dizer mais, pela conduta do arguido/recorrido, pelo menos ofendeu a credibilidade, prestígio e confiança devida à assistente C….

Assim, não se compreende que a Meritíssima Juiz a quo considere, na sentença posta em crise, como não provado, no ponto 1.4 dos factos não provados que: - O arguido agiu com vontade de atingir, como atingiu, o bom nome e a reputação da assistente C…, Unipessoal, Ldª.

Dos depoimentos da testemunha D… (depoimento de 11:22:39 a 12:10:04 com referência à acta de audiência), e de E…, representante legal da aqui recorrente (depoimento 12:10:06 a 12:41:53 com referência à acta de audiência), resulta claramente provado que a aqui recorrente foi, efetivamente, prejudicada no seu bom nome comercial, prestigio e credibilidade.

Em consequência da conduta do arguido/recorrido, ocorreu uma diminuição de doentes na clínica, apesar de não se ter apurado a dimensão de tal diminuição e que a atuação do arguido teve repercussão entre os amigos e familiares do representante legal da aqui recorrente.

Também no meio clínico onde o arguido e o representante legal da assistente pertencem, foi conhecida a história montada pelo primeiro e que o nome da recorrente C…, Unipessoal, Ldª, se confunde, como é fácil de constatar, com o nome do seu representante legal.

Do depoimento do arguido (depoimento de 14:25:27 a 15:11:49) percebe-se que este também visou pôr em causa a credibilidade, prestigio e confiança da recorrente, até porque a alegada confissão só teve lugar depois de o arguido ter ouvido os depoimentos das assistentes.

Do depoimento do arguido (uma espécie de confissão) resulta claro que este previu, como necessário ou pelo menos possível a ofensa ao bom nome da recorrente (diga-se credibilidade, prestígio e confiança).

Também resultou dos depoimentos das assistentes que a atuação do arguido fez que a ora recorrente fosse prejudicada, na sua imagem para com os seus clientes e fornecedores, tendo-se constatado uma diminuição da faturação, após a prática dos atos pelo arguido.

A recorrente é uma sociedade comercial com elevado prestígio junto dos seus fornecedores, médicos dentistas e clientes, tendo sofrido prejuízos e danos no seu prestígio, confiança e credibilidade.

Deste modo, devia a Meritíssima Juiz a quo ter dado como provado a seguinte materialidade: - O arguido agiu com a vontade de atingir, como atingiu, o bom nome e a reputação da assistente C…, Unipessoal, Ldª ; - A atuação do arguido fez que a ora recorrente fosse prejudicada, na sua imagem para com os seus clientes e fornecedores; -Verificou-se uma diminuição da faturação, após a prática dos atos pelo arguido e reproduzidos na acusação particular; - A recorrente é uma sociedade comercial com elevado prestígio junto dos seus fornecedores, médicos dentistas e clientes; - A assistente/demandante sofreu prejuízos e danos no seu prestígio, confiança e credibilidade.

Ao ser dado como provado esta materialidade, fatalmente o arguido/recorrido tem que ser condenado pela prática de um crime de ofensa a pessoa coletiva agravado, previsto e punido nos artigos 187 nº 1 e 183 nº 1 alínea a) do Cód. Penal.

No art. 187 nº 1 do Cód. Penal, exige-se para o preenchimento do tipo legal de crime a afirmação ou a prolação de factos que sejam inverídicos. no que tange à pessoa coletiva, capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança, e que o agente não tenha fundamento, para em boa-fé, os reputar verdadeiros.

Assim, a questão principal a decidir, no presente processo é a seguinte: saber se, perante a prova produzida, se pode afirmar que se verificou a prática, pelo arguido, do crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, agravado p.p. pelos artigos 187 n.º1 e 183 nº 1 a) do Cód. Penal.

Segundo a, aliás douta posição sufragada pela Sr.ª Juiz a quo, o arguido terá que ser absolvido, porque das acusações (particular e pública) já não resultava a descrição de todos os factos que constituem os elementos objetivos do tipo legal de crime em apreço.

Pelo menos da acusação particular, constata-se que todos os elementos constitutivos do tipo legal de crime estão invocados, com a devida factualidade, tendo- se descrito a forma como o arguido praticou o crime de ofensa, que essas afirmações eram falsas, ou seja, que não era verdade que a assistente tinha "Atendimento Personalizado" de carácter sexual, e que foi atingida, com este comportamento, a credibilidade, prestígio e bom nome da sociedade assistente.

Da douta acusação pública também se encontram descritos factos que constituem os elementos objetivos do tipo legal de crime.

Apesar de se poder extrair das duas acusações factualidade que descreve a inexistência de fundamento válido para que o arguido reputasse como verdadeiras as imputações de cariz sexual, a verdade é que, do depoimento do arguido prestado na audiência de julgamento, resultou que este sabia que a ofensa perpetrada não correspondia à verdade.

Por outro lado, na altura do saneamento do processo, ou seja quando recebe o processo para julgamento, a Sr.ª Juiz, a quo, apreciou, devidamente, as acusações, não tendo suscitado, como deveria se tal fosse o caso, que as acusações eram infundadas por não conterem a narração dos factos, conforme determina a alínea b) do nº 3 do art. 311 do Cód. Proc. Penal.

Conclui-se, pois, que das acusações (particulares e pública), resulta a descrição de toda a factualidade necessária para integrar os elementos objetivos constitutivos do tipo legal de crime, ou seja, do crime de ofensa a pessoa coletiva, pelo que o arguido nunca poderia ter sido absolvido da prática do crime de que vinha acusado, mas sim condenado pela prática de um crime de ofensa a pessoa coletiva agravada.

A expressão propalar ou afirmar deve ser interpretada como se referindo a qualquer forma de expressão e não somente à forma verbal.

Com a alteração do art.187 efetuada pela Lei n.º 59/2007, veio o legislador tomar a opção pelo alargar a ofensa também a qualquer pessoa coletiva, não necessitando de ser organismo público ou pessoa coletiva que exerça autoridade pública e, não restringir a tutela penal no campo da ofensa a pessoa coletiva.

A jurisprudência mais recente dos nossos Tribunais vai no sentido de considerar que, o crime de ofensa a pessoa coletiva, pode ser cometido por qualquer forma de expressão, não somente a forma verbal.

Estamos perante uma norma (art.187 do Cód. Penal) que prevê a criminalização da ofensa a pessoa coletiva, qualquer que seja a forma de efetivar essa ofensa, sendo somente necessário que essa ofensa seja divulgada (propalada) pelo agente.

Entende o recorrente que a Sr.ª Juiz a quo andou mal em absolver o arguido da prática de um crime de ofensa a pessoa coletiva, na sua forma agravada, com o argumento que o crime previsto e punido pelo art. 187 nº 1 do Cód. Penal, só se pode efetivar pela forma de expressão verbal.

Na esteira da posição dominante da doutrina e jurisprudência, deve o arguido, face aos factos dados como provados, ser condenado pela prática do crime previsto e punido pelo art. 187 n.º 1 do Cód. Penal, na sua forma agravada face ao disposto na alínea a) do n 1 do art. 183 também do Cód. Penal.

O arguido deveria ter sido condenado pela prática de um crime de ofensa a pessoa coletiva, na forma agravada, pelo que a Sr.ª Juiz a quo nunca poderia ter absolvido o demandado/arguido com o argumento de que não se encontram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos.

Outrossim, deve ser condenado o demandado/arguido, ao abrigo do disposto no art.483 do Código Civil, a pagar indemnização à demandante/recorrente, capaz e suficiente para reparar os danos por esta sofridos, em consequência dos atos ilícitos perpetrados pelo demandado/arguido.

Conclui pedindo que na procedência do recurso o arguido seja condenado pela prática de um crime de ofensa a pessoa coletiva agravada e também condenado no pedido de indemnização civil formulado.

O recurso foi admitido por despacho proferido a fls. 517 dos autos.

Veio o M.P. em...

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