Acórdão nº 17652/16.2T8PRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 27 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelVIEIRA E CUNHA
Data da Resolução27 de Abril de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

• Rec. 17652/16.2T8PRT.P1. Relator – Vieira e Cunha. Adjuntos – Des. Maria Eiró e Des. João Proença Costa. Decisão recorrida de 14/11/2016.

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Notícia Explicativa Recurso de apelação interposto na acção com processo declarativo e forma comum, com o nº17652/16.2T8PRT, do Juízo Central Cível da comarca do Porto.

Autora – B..., Ldª.

Ré – C..., Ldª.

Pedido Que a Ré seja condenada a pagar à Autora a quantia global de € 202.190,21, correspondente à indemnização de clientela que a Ré deve à A. em razão da denúncia do contrato de agência celebrado entre ambos, acrescida de juros de mora vincendos, contados à taxa supletiva legal sobre as quantias em divida, desde a citação até integral pagamento.

Tese do Autor Celebrou com a Ré, em 1 de Agosto de 2003, um contrato de agência, pelo qual passou a exercer as actividades de distribuição e venda de produtos fabricados pela Ré, bem como a prestação de serviços inerentes à aplicação desses produtos, promovendo a celebração de contratos em nome e por conta da Ré, actuando de modo autónomo e estável, tendo-lhe sido atribuída uma zona de actuação exclusiva (área do distrito de ...) e mediante uma retribuição mensal, consubstanciada numa percentagem dos montantes facturados pela Ré à Administração Regional de Saúde (na medida em que a execução do contrato celebrado entre a Autora e a Ré era feita no âmbito da execução de outro contrato celebrado entre a Ré e aquela entidade estatal de saúde).

No desempenho da actividade em nome e por conta da Ré, a Autora procedeu à captação de novos clientes para os equipamentos e produtos da Ré, aumentando largamente a clientela e o volume de negócios da Ré na venda dos seus produtos na área atribuída à Autora.

Porém, a Ré procedeu à denúncia do mencionado contrato de agência, com efeitos reportados a 30/09/2014, passando o serviço até então prestado pela Autora a ser executado pela própria Ré, assumindo os clientes e negócios angariados pela Autora e contratando os técnicos que estavam ao serviço da Autora.

Deve a Ré à Autora uma indemnização de clientela, cujo montante corresponde à quantia peticionada nos autos.

A Ré não contestou a acção.

Sentença Recorrida A final, o Mmº Juiz “a quo”, julgou a acção procedente, por provada, condenando a Ré em montante equivalente ao peticionado.

Conclusões do Recurso de Apelação da Ré: a) Vem o presente recurso interposto da Sentença com a ref. CITIUS 375227238 que julgou totalmente procedente a acção intentada pela Autora B..., Lda. (doravante “Recorrida”) contra a Ré C..., Ldª. (doravante “Recorrente”) e, em consequência, condenou a aqui Recorrente no pagamento da quantia de € 202.190,21 (duzentos e dois mil cento e noventa euros e vinte e um cêntimos), a título de indemnização de clientela.

Das excepções - incompetência absoluta b) Da factualidade alegada pela Recorrida dada como assente pelo Tribunal a quo, nomeadamente ao abrigo dos Factos Provados 3., 6., 13. e 18., resulta evidente que os Tribunais Judiciais não são competentes para conhecer do mérito da presente acção, quer por preterição de tribunal arbitral, quer por preterição da jurisdição administrativa.

  1. Na cláusula 15ª do contrato celebrado entre a Recorrente e a Recorrida, dado como reproduzido no Facto Provado 3., foi estabelecida uma convenção de arbitragem a que a Recorrente, em situação de revelia absoluta (por falta de constituição de mandatário e apresentação de contestação no respectivo prazo), não renunciou expressa ou tacitamente.

  2. Com efeito e como referem a doutrina e a jurisprudência, no caso do réu, só ocorre o seu acordo a uma revogação da convenção de arbitragem quando o mesmo (i) contesta a acção e (ii) renuncia, de forma expressa ou tácita, à arguição da excepção de preterição de tribunal arbitral nos termos dos artigos 96º, alínea b), e 97º do CPC.

  3. In casu, a Recorrente não apresentou contestação, donde resulta claro não existir o primeiro referido pressuposto necessário à aferição da existência de uma renúncia, ainda que tácita: a apresentação de uma contestação.

  4. Acresce que a consequência da revelia é a confissão dos factos articulados pelo autor (ainda que com os limites previsos no artigo 568º, alínea d), do CPC), o que não é equivalente, nem tão pouco coincidente, com uma qualquer expressão de vontade da Recorrente que possa ser entendida ou interpretada como uma renúncia, ainda que tácita da arguição de uma excepção de preterição de tribunal arbitral e, consequentemente, de revogação da convenção de arbitragem celebrada entre as Partes.

  5. Assim, tendo em consideração que (i) a renúncia à convenção de arbitragem existente não foi um facto alegado pela Recorrida, não sendo, desde modo, confessável; (ii) a Recorrente esteve numa situação de revelia absoluta, nunca tendo praticado qualquer acto em sede processual; e que, (iii) apenas se prevê como forma de renúncia tácita do réu à convenção de arbitragem, a apresentação de uma contestação em que o mesmo não arguiu a excepção de preterição de tribunal arbitral, o Tribunal a quo devia ter conhecido da preterição da convenção de arbitragem existente no contrato celebrado entre a Recorrente e a Recorrida, o que constitui uma excepção dilatória, nos termos do disposto no artigo 577º, alínea a) do CPC, e determina a absolvição da Recorrente da instância (artigo 576º, nº 2 do CPC), excepção que aqui expressamente se arguiu.

  6. Assim, deve ser julgada procedente a excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral nos termos enunciados, em cumprimento do preceituado nos artigos 96º, alínea a), 97º, 576º, 577º, a) do CPC, e, consequentemente, ser revogada a Sentença Recorrida por violação dos referidos normativos, substituindo-a por outra que absolva a Recorrente da presente instância.

  7. Ainda que assim não se entenda, em virtude da indissociável ligação do contrato celebrado entre Recorrente e Recorrida (dado como reproduzido no Facto Provado 3. da Sentença a quo – doravante referido abreviadamente como “Contrato”) com o contrato público de aprovisionamento celebrado entre a Recorrente e o Estado Português (nomeadamente com a ARS de F...), o Contrato também reveste a natureza de contrato administrativo, pelo que os litígios dele emergentes – como o do caso sub judice – devem ser dirimidos pela jurisdição administrativa, com exclusão da jurisdição comum.

  8. Com efeito, nos termos das cláusulas 2ª e 11ª do Contrato e como é reconhecido no Facto Provado 13. da Sentença (aqui com um lapso na identificação da ARS concretamente em questão), o Contrato estava dependente de um outro contrato celebrado entre a Recorrente e a ARS de F... ao abrigo do regime jurídico aplicável à contratação pública então vigente.

  9. Na sua vigência inicial e, depois, nas suas renovações, o referido contrato celebrado entre a Recorrente e a ARS de F... obedeceu ao regime jurídico aplicável aos contratos públicos de prestação de serviços.

  10. Considerando que esse regime jurídico consta de disposições normativas publicadas em Diário da República – e, como tal, do conhecimento tanto da Recorrida, como do Tribunal a quo –, o contrato celebrado entre a Recorrente e a ARS de F... referido no Facto Provado 13. (ao qual, por sua vez, o acordo celebrado entre Recorrente e Recorrida estava sujeito) tem a natureza de contrato público de aprovisionamento, tendo vigorado no seu último período de vigência ao abrigo do Código dos Contratos Públicos.

  11. Uma vez que, no Contrato, a Recorrida, não só declarou conhecer o teor do contrato celebrado entre a Recorrente e a ARS competente, como, inclusivamente, se obrigou a respeitar as exigências que desse contrato resultavam para a Recorrente (cfr. Cláusula 11ª do Contrato), impõe-se reconhecer uma recepção e integração material do contrato celebrado entre a Recorrente e ARS no próprio Contrato.

  12. As referidas exigências, intimamente relacionadas com a prestação de serviços de saúde pelas entidades do Serviço Nacional de Saúde, são aquelas impostas pela ACSS – Administração Central de Sistemas de Saúde, I.P. e pela Direcção Geral de Saúde.

  13. Assim, quando estabeleceram que a Recorrida se obrigava a respeitar as exigências que resultavam para a Recorrente do contrato celebrado com a ARS, as Partes do Contrato determinaram que este também se sujeitaria a um regime substantivo de direito público, sendo por isso qualificável como contrato administrativo (nos termos e para os efeitos da alínea a) do nº 6 do artigo 1º do CCP).

  14. E, em consequência, a jurisdição competente para a resolução de qualquer litígio resultante desse contrato é a administrativa (nos termos e para os efeitos da alínea e) do nº 1 do artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro).

  15. Em todo o caso, a relação estabelecida entre as Partes só pode ser qualificada como relação jurídico administrativa para efeitos do disposto no artigo 212º, n.º 3, da CRP, na medida em que a prestação de serviços de saúde para entidades estatais inseridas no Serviço Nacional de Saúde, está sujeita a importante limitações de direito público (com vista à protecção do interesse público), que a Recorrida, no Contrato, declarou conhecer e respeitar – cfr. Cláusula 11ª do Contrato.

  16. Está em causa uma união ou coligação desses mesmos dois contratos, nomeadamente perante a espécie de união com dependência, donde resulta que a validade e vigência de um contrato depende da validade e vigência do outro e que, consequentemente, a Recorrida reconhece que a relação que tem com a Recorrente reveste a natureza jurídico administrativa.

  17. Considerando que, o que, para este efeito, releva é se alguma das entidades que faz parte da relação em análise detém poderes públicos ou se está sujeita a restrições resultantes da prossecução do interesse público, a circunstância de não ser parte na referida relação uma entidade que formalmente pertença à Administração Pública, não impede a conclusão de que estamos perante uma relação...

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