Acórdão nº 13721/16.7T8PRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 27 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelANA LUCINDA CABRAL
Data da Resolução27 de Abril de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 13721/16.7T8PRT.P1 Comarca do Porto Porto - Inst. Local - Secção Cível - J5 Acordam no Tribunal da Relação do Porto I - Relatório Autor: Condomínio ... ..., sito na Rua ..., n.ºs ... a ... e Rua ..., n.º .., no Porto, representado pelo seu Administrador “B..., Lda.”, com sede na Rua ..., n.º ..., ....-... Porto; Réu: C..., residente na Rua ..., n.º ..., ....-... Porto - Objeto do litígio: . Do direito do Autor de ver decretada a inibição de o Réu dar à fracção de que é proprietário uso diferente do previsto no título constitutivo de propriedade horizontal e no regulamento de condomínio, proibindo-se o uso da referida fracção para fins turísticos, designadamente, de alojamento local, bem como de ver o Réu condenado em sanção pecuniária compulsória, nos termos previstos no art. 829.º-A Código Civil, no montante de € 150,00 (cento e cinquenta euros) por dia, até efectivo cumprimento daquele primeiro pedido.

Realizada a audiência de Julgamento, foi proferida sentença a julgar a acção improcedente e a absolver o réu do pedido O autor, Condomínio ..., interpôs recurso, concluindo: 1 – O recorrido utiliza a fracção em crise nos autos, destinada, exclusivamente, a habitação, nos termos da propriedade horizontal do edifício onde se insere, para fins de prestação de serviços de alojamento local 2 – Entende o recorrente que o destino que o recorrido atribui à fracção vai contra o fim a que ela se destina, pretendendo assim o recorrente que o recorrido seja impedido de dar um uso diverso (prestação de serviços de alojamento local) à fracção daquele a que a mesma é destinada (habitação), cumprindo-se o previsto no art. 1422.º n.º 2 alínea c) do Código Civil.

3 – O fim a que a fracção se destina é uma limitação do direito de propriedade de cada condómino sobre a sua fracção.

4 – A sentença recorrida entende que ficou demonstrado que o recorrido afecta a fracção à prestação de serviços de alojamento local, sendo, porém, lícito, já que habitar é mais que alojar, por isso se quem pode o mais, pode o menos, a utilização da fracção para prestação de serviços de alojamento local não difere da utilização para habitação.

5 – Ora, estes são conceitos distintos, não complementares ou associáveis: habitação implica permanência, residência, morada e local, em confronto e oposição com o conceito de alojamento que se reporta a temporariedade, provisoriedade.

6 – A actividade de prestação de serviços é, antes de mais, uma prestação de serviços, que carece de cumprir determinados requisitos para ser legal, nomeadamente o licenciamento do Instituto do Turismo de Portugal, e tanto assim é, que, em termos fiscais, os rendimentos auferidos nesta actividade são tributados como rendimentos empresariais, pelo que, a actividade comercial não pode ser dissociada do serviço que é prestado.

7 – Um turista não habita no local onde passa férias, mesmo sendo um apartamento, da mesma forma que não habita um quarto de hotel: o local é usado para pernoitar e guardar as suas coisas, não para habitar: a actividade turística é temporária, o turista continua a ter a sua habitação no local onde reside.

8 – Apesar de não haver um “balcão físico” de apoio ao turista, no alojamento local, esse balcão, tal como se processa todos os contactos, é virtual: com toda a certeza, apesar de o utilizador de alojamento local não ter à sua disposição uma recepção, como existe num hotel, tem, certamente, um contacto do proprietário ou alguém consigo relacionado, a quem poderá recorrer para o que precisar.

9 – Acresce que, no alojamento local, os serviços prestados extravasam a habitação (limpeza, arrumação, mudança de camas), sendo uma prestação de serviços efectuada com carácter lucrativo, sujeita ao cumprimento de obrigações, típicas de uma actividade de prestação de serviços e não de habitação (leia-se residência) dessa fracção.

10 – Deve ainda referir-se que a propriedade horizontal do edifício data de 1975, quando a realidade do alojamento local não era imaginável ou conjecturável.

11 – O edifício é composto por cinco estabelecimentos comerciais e seis habitações, sendo certo que a existe uma separação marcada, integral e absoluta entre zona comercial e zona habitacional: às fracções F a K (sendo a fracção propriedade do recorrido a fracção “F”) foi destinado o fim HABITAÇÃO, exclusiva e unicamente, tal como isso significa: residência, permanência, morada.

12 – Ora, quem adquiriu uma ou várias das mencionadas fracções destinadas a habitação fê-lo sempre na expectativa de que o prédio seria sempre habitado por quem lá reside, e não por um entra-e-sai constante de estranhos, tinham, por isso, uma expectativa fundada de que o prédio seria exclusivamente usado para habitação própria dos proprietários ou eventuais arrendatários e que nunca teriam estranhos a aceder e usar o prédio, como aliás o foi, até à aquisição da fracção pelo recorrido.

13 – Seguimos o entendimento que, em caso de dúvida, deverá adoptar-se um critério interpretativo restritivo, no âmbito do qual se propugna que o fim habitacional deverá considerar-se como restrito a utilização puramente privada e não comercial, não permitindo o uso por actividades com relevo económico.

14 – Acresce que a prestação de serviços de alojamento local provoca insegurança no próprio Condomínio, já que entram e saem, constantemente, estranhos ao prédio, são entregues chaves a desconhecidos, sendo certo que todos os equipamentos existentes no Condomínio, desde logo, o elevador, sofrem um desgaste acrescido, conduzindo a um aumento de despesas.

15 – Perfilhamos o entendimento do douto Acórdão da Relação de Lisboa, processo n.º 12579/16.0T8LSB.L1 (cuja cópia se junta como documento n.º 1), “o destino comercial (leia-se, alojamento local) dado à fracção AQ (…) não é compatível com o fixado no título de propriedade horizontal, que a destina a habitação.

16 – Neste seguimento, também não podemos aceitar que a proibição de dar utilidade turística/hoteleira às fracções, constante da alteração ao ponto 9, n.º 1 do Regulamento de Condomínio, seja ineficaz quanto ao recorrido, por violar o art. 1422.º n.º 2 alínea d) do Código Civil, já que se tratou de uma deliberação aprovada, com a sua oposição, já que tal deliberação não limita o direito de propriedade do condómino, ela apenas veio reiterar e realçar o que já é expressamente dito na propriedade horizontal, sendo este também o entendimento seguido pelo citado Acórdão da Relação de Lisboa.

17 – A douta sentença em causa violou assim o disposto no art. 1422.º n.º 2 alínea c) do Código Civil, ao permitir que seja dado um uso diferente à fracção daquele a que a mesma é destinada.

TERMOS EM QUE Deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão recorrenda proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, substituindo-a por outra que declare procedente o pedido formulado pelo C... apresentou contra-alegações, concluindo que deve manter-se a sentença.

Nos termos da lei processual civil são as conclusões do recurso que delimitam o objecto do mesmo e, consequentemente, os poderes de cognição deste tribunal.

Assim, a questão a resolver consiste em saber se saber se o alojamento local se pode considerar integrado no conceito de habitação quando no título constitutivo da propriedade horizontal se estabelece que determinada fracção se destina à habitação.

II- Fundamentação de facto: O tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos:

  1. O Réu é proprietário da fracção designada pela letra “F”, do prédio sito na Rua ..., n.ºs ... a ... e Rua ..., n.ºs ... a ..., no Porto, descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º 54514.

    b) A referida fraccão destina-se única e exclusivamente a habitação, conforme título de constituição de propriedade horizontal junto a fls. 7 a 9v.º, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

    c) O Réu afecta a referida fracção à prestação de serviços de alojamento temporário a turistas, mediante o preço de € 85,00 (oitenta e cinco euros) por noite, tendo uma taxa de...

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