Acórdão nº 735/16.6T8AVR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 18 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelMANUEL DOMINGOS FERNANDES
Data da Resolução18 de Abril de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 735/16.6T8AVR.P1-Apelação Origem: Comarca de Aveiro-Aveiro-Inst. Central-1ª Secção Cível-J1 Relator: Manuel Fernandes 1º Adjunto Des. Miguel Baldaia 2º Adjunto Des. Jorge Seabra Sumário: I- Se aquele por quem ou em nome de quem o seguro é feito não tem interesse na coisa segurada, o seguro é nulo-artigo 428.º, § 1, do C. Comercial (revogado) e 43.º, nº 1 da actual LCS (Lei de Contrato de Seguro-Decreto Lei nº 72/2008, de 16 de Abril).

  1. O interesse que esse preceito pressupõe não resulta apenas da qualidade de proprietário, podendo também emergir de outras qualidades jurídicas, tais como a de usufrutuário, arrendatário, comodatário, de mero possuidor ou detentor, ou seja, sempre que o segurado detenha a coisa por qualquer título que o obrigue a restituí-la (ou o seu valor) se ela perecer.

  2. Tal interesse na coisa segurada não pode deixar de ser aferido também no momento do sinistro e não apenas no momento da celebração do contrato, tendo o segurado que manter vivo e actual o seu interesse legítimo no ressarcimento dos prejuízos que lhe forem causados pelo evento danoso aquando da ocorrência deste.

*I-RELATÓRIO Acordam no Tribunal da Relação do Porto: B… e C…, residentes na Rua …, n.º .., ….-… …, União das Freguesias …, …, concelho de Anadia, vieram intentar a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra D…, S.A., pessoa colectiva, com sede no …, n.º .., na cidade e comarca de Lisboa pedindo que a mesma seja condenada a pagar-lhe a quantia global de € 107.752,50 (cento e sete mil setecentos e cinquenta e dois euros e cinquenta cêntimos), referente a todos os prejuízos patrimoniais sofridos e supra indicados como consequência directa e necessária do incêndio objecto dos presentes acrescida de juros até efectivo e integral pagamento.

*Devidamente citada contestou a Ré alegando a falta de interesse digno de protecção legal relativamente ao risco coberto, quando aponta que os AA. não são proprietários, desde 2002, do imóvel seguro, por este ter sido comprado por E… na execução que este lhes moveu e, para além disso, o imóvel seguro não é a residência habitual daqueles, sendo que o seguro contratado só abrange o incêndio acidental: nos termos da alínea h) do n.º 2 do artigo 3.º e da alínea d) do n.º 1 do art. 4.º das Condições Gerais da Apólice, estando excluído o incêndio intencional, por ser cobertura facultativa não contratada.

Termina, pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido.

*Responderam os Autores pugnando pela improcedência das excepções deduzidas.

*Marcada a audiência prévia, nela o tribunal proferiu despacho saneador sentença onde declarou nulo o contrato de seguro multirriscos celebrado entre o A. marido e a seguradora F… (hoje integrada, por fusão, na Ré D…, S.A.), titulado pela Apólice nº ………. e, em consequência, absolveu a Ré D…, S.A. dos pedidos contra ela formulados.

*Não se conformando com o assim decidido vieram os Autores interpor o presente recurso concluindo as suas alegações pela forma seguinte: A)- Os Apelantes não podem aceitar nem conformar-se com a douta decisão recorrida, a qual deverá ser revogada, por a mesma, violar o disposto nos artigos 591º n.º 1, alínea b), e 590º n.º 4, ambos, do Código de Processo Civil, artigo 43º n.º 1 da Lei do Contrato de Seguro e artigo 292º do Código Civil.

  1. Com a presente apelação, os Apelantes pretendem que seja feita uma reapreciação do julgamento de direito que o Tribunal a quo fez ao proferir a douta decisão recorrida, a saber: a) se o contrato de seguro objecto dos presentes autos é nulo por faltar um dos requisitos legais para a sua celebração, como seja o interesse digno de protecção legal relativamente ao risco coberto; b) a quem pode ser estendido o esse interesse digno de protecção legal relativamente ao risco coberto, in casu tratando-se de uma moradia o risco coberto, se o mesmo pode ser estendido, para além do proprietário da coisa, a possuidores, detentores precários, a quem tem a guarda e cuidado da coisa, a terceiros que possam ter um interesse directo–ainda que detentores precários ou que tenham a coisa à sua guarda–em contratar um seguro até para estarem protegidos contra uma acção de indemnização pelos danos que possam ter sido provocados na coisa seguro e que estava a seu cargo; c) se o Tribunal a quo, face a não ter elementos suficientes para aferir a que titulo os Autores estavam na posse da moradia objecto dos presentes autos, deveria tê-los notificado para virem aperfeiçoar os seus articulados quanto a esta questão; d) se ainda que se considere nulo o contrato de seguro, o que só por mera questão de patrocínio se concebe, em relação à cobertura do risco na moradia, se mesmo assim quanto aos objectos e veículos móveis que nela estavam guardados o seguro se manteria válido. Ora C) O contrato de seguro sub judice sempre foi aceite e tido como válido entre as partes, nunca tendo a Apelada posto em causa alguma falta de requisito formal na sua celebração, até porque sempre recebeu o prémio anual que os Apelantes pagavam, como também liquidou sinistros que ocorreram nos bens objecto do contrato de seguro.

  2. Com efeito, os Apelantes alegaram que vêm possuindo, fruindo e utilizando o bem imóvel e seus anexos, objectos do seguro sub judice, há mais de 24 anos de forma ininterrupta e sem oposição de terceiros e muito menos do titular inscrito, até porque foram os Apelantes que edificaram o imóvel a expensas exclusivamente suas e desde a construção são estes que o vêm ocupando, habitando-o e fruindo-o.

  3. Não podem os Apelantes aceitar o que pelo Tribunal a quo é referido na douta sentença recorrida que “sendo assim, a situação de manutenção dos AA., anteriores proprietários, no uso e utilização do imóvel, seja a que título for (por mera tolerância ao que parece, pois eles não alegam a celebração de qualquer contrato, designadamente, de comodato, passando uma esponja bem encharcada sobre o assunto”), já que se tal matéria, quanto à posse do imóvel, não se mostrava devidamente alicerçada em factos concretos, poderia e devia o Tribunal a quo ter emitido despacho judicial para aperfeiçoar o articulado, o que não fez.

  4. Com efeito, resultando do que consta da douta sentença recorrida que no que diz respeito à invocada posse dos Apelantes da moradia tal matéria não se encontra concretizada, ainda que tenha ou possa ter sido alegada de forma deficiente, incumbia ao Tribunal a quo, nos termos do artigo 590º n.º 4 do Código de Processo Civil, convidar os Apelantes a suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada. Ora G) Refere o sumário do douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 15/05/2014, processo n.º 26903/13.4T2SNT.L1-2, relator o Ex.mo Juiz Desembargador, Dr. Ezaguy Martins, in www.dgsi.pt, “II–O convite ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada é, no domínio do novo Código de Processo Civil, uma incumbência do juiz, isto é, um seu dever. III – A utilização de conceitos de direito ou conclusivos nos articulados, mais do que ser um problema de imprecisão na exposição dos factos, é um dos mais fortes indícios da insuficiência (latente) da articulação dos factos. IV – A omissão do convite ao aperfeiçoamento redunda em nulidade processual.” H) Daí que o Tribunal a quo, ao não ter dado cumprimento ao disposto no artigo 590º n.º 4 do Código de Processo Civil, quando o podia e era um seu dever fazê-lo, face até às considerações tecidas na douta sentença recorrida, tal omissão gerou a nulidade processual, o que por si só é já bastante para revogar a douta sentença recorrida e ordenar a baixa do processo para que o Tribunal a quo profira despacho judicial a convidar os Apelantes para virem concretizar os factos referentes à posse alegada, designadamente, alegando factos que conducentes ao modo em como adquiram a posse e como a vêm fruindo, designadamente, a que título.

  5. A Meritíssima Juiz a quo, na parte final da douta decisão recorrida, vem, segundo a própria, esclarecer que “a presente decisão não é uma decisão surpresa. O problema do interesse no seguro foi levantado, implicitamente ao menos (implicitamente?!!!, então não deveria ser em termos explícitos?!) ao menos, na contestação com a alegação de que os AA. não são proprietários do imóvel, como se intitularam na proposta do seguro. Sobre esta questão se pronunciaram os AA. na resposta à contestação da forma que entenderam. Portanto, é uma questão debatida pelas partes que, se a não aprofundaram mais, sibi imputet.”. Ora J) Não podem os Apelantes concordar com tal juízo tecido pela Meritíssima Juiz a quo, para tentar justificar a não existência de uma decisão surpresa, quanto até o que foi alegado pela Apelada diz respeito a...

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