Acórdão nº 579/11.1TBVCD-E.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 03 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelCARLOS QUERIDO
Data da Resolução03 de Abril de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 579/11.1TBVCD-E.P1 Sumário da decisão:I. Apesar de o n.º 1 do artigo 1793.º do Código Civil permitir, em caso de divórcio, a constituição por decisão judicial de uma relação de arrendamento da casa de morada de família a favor de um dos ex-cônjuges, quando a mesma seja bem próprio do outro cônjuge, ainda que contra a vontade deste, numa situação em se prova a carência económica de ambas as partes não pode o julgador ficar indiferente ao critério da propriedade da casa em discussão.

  1. Sendo a casa de morada de família bem próprio de um dos ex-cônjuges, não deve ser atribuída em arrendamento ao outro, quando o dono dela careça e não tenha meios económicos para encontrar outra habitação.

    Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. Relatório Em 13.11.2013, B… intentou no Tribunal Judicial de Vila do Conde[1], contra C…, ação especial de atribuição de casa de morada de família, ao abrigo do disposto nos artigos 930.º e seguintes do Código de Processo Civil, formulando o seguinte pedido referente ao imóvel identificado na petição: «Deve o Tribunal dar de arrendamento à aqui Requerente a referida casa de morada de família, por ser bem próprio do Requerido, de acordo com as regras de arrendamento para habitação, pelo prazo de um ano, sucessiva e automaticamente renovável, por iguais e sucessivos períodos de um ano, mediante o pagamento de uma retribuição mensal, a título de renda, não superior a €10,00/mês (dez euros / mês), até ao dia 8 do mês a que disser respeito.».

    Como fundamento da sua pretensão, alegou em síntese: o requerido recebe uma pensão mensal da Segurança Social no montante de €109,59, auferindo mensalmente, no exercício da sua atividade de mecânico, quantia não inferior a €1.000,00 / mês, fazendo alguns “biscates”, o que lhe permite procurar e arrendar outra habitação; a requerente não dispõe de quaisquer rendimentos para além do montante (€178,15), que recebe mensalmente, através do rendimento social de inserção.

    O requerido foi citado, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 990º, n.º 2 do CPC, tendo-se realizado em 29.01.2014 uma tentativa de conciliação na qual não se revelou possível a conciliação das partes.

    Na referida diligência, foi o requerido notificado para deduzir oposição, querendo, o que veio a fazer em 6.0.2014, alegando em síntese: a requerente trabalha como costureira e modista numa divisão da casa, aí possuindo todas as máquinas (de costura profissionais) e demais acessórios necessários a tal atividade, para além de arranjos de roupa, confeciona conjuntos completos de saia e casaco, vestidos de noite ou para ocasiões e eventos especiais, camisas e demais vestuário feminino; da sua atividade, a requerente retira elevados rendimentos, possuindo uma vasta clientela que ali se desloca com regularidade; a requerente apenas se inscreveu no centro de emprego em 15/11/2011, na pendência já do pedido provisório de alimentos por esta formulado e do pedido formulado pelo requerido da atribuição temporária da casa de morada de família, somente como forma de tentar justificar necessidade de alimentos, que bem sabe não corresponder à verdade; a requerente possui imóveis destinados a habitação e que foram “partilhados” a favor de sua mãe, na pendência da ação de divórcio, podendo utilizá-los, quer para residir, quer para aí desempenhar a sua atividade; tais imóveis, num dos quais reside sozinha a sua mãe, é uma vivenda que dista cerca de três ou quatro quilómetros em linha reta da casa de morada de família que pretende ver ser-lhe atribuída, o requerido é doente oncológico e a situação de stress em que se encontra é suscetível de recidivar a sua doença; encontra-se a residir provisoriamente na casa de sua irmã, onde para além desta e de seu cunhado, residem os sus pais e dois sobrinhos adultos, tendo um deste cedido provisoriamente o seu quarto, estando todos em grande dificuldade e constrangimento; é pensionista e não tem condições económicas para arrendar imóvel, ou local para onde ir de forma definitiva, necessitando do seu imóvel, onde (pensa ainda), possuir as suas coisas e poder estar em paz; a sua oficina de chapeiro e pintura, encontra-se nas traseiras da casa e o acesso é comum, estando impedido de exercer atividade por factos praticados pela requerente, quer com a colocação de veículo que usa a obstruir o acesso à oficina, quer com o corte do fornecimento de energia à dita oficina.

    Termina requerendo: que lhe seja atribuída a casa de morada de família; que seja a requerente condenada como litigante de má-fé, em multa condigna ao Tribunal e em indeminização ao requerido em quantia mínima de €2.500,00.

    Foi requerida prova pericial, ordenada por despacho de 2.04.2014, encontrando-se o respetivo relatório junto aos autos Em 14.04.2016 realizou-se a 1.ª sessão da audiência final, com inquirição do perito que elaborou o relatório pericial junto aos autos, e de testemunhas.

    Na referida sessão da audiência final, requereu a autora a junção de documentos para prova do artigo 14.º da petição[2], referindo que se trata de correspondência remetida para o arrendatário de D… (mãe da autora), E…, que comprovam que em 18-3-2016 a casa sita na Rua …, n.º …, …, Vila do Conde, continua a ser residência de E….

    Tal requerimento foi indeferido através do seguinte despacho proferido em ata: «A junção dos documentos que agora se requer, conforme o alegado pelo requerente, tem como objectivo a prova de parte da matéria factual inserta, do art.º 14º da P.I..

    Tendo em consideração a data constante do selo postal constante dos documentos cuja junção se requer - 18/03/2016 - constata-se que a requerente não poderia ter entregue este meio de prova com o articulado da P.I..

    Podia, todavia, ter apresentado os documentos dentro do prazo do n.º 2 do mesmo normativo, o que não o fez, motivo pelo qual se indefere a junção dos documentos agora requeridos.

    Acrescenta-se ainda, que no requerimento de junção de prova documental agora apresentado, bem assim como dos depoimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento, para se fazer-se prova da matéria invocada na pretensão, os documentos em causa e respectiva junção não resultam necessariamente do ocorrido posteriormente aos articulados ou ao prazo do n.º 2, desde logo e porque no referido art.º 14º, já é alegado o arrendamento, não havendo notícia que o arrendatário seja distinto.».

    Não se conformou a autora e interpôs recurso de apelação, apresentando alegações, findas as quais formula as seguintes conclusões: 1.º No processo de jurisdição voluntária, como é o caso dos Autos (Atribuição da Casa de Morada de Família), o juiz não está limitado quanto à admissão de prova documental ao disposto no art. 423.º , do C.P.C., conforme resulta do art. 986.º , n.º 2 do C.P.C..

    1. Os documentos (correspondência recebida, remetida para o arrendatário E…), não admitidos pelo Tribunal a qu , e que são os que agora se juntam e que fazem parte integrante do presente recurso, constituem informações para o Tribunal (cfr. art. 986,n.º2, do C.P.C.) e são supervenientes e interessam á boa decisão da causa, comprovando os mesmos que, pelo menos, em 18-3-2016, a Rua …, n.º …, …, Vila do Conde, continua a ser a residência do arrendatário referido supra , sita no 1.º andar do prédio pertencente a D…, que no contrato de arrendamento junto a fls. outorga como arrendatário do referido 1.º andar .

    2. Pelo que , é aplicável in casu , o disposto no art. 986º , n.º 2 do C.P.C. e não o disposto no art. 423.º , n.º 2 do C.P.C., como se fez no despacho recorrido, que deve ser revogado e substituído por outro que admita esses documentos, o que se requer.

    3. O despacho recorrido violou o disposto no art. 986.º , n.º 2 do C.P.C. Termos em que, Deve ser concedido provimento ao presente recurso, julgando-se procedentes as conclusões 1.º a 4.º, substituindo-se o despacho que não admitiu os documentos referidos supra e juntos a seguir por Acórdão que revogue este e admita os mesmos, como é de JUSTIÇA.

      Em 22.06.2016 realizou-se a 2.ª sessão da audiência final, com inquirição de testemunhas.

      Na referida sessão da audiência final, requereu a autora a junção de documentos (certidão de processo crime) como fundamento de impugnação do depoimento da testemunha F… (art.º 514.º do CPC).

      Tal requerimento foi indeferido através do seguinte despacho proferido em ata: «Face aos fundamentos apresentados pela testemunha, bem com à sua confissão dos factos, os quais que fundamentam a impugnação do depoimento desta testemunha, desde já se determina a inexistência de qualquer necessidade de ser junto aos autos qualquer documento, bem como qualquer meio de prova, susceptível de sustentar o peticionado pelo Ilustre mandatário requerente, encontrando-se este Tribunal desde já de proferir decisão, nos termos do n.º 2 do referido normativo.

      Foi invocado o impedimento de depor desta testemunha, por banda da requerente, alegando para o efeito e de forma sumariamente os fundamentos que infra se expõem: - Ter sido esta testemunha obrigada/condenada, no âmbito de um processo crime, a pagar a quantia de €150,00, a título de indemnização à requerente B…, e por via de tal facto; - A testemunha está de relações cortada com a requerente.

      Foi dado cumprimento ao n.º 1 do art.º 515º do CPC, tendo a testemunha confessado ambos os factos que lhe são imputados e que fundamentam o agora suscitado.

      Estabelece o art.º 495º, n.º 1 do CPC, quais as pessoas que têm capacidade de depor como testemunha.

      Constata este Tribunal, e tal não foi alegado no sentido contrário, que a testemunha F…, revela capacidade para depor como testemunha, tendo desde já sido advertida das consequências da quebra do juramento que prestou enquanto testemunha a inquirir, e tendo a mesma dito que as tinha compreendido e estava ciente das mesmas.

      Face ao exposto, e porque se entende que inexiste qualquer fundamento para proceder o peticionado pela requerente e ainda porque se entende que esta testemunha revela capacidade para depôr...

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