Acórdão nº 306/14.1T8MTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 03 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelCARLOS GIL
Data da Resolução03 de Abril de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo 306/14.1T8MTS.P1 Sumário do acórdão proferido no processo nº 306/14.1T8MTS.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil: 1. Os moradores usuários e donos da obra que afirmam padecer de defeitos, não obstante a transmissão para outrem da nua propriedade sobre o imóvel em que se integra essa obra, conservam na sua esfera jurídica todos os direitos que lhe assistiam na qualidade de donos e proprietários antes da referida transmissão.

  1. A causa de exclusão da responsabilidade do empreiteiro prevista no artigo 1219º do Código Civil é de conhecimento oficioso, já que a lei não estabelece a necessidade de ser invocada por quem dela beneficia.

  2. A caducidade do direito de exigir a eliminação de defeitos na obra é uma exceção perentória, de conhecimento não oficioso, porque estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes.

  3. O defeito na obra verifica-se sempre que o empreiteiro se afasta do que foi acordado ou quando executa a construção com patologias que excluem ou reduzem o valor da coisa ou quando dessa execução resulta uma obra inapta para o uso normal ou para a finalidade contratualmente prevista.

    ***Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:1. Relatório[1]Em 01 de outubro de 2014, na Secção Cível, J3, da Instância Local de Matosinhos, Comarca do Porto, B… e mulher C… intentaram a presente ação declarativa de processo comum contra D… e E… pedindo a condenação do réu: a) a reparar os defeitos de construção de que padece o prédio sito na Rua …, nº …/…, em …, Matosinhos, de forma a repor o edifício em perfeitas condições de habitabilidade, sendo-lhe concedido o prazo de 20 dias para iniciar a obra; Ou, em alternativa, b) no pagamento do montante que se vier a apurar, mas nunca inferior a €18.500,00, valor que os autores julgam ser o que terão de suportar para proceder à reparação/eliminação dos vícios/defeitos objecto da presente demanda.

    Alegam para o efeito que são donos e legítimos proprietários do imóvel sito à Rua …, n.ºs …/…, …, em Matosinhos.

    No exercício da sua atividade de construção e comercialização de imóveis, o réu marido vendeu o terreno/lote aos autores e posteriormente construiu o imóvel supra referenciado, o qual entregou aos autores em dezembro de 2009.

    Sucede que os autores detetaram nesse imóvel defeitos de construção, os quais foram comunicados verbalmente ao réu e, posteriormente, em março de 2014, por escrito.

    O réu reconheceu a existência dos mesmos e comprometeu-se a proceder à sua reparação. No entanto, nunca realizou tais obras.

    Os defeitos de construção colocam em perigo a saúde, bem-estar e integridade física dos proprietários residentes no imóvel, do que os autores deram conhecimento ao réu marido, sempre no prazo de um ano após a deteção dos defeitos.

    As infiltrações de que o imóvel padece provocam a insalubridade do mesmo e contribuem para a sua degradação, desvalorizando-o. Acresce que a própria estética do imóvel também se encontra desvalorizada, com o constante descascar de tinta provocado pelas humidades existentes.

    Os autores indagaram junto de terceiros e foram informados que a reparação/eliminação de todos os defeitos do imóvel rondará os €16.000,00.

    Quanto à demanda da ré, para a justificar alegam que a condenação do réu na reparação dos defeitos de construção ou, em alternativa, no pagamento do montante a apurar para que os autores possam proceder à reparação dos defeitos, será uma dívida da responsabilidade de ambos os réus, porquanto foi contraída na constância do matrimónio.

    Citados, os réus contestaram, pugnando pela total improcedência da ação, alegando para tanto que na data de 28 de novembro de 2008 venderam aos autores uma parcela de terreno destinada a construção, situada na Rua …, em …, Matosinhos.

    A construção entretanto executada nessa parcela de terreno é da exclusiva responsabilidade dos autores ou de quem a executou.

    O réu não construiu o imóvel em causa nos autos e jamais reconheceu a existência de defeitos no mesmo. O réu recorda-se de ter recebido, no início do ano de 2014, uma carta do autor, à qual não deu atenção, concluindo tratar-se de equívoco, já que a construção do imóvel não foi por si efetuada.

    Nunca se deslocou ao imóvel para analisar supostos defeitos construtivos, pelo que nunca se comprometeu a fazer nenhuma reparação, nem reconheceu qualquer responsabilidade pelos mesmos.

    Os réus alegam ainda desconhecer se o valor necessário para a reparação do imóvel é de 16.000,00€, 18.500,00€ ou qualquer outro valor.

    Mais alegam que não são comerciantes.

    Em face da contestação, os autores vieram responder a alguma da factualidade vertida nesse articulado dos réus e peticionar a condenação dos réus como litigantes de má-fé em multa e indemnização a liquidar ulteriormente, oferecendo prova testemunhal e documental.

    Fixou-se o valor da causa no montante de €18.500,00.

    Declarou-se não escrito o articulado dos autores na parte que exorbita a invocada litigância de má-fé e o oferecimento de provas, dispensou-se a realização de audiência prévia, consignou-se inexistir qualquer exceção dilatória ou nulidade obstativa do conhecimento do mérito da causa, identificou-se o objeto do litígio e organizaram-se os temas de prova.

    Os réus reclamaram contra o despacho saneador em virtude de não ter sido tomada posição quanto à legitimidade dos autores, não constando essa matéria dos temas de prova, quando se deveria ter aguardado pela junção aos autos da certidão do registo predial relativa ao imóvel que os autores alegam ser da sua titularidade, a fim de tomar posição sobre a referida legitimidade e, eventualmente, quanto ao mérito da causa, levando essa matéria aos temas de prova.

    Após consulta de certidão do registo predial entretanto junta aos autos pelos autores, os réus requereram que os autores fossem declarados destituídos de legitimidade para a causa, em virtude de não serem donos do imóvel que alegam padecer de defeitos.

    Em 11 de maio de 2015, foi proferido despacho julgando os autores com legitimidade processual para a causa, mas ressalvando que a matéria da titularidade do direito de propriedade por parte dos autores depende da produção de prova documental, não fazendo por isso parte dos temas de prova.

    Realizou-se a prova pericial requerida pelos autores e efetuou-se a audiência final numa sessão.

    Em 08 de novembro de 2016, proferiu-se sentença[2] que terminou com o dispositivo que de seguida se transcreve, na parte pertinente: “Em face do exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente por provada e, em consequência, condeno o Réu D… a reparar os defeitos de que padece o prédio sito na Rua …, n.º …/…, …, em Matosinhos, identificados nos pontos 1.12., 1.13., 1.14. e 1.15. do elenco de factos provados, sendo-lhe concedido o prazo de 20 dias para iniciar a obra de reparação.

    ” Em 14 de dezembro de 2016, inconformado com a sentença, D… interpôs recurso de apelação terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: “A. O Tribunal a Quo deu errada interpretação legal, no que tange à questão da legitimidade dos Autores Apelados, violando o artigo 30º, do Código de Processo Civil.

    1. O Tribunal a Quo não deu adequado enquadramento à matéria de facto dada como provada, designadamente, no que tange à qualidade dos Autores / Apelados e à sua correlação com a eliminação de defeitos de obra já transmitida a terceiros em Maio de 2011; aos defeitos de construção, aparentes, aceites pelos Autores, sem reserva, em Dezembro de 2009; e, até, no que respeita a ‘’problemas’’ de que o imóvel em causa padece, que não podem ser qualificados como defeitos de construção, violando, entre outros, os artigos 1218º a 1225º e seguintes, do Código Civil.

    2. A existência de defeitos construtivos deveria de ter sido denunciada e provada pelos adquirentes da obra empreitada.

    3. O que não foi feito até ao presente momento.

    4. Uma vez que a responsabilidade do empreiteiro se transmitiu - com o direito de propriedade - aos adquirentes.

    5. Continuando o empreiteiro a responder sempre perante o último adquirente, os proprietários da raiz ou nua propriedade, dentro do prazo de 5 anos após a entrega da obra ao seu primitivo dono, prazo este que se não renova após cada transmissão de propriedade.

    6. E...

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