Acórdão nº 384/16.9PFPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 05 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelFRANCISCO MOTA RIBEIRO
Data da Resolução05 de Abril de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 384/16.9PFPRT.P1 – 4.ª Secção Relator: Francisco Mota Ribeiro*Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto* 1. RELATÓRIO1.1 Por sentença de 19/07/2016, após realização da audiência de julgamento, no Proc.º nº 384/16.9PFPRT, que correu termos na Secção de Pequena Criminalidade, J1, da Instância Local do Porto, Comarca do Porto, foi o arguido B… condenado, pela autoria, em 02/07/2016, de um crime de condução de veículo automóvel em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art.º 292º do Código Penal, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de €7,00 (sete Euros), perfazendo o montante global de €700,00, bem como na sanção acessória de proibição de condução de veículos com motor, pelo período de 5 meses, nos termos do art.º 69º, nº 1, al. a), do CP.

1.2.

De tal sentença interpôs recurso o Ministério Público, apresentando motivação que termina com as seguintes conclusões: “1- O arguido B… foi submetido a julgamento sob a forma de processo sumário e condenado como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de 7,00€ (sete euros), perfazendo um total de 700,00€ (setecentos euros), e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de todas as categorias pelo período de 5 (cinco) meses (artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal).

2- O Tribunal a quo considerou provados os factos constantes da acusação e ainda que o arguido tem antecedentes criminais e está familiar, profissional e socialmente integrado.

3- Atendendo aos factos dados como provados, designadamente a taxa de álcool de 1,74 g/1, a que corresponde, após dedução do erro máximo admissível, o valor apurado de 1,601 g/l no sangue, à existência de duas condenações por crimes de igual natureza, às molduras abstratas das penas aplicáveis ao crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º n.º 1 do Código Penal (pena de prisão até um ano ou pena de multa até 120 dias) e artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal (proibição de conduzir veículos a motor por um período fixado entre três meses e três anos), e às exigências de prevenção geral e especial que a situação demanda, entendemos que a pena principal aplicada não cumpre, de forma adequada e suficiente, as exigências de prevenção geral que no caso se fazem sentir.

4- Estando perante uma pena compósita alternativa, deve o Tribunal a quo escolher a pena, em observância do princípio da preferência das reações não detentivas face às detentivas, sempre que aquela realize de forma adequada e suficiente as finalidades de prevenção geral - positiva ou de integração - é dizer, a estabilização contra-fáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida (segundo Jakobs) - e especial de socialização do agente.

5- O crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292.º n.º 1 do Código Penal e art.º 69.º n.º 1 al. a) do Código Penal é um crime de perigo abstrato, cujo bem jurídico protegido é a segurança da circulação rodoviária, protegendo-se, indiretamente, outros bens jurídicos, que se prendem com a segurança das pessoas face ao trânsito de veículos, como a vida, ou a integridade física.

6- A medida concreta da pena é determinada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (art.º 71º n.º 1 do Código Penal), devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, nomeadamente, o grau da ilicitude do facto, a gravidade das suas consequências, o grau de violação dos deveres impostos, a intensidade do dolo, as condições pessoais do agente, a situação económica e a sua conduta anterior e posterior ao facto (art.º 71 n.º 2 do Código Penal).

7- No contexto dos crimes relativos à condução de veículo em estado de embriaguez as razões de prevenção geral positiva ou de integração, nomeadamente na modalidade de defesa do ordenamento jurídico e de tutela das expectativas comunitárias na validade da ordem jurídica violada, são prementes. Estes crimes são dos mais frequentes no País, designadamente na área desta Comarca.

8- A generalização da condução de veículos por condutores em estado de embriaguez, a noção de que vale a pena “arriscar”, pelo prazer de consumo de bebidas alcoólicas, sem que o condutor se consciencialize que não é uma pena (em caso de crime) ou uma coima (em caso de contra ordenação) a que se arrisca mas sim a sua segurança, a sua vida e integridade física e dos demais utentes da via, impõe que a comunidade se aperceba que a resposta do sistema jurisdicional é firme e clara por forma a pôr termo ao cenário trágico do consumo de álcool associado à condução de veículos, com as consequências para a integridade física e bens patrimoniais dos próprios e de terceiros.

9- Impõe-se, pois, a escolha da pena que reafirme de forma eficaz a validade da norma violada, estabilizando comunitariamente o respeito pelo bem jurídico protegido pela mesma. Assim, a opção por pena não detentiva no que tange à afirmação pela comunidade de que a norma continua a proteger bens jurídicos assumidos como valiosos, resultaria numa enorme contradição. Com efeito, a sociedade não teria nenhuma confiança num sistema punitivo de proteção da sua ordem valorativa, ele próprio incorrigível, porque vergado perante um caso concreto postergando os interesses coletivos.

10- As exigências de prevenção geral são também determinantes na fixação da medida concreta da pena, para aquietação da comunidade e afirmação de valores essenciais afetados por comportamentos que, antes e para além de causarem efetivos danos, são aptos a colocar em perigo bens jurídicos essenciais, como sejam a segurança rodoviária e indiretamente bens pessoais, como seja a vida, de indiscutível valor supremo e a pena fixada não satisfaz de qualquer forma tais exigências e, se assim não for, a pena desacredita os tribunais e a própria justiça, gerando um sentimento de insegurança, de inutilidade e de impunidade.

11- As exigências de prevenção geral positiva ou de integração são elevadas porquanto qualquer taxa de alcoolemia, igual ou superior ao valor legalmente fixado, potencia manifesto perigo para a eclosão de acidentes de viação, com as trágicas consequências, nos planos psicológico e material, de todos bem conhecidas, para mais uma taxa tão elevada.

12- Na verdade, a condução sob o efeito do álcool é consensualmente tida como um fator de agravamento dos riscos inerentes à atividade da condução e como um dos mais determinantes agentes de produção de acidentes de trânsito, na medida em que a ingestão excessiva de álcool determina a perda dos reflexos indispensáveis para uma adequada condução automóvel e a diminuição da acuidade visual e capacidade de concentração.

13- O Tribunal a quo justificou a aplicação da pena multa, em síntese, na confissão dos factos, sendo que esta, a nosso ver, terá uma valoração diminuta porquanto não foi decisiva para a descoberta da verdade (posto que, detido em flagrante delito, a prova dos factos facilmente seria alcançada pela valoração do depoimento dos agentes policias intervenientes na operação de fiscalização bem como pela prova pericial efectuada - exame.) e no facto de o arguido estar social, profissional e familiarmente integrado, aplicando-lhe, pela terceira vez pela prática do mesmo crime, uma pena de multa e inferior ao seu montante máximo.

14- Sendo certo que, por outro lado: - o ilícito assume gravidade média, atento o nível de alcoolemia apresentado pelo arguido (1,74 g/1, a que corresponde, após dedução do erro máximo admissível, o valor apurado de 1,601 g/l.); - o arguido conduzia durante a noite/madrugada, o que, por força dos efeitos inibidores do sono, potencia o perigo para com a integridade física e bens patrimoniais de terceiros; - tem reiterado no ilícito sem que as condenações anteriores – ainda que transitadas nos anos de 2012 e 2015- o tenham consciencializado do desvalor da sua conduta e, sem que por isso, tenha optado pelo comportamento lícito que se lhe impunha; - a intensidade do dolo apresenta-se na forma mais elevada: dolo direto; - a inexistência de motivo relevante que tenha determinado o arguido a conduzir, da forma como o fez, indiferente aos riscos que determinaria para todos quantos com ele se cruzassem ou circulassem na rua; - o grau de violação dos deveres impostos ao arguido, que revela propensão para delinquir – já sofreu duas condenações, por decisões já transitadas em julgado, pela prática de crimes de condução de veículo em estado de embriaguez, em 28/11/2012 e 08/07/2015–, e atender ao facto de o arguido estar a conduzir embriagado num país em que todos sabemos que o álcool é uma das maiores fontes de problemas sociais e uma das grandes razões de qualificativa dos inúmeros, e graves, acidentes que ocorrem nas nossas estradas. Sendo que ao arguido condutor impõe-se o dever de cidadania de especial cuidado de conduzir abstinente e sóbrio, nomeadamente no intento de prevenir o aumento do risco de estropiar ou de tirar a vida ao seu semelhante já decorrente da circulação rodoviária: al. f) do n.º2 do art. 71.º - releva por via da culpa.

15- Assim, valorando-se todo o quadro fáctico apurado, atentos os fatores relativos ao critério de individualização da pena de multa, referidos na decisão recorrida, e considerando-se, particularmente, a premente necessidade de comum contenção dos utentes viários na adoção de comportamentos de risco, em razão do elevado grau de incumprimento dos deveres inerentes ao exercício da condução – com efeito nefasto nos elevadíssimos índices de sinistralidade rodoviária – o facto de o arguido ter atuado com dolo de grande intensidade, para situações do género, e o elevado grau de ilicitude, bem como a sua situação sócio-profissional-familiar, considera-se que apenas a condenação do arguido numa pena de prisão é...

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