Acórdão nº 315/14.0T2ILH.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 13 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelCARLOS GIL
Data da Resolução13 de Novembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 315/14.0T2ILH.P1 Sumário do acórdão proferido no processo nº 315/14.0T2ILH.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil: 1. O segurado deve ter um interesse digno de proteção legal relativamente ao risco coberto, sob pena de nulidade do contrato, sendo que no seguro de danos, o interesse respeita à conservação ou à integridade de coisa, direito ou património seguros.

  1. O interesse digno de protecção legal vem a ser aquele que, ainda que pessoal ou subjetivo, e excluindo o que seja irrelevante juridicamente, mesmo que o possa ser do ponto de vista social ou moral, justifica o recurso a meios coercitivos previstos na lei.

  2. O dono de fração autónoma diversa da que é indicada como sendo a que é objeto do contrato de seguro, nenhum interesse tem na celebração do contrato de seguro, já que a cobertura que pudesse daí advir nunca se projetaria na sua esfera jurídica, mas sim na esfera jurídica do titular da fração autónoma segura.

  3. Num circunstancialismo, em que o tomador do seguro, não obstante estar sujeito a um dever de emitir uma proposta conforme à verdade dos factos, faltou ao dever de verdade quanto à titularidade da fração autónoma objeto do contrato de seguro e não tendo a seguradora o dever do verificar a veracidade da declaração emitida, não existe qualquer violação do dever de agir em conformidade com as regras da boa-fé por parte da seguradora e, assim, qualquer abuso do direito na invocação da nulidade do contrato de seguro por força da declaração inverdadeira do tomador do seguro no que respeita ao seu interesse no objeto seguro.

    *** * ***Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:1. Relatório[1]Em 14 de julho de 2014, no então Juízo de Pequena e Média Instância Cível de Ílhavo, Comarca do Baixo Vouga, B… intentou a presente ação de processo comum contra a Companhia de Seguros C…, S.A.

    pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de €14.851,00, deduzida da franquia de €100,00 e acrescido do IVA à taxa em vigor à data da condenação, montante correspondente ao valor necessário para reconstruir o telhado e o teto do prédio em causa na presente ação.

    Para fundamentar a sua pretensão alega que em 19 de dezembro de 2012 celebrou um contrato de seguro com a apólice n.º ………. tendo por objeto um imóvel no seu todo e do qual é presentemente proprietário da fração A, sendo a sua ex-esposa proprietária da fração B, contrato de seguro no qual estavam expressamente previstos os danos provocados por tempestades; que em 19 de Janeiro de 2013, em virtude de uma tempestade com ventos que atingiram os 130 km/h, voaram e partiram centenas de telhas de todas as vertentes do telhado e os tetos de pladur da casa rebentaram e ficaram danificados, danos diretamente decorrentes daquela intempérie e cuja reparação está orçamentada em €14.851,00, a que acresce IVA.

    Citada, a Companhia de Seguros C…, S.A.

    contestou, pugnando pela total improcedência da ação invocando a nulidade do contrato de seguro porquanto o autor, não sendo proprietário da fração correspondente ao 1º andar que foi objeto do contrato, não tinha interesse em segurar; além disso, arguiu a ilegitimidade do autor por não ser proprietário da totalidade dos bens afetados no sinistro; alega ainda que, sendo o telhado parte comum do prédio em propriedade horizontal, o autor apenas pode ser ressarcido do valor correspondente à aplicação da permilagem desta fração na totalidade do prédio sobre o respectivo custo; no que concerne ao sinistro, a ré alega que foram detetadas deficiências estruturais no telhado do prédio em causa que determinaram a ocorrência de infiltrações e que foi causa direta do seu levantamento, pelo que os prejuízos peticionados nos autos não decorreram de qualquer intempérie mas da falta de conservação e manutenção da cobertura do prédio.

    O autor, notificado da contestação da ré e para, querendo, se pronunciar sobre a defesa por exceção deduzida pela ré, respondeu à contestação pugnando pela total improcedência dessa defesa da ré e pela existência de abuso do direito da ré ao invocar a nulidade do contrato de seguro.

    A ré, notificada para, querendo, se pronunciar sobre a exceção de abuso do direito invocada pelo autor na resposta à contestação, pugnou pela sua improcedência.

    Fixou-se o valor da causa no montante de €14.751,00, dispensou-se a realização de audiência prévia, proferiu-se despacho saneador em que se julgou improcedente a exceção de ilegitimidade do autor, identificou-se o objeto do litígio, bem como os temas de prova e admitiram-se as provas requeridas pelas partes, com exceção da inspeção ao local, determinando-se a realização oficiosa de uma perícia.

    O autor requereu a ampliação do pedido, pretensão que foi indeferida.

    A audiência final realizou-se em quatro sessões e em 03 de maio de 2017 foi proferida sentença[2] que terminou com o dispositivo que seguidamente se reproduz na parte pertinente: “Face ao exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, condena-se a Ré Companhia de Seguros C…, S.A. a pagar ao Autor B… a quantia de 3.222,50€ (três mil duzentos e vinte e dois euros e cinquenta cêntimos), IVA não incluído, a que acrescem juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da citação para os termos da presente acção até efectivo e integral pagamento, absolvendo-se a Ré do demais peticionado.

    ” Em 07 de junho de 2017, inconformada com a sentença, Companhia de Seguros C…, S.A.

    interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: “1. A recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal recorrido acerca da matéria de facto julgada provada no ponto 1º dos factos provados da sentença, nem com a decisão de direito proferida pelo Tribunal recorrido, no que tange as excepções invocadas pela recorrente na sua contestação.

  4. A aqui recorrente não se conforma com a decisão acerca da matéria de facto controvertida e julgada provada no ponto 1º dos factos provados da sentença.

  5. De acordo com o teor do facto provado aqui em causa, decorre, ou parece decorrer, que o autor é dono de um imóvel situado na Rua …, .., primeiro andar (daí o 1), …. - …, na ….

  6. Tal como decorre da certidão da Conservatória do Registo Predial de Ílhavo de fls…, junta ao processo com o referido articulado e, bem assim, de acordo com a certidão da Conservatória do Registo Predial de Ílhavo de fls…, junta aos autos pela ré, em requerimento autónomo datado de 09 de Dezembro de 2014, o autor é proprietário da fracção “A” do indicado condomínio, situada no … do prédio da Rua … n.º .., Ílhavo.

  7. Atenta a prova produzida nos autos, nomeadamente aquela decorrente da junção das sobreditas certidões, impõe-se a revogação da decisão acerca da matéria de facto julgada provada no n.º 1 dos factos provados da sentença, e, em sua substituição, deve ser proferida decisão que julgue provado que “O Autor é dono e legítimo possuidor de um imóvel sito na Rua …, .., …, …. - … …, descrito como fracção autónoma “A”, destinado a comércio, imóvel inscrito na matriz urbana da freguesia da … sob o art. 5875 e descrito na Conservatória do Registo Predial de ílhavo sob o n.º 7595/200 11114-A, com permilagem de 500/1000”.

  8. Entende a sentença em mérito ter a aqui recorrente actuado com abuso de direito, ao invocar a nulidade do contrato de seguro após a ocorrência do sinistro, com base na falta de interesse do autor em contratar, por não ser o titular do interesse que o invocado contrato visava acautelar.

  9. Com o que não se concorda.

  10. O contrato de seguro multirrisco em análise engloba, na sua cobertura, quer a fracção autónoma “B”, ou seja, aquela situada no primeiro andar do prédio localizado na Rua … n.º .., …. - …, na …, quer a permilagem desta fracção nas partes comuns do referido prédio constituído em propriedade horizontal.

  11. A cobertura do contrato de seguro ora em apreço garantia os danos verificados na fracção autónoma “B” e, bem assim, os danos verificados nas partes comuns do imóvel onde a referida fracção se insere, na permilagem afecta a esta fracção autónoma e da responsabilidade do respectivo proprietário, tal como decorre da definição de IMÓVEL SEGURO constante da al. I) da Cláusula 1ª das Condições Gerais da Apólice de Seguro “Multirrisco C… Casa”, que aqui se dá por reproduzido, e de acordo com o n.º 1 do artigo 47º do DL 72/2008, de 16/04.

  12. O presente contrato de seguro não garantia a responsabilidade do autor, enquanto proprietário da fracção “A” do referido condomínio, nos danos que viessem a ocorrer nas partes comuns do prédio em que tal fracção se mostra inserida e de acordo com a respectiva permilagem, posto que dela não era proprietário 11. Ao contrário do que refere a sentença aqui posta em crise, o autor nem mesmo de forma lateral tem, ou eventualmente terá, qualquer interesse, seja ele directo ou indirecto, relativamente ao risco coberto pelo contrato de seguro invocado na petição inicial.

  13. Podia dar-se o caso de estarmos perante um lapso, ou de um erro do autor, ocorrido aquando do preenchimento da proposta que deu origem ao contrato de seguro invocado no petitório, cuja relevância, depois de invocado, se teria de ajuizar nos presentes autos.

  14. Porém, foi o próprio autor quem afastou essa possibilidade, quando, ao responder às excepções deduzidas pela ré na sua contestação, nada disse a esse respeito, pugnando apenas pela validade do contrato de seguro aduzindo ter “legitimidade para celebrar um contrato de seguro que abranja todo o imóvel” (???).

  15. Ora, não consta dos autos que o contrato de seguro aqui em apreço dissesse respeito a todo imóvel, facto aliás julgado não provado, nem que o autor houvesse...

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