Acórdão nº 255/12.8TBSTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 27 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelJORGE SEABRA
Data da Resolução27 de Novembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 255/12.8TBSTS.P1 - Apelação Origem: Póvoa do Varzim – Juízo Central Cível da Póvoa Varzim – J2 Relator: Des.

Jorge Seabra 1º Adjunto Des.

Maria de Fátima Andrade 2º Adjunto Des.

Oliveira Abreu* *Sumário: I. A reapreciação da prova pela Relação tem a mesma amplitude dos poderes da 1.ª instância e visa garantir um segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto impugnada, sendo de manter sempre que se mostre apreciada em conformidade com os princípios e as regras do direito probatório.

  1. De acordo com a teoria da causalidade adequada para que exista nexo de causalidade entre o facto e o dano é necessário que, em abstracto, isto é segundo as regras da experiência e do curso normal das coisas, o facto seja apto a produzir o dano.

  2. A inactivação de um sistema de alarme e vigilância remota de um determinado edifício é, em abstracto, segundo o curso normal das coisas, apta a causar um assalto não detectado a esse edifício e a consentir, assim, aos assaltantes a apropriação dos bens ali existentes.

  3. Deveres acessórios de conduta, são os que, não respeitando directamente, nem à perfeição, nem à correcta realização da prestação principal, interessam todavia ao regular desenvolvimento da relação obrigacional, nos termos em que ela deve processar-se entre os contraentes que agem honestamente e de boa-fé nas suas relações recíprocas.

  4. Não constitui violação de tais deveres acessórios de conduta, o facto de o cliente da empresa de segurança não ter comunicado a esta última a sua ausência em férias, não ter promovido a vigilância física do edifício onde veio a ocorrer o assalto ou, ainda, não ter revelado a esta os bens móveis que ali mantinha num cofre-forte, quando a obrigação principal da empresa de segurança é precisamente manter activado, na ausência do cliente, um sistema de vigilância e detecção de intrusão de estranhos no edifício e foi a desactivação negligente desse sistema que deu causa à intrusão não detectada e subsequente assalto.

  5. A mera circunstância de ser controvertido o valor da obrigação – por força de desacordo ou divergência relativamente à verificação ou interpretação de determinados factos ou circunstâncias – não é bastante para conferir à obrigação um carácter ilíquido.

  6. Se a indefinição do valor da obrigação resultar apenas da circunstância de as partes não estarem de acordo quanto à existência do crédito e do seu montante pecuniário, quantitativamente definido na petição inicial pelo credor, não estamos perante uma obrigação ilíquida, ainda que os factos atinentes ao apuramento do crédito e do seu montante careçam, não só de ulterior instrução e prova, mas ainda de oportuno pronunciamento e fixação na sentença a proferir.

  7. Em tais circunstâncias, os juros de mora serão devidos a partir da citação do devedor e não apenas a partir da data da sentença.

    * *Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto: I. RELATÓRIO: 1.

    B... – Companhia de Seguros, S.A.

    veio propor a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra C... – Companhia de Seguros, S.A.

    , pedindo a condenação desta a pagar-lhe € 193.304,55, acrescidos de juros vencidos, cifrados em €5.386,03, e juros vincendos contados à taxa legal, desde a citação até integral cumprimento.

    Para tanto alegou ter indemnizado D... e E... pela reparação de danos causados na sua habitação e pelo valor de diversos bens que lhes foram subtraídos por furto com arrombamento ocorrido na sua residência, em cumprimento de um contrato de seguro celebrado com estes.

    Os segurados tinham celebrado com “F..., S.A. “, actualmente denominada “G..., S.A. “, um contrato de prestação de serviços de segurança e vigilância à sua habitação, nomeadamente para monitorização do sistema de alarme. Tal sociedade incumpriu tal contrato, o que foi causa do furto ocorrido e dos consequentes prejuízos.

    A ré assumiu a responsabilidade contratual de “G...“ assim configurada mediante contrato de seguro.

    1. Contestou a ré excepcionando culpa dos lesados na ocorrência do furto e ainda a redução equitativa da indemnização peticionada. No mais, impugnou diversa factualidade e conclusões de direito e concluiu pela improcedência da acção.

    2. Replicou a autora, impugnando as excepções deduzidas.

    3. Foi determinada a apensação aos presentes, para julgamento conjunto, do autos de acção declarativa com processo ordinário que corriam termos sob o n.º 275/12.2TBSTS, ora em apenso com o n.º 255/12.8TBSTS-A.

    4. Foi realizada audiência prévia, proferido despacho saneador, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova.

    5. Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, com observância de todas as formalidades legais, sendo proferida sentença que julgou parcialmente procedente a causa e condenou a ré a pagar à autora a quantia de € 193.304,55, acrescidos de juros vincendos contados desde a data da sentença, à taxa legal para obrigações civis, até integral pagamento.

    *7.

    Inconformada com o decidido, veio a ré interpor recurso, deduzindo as seguintes CONCLUSÕES 1ª. Pelas razões referidas nos pontos 4.1 a 4.4 desta alegação, aqui dadas como reproduzidas, deve eliminar-se a matéria do item d) da matéria de facto dada como provada (de que No dia 29 de Dezembro de 2009 desconhecidos…) e substituir-se por outra em que se diga simplesmente que “Em data desconhecida entre 22 (ou 24) e 29 de Dezembro de 2009, desconhecidos… e daí retiraram e levaram consigo objectos de ouro e prata e relógios diversos”; 2ª. Pelas razões referidas nos mesmos pontos desta alegação, em especial nos seus ponto 4.4 e 5.6, aqui dadas como reproduzidas, deve ser alterada a alínea f) da matéria dada como provada, no sentido de que “ tais desconhecidos retiraram e levaram consigo objectos de ouro, prata, jóias e relógios no valor global apurado de 213.302,49€ (fls. 537 do vol. III)”.

    3ª. Os depoimentos testemunhais invocados na douta sentença (supra referidos em 4-C-a-bc) são inócuos, porquanto as pessoas referidas nem sequer conheciam a caixa forte e os objectos porventura nela guardados na data do alegado furto, sabendo apenas que os autores tinham muitos objectos de ouro, relógios e jóias que guardavam em dois cofres, um dos quais foi encontrado fechado pela GNR, e cujos valores ignoravam; 4ª. Pelas razões referidas em 5.2, 5.3 e 5.4, aqui dadas como reproduzidas, deve eliminar-se a parte conclusiva da parte final da alínea j) da douta sentença, ou seja a afirmação de que “pelo que à altura dos factos (…)”.Com efeito, ignora-se a razão por que o alarme disparou e o operador não conseguiu rearmá-lo (inclusive se por acção dos larápios e); 5ª. Aliás, não poderia imputar-se ao operador o facto de o sistema de alarme ter ficado desactivado por, violando o estabelecido na cláusula 7ª do contrato, o autor D... ter promovido a alteração do sistema de alarme por empresa diversa da G... [alínea l)] e em virtude do que a central de operações da G... deixou de ser automaticamente informada do estado de armado ou desarmado do sistema de alarme (mesma alínea l da douta sentença); 6ª. Contratualmente, a G... estava apena obrigada a avisar telefonicamente as pessoas designadas para o efeito de qualquer anomalia monotorizada na sua central, por sinal de alarme/intrusão recebido do sistema de alarme da habitação dos autores; 7ª. Monotorização e comunicação que ficaram inoperacionais a partir do momento da destruição do sistema de alarme dos autores e, em especial, do momento em que os larápios cortaram a linha telefónica que estabelecida a ligação entre as duas centrais [alíneas e) e h) da matéria de facto dada como provada]. Aliás, o operador tentou essa comunicação por duas vezes, sem sucesso. Tal como a testemunha H.... Dentro das suas possibilidades, a G... cumpriu as suas obrigações contratuais, sendo certo que, contrato o estabelecido nas cláusulas 6ª e 7ª, os autores incumbiram outra empresa da manutenção e alteração do sistema de alarme.

    8ª. Ainda que o sistema de alarme tivesse ficado activado, a sua destruição pelos larápios conforme referido na alínea e) da matéria de facto dada como provada tê-lo-ia tornado inoperacional e não impediria a consumação do furto, pelo que não existe nexo de causalidade entre o facto de o alarme não ter sido reactivado e o furto; 9ª. Do mesmo modo, a G... não pode ser responsabilizada pelo facto de o seu operador não ter reactivado o sistema, por, em virtude das alterações ocorridas em Setembro de 2009, ter deixado de ser automaticamente informada do estado de armado ou desarmado do sistema de alarme dos autores [alínea l) da matéria de facto dada como provada].

    10º. No termos do referido no ponto 4.2, 4.4C e 5.8, aqui dado como reproduzido, deve eliminar-se a 2ª parte da alínea f) da matéria de facto dada como provada, por ninguém ter alegado o título de aquisição dos bens furtados, nomeadamente se por usucapião, e ninguém se ter pronunciado sobre isso e a prova documental que se fez ter sido no sentido de que esses bens não foram adquiridos pelo Eng.º D... e mulher.

    11ª. Por força dos deveres acessórios de conduta, cumpria ao segurado da autora B... e autores na acção apensa informar a G... da sua ausência prolongada da sua habitação (para que ela dobrasse de atenção a quaisquer sinais suspeitos), de deixar alguém a vigiar a sua habitação (com um tão valioso recheio) e de se absterem de actos que denunciassem a terceiros a sua ausência de casa, como, por falta de aviso, o padeiro ter continuado a deixar-lhes o pão à porta.

    12ª. Ignorando-se em que momento foi praticado o furto, ou seja se antes, no momento ou depois da inutilização do alarme, não pode dar-se como provado que isso aconteceu por o alarme estar desactivado [ou seja a parte final da alínea j) da matéria de facto dada como 3.

    13ª. Não deve considerar-se, para efeito do seguro, como “recheio geral de uma habitação” (ut apólice da B... a fls 473, 475, 477, 479, 481, 483, 485, 487 e 489), um tão valioso património em ouro, jóias e relógios não discriminados, guardados...

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