Acórdão nº 236/14.7T8PRT.P2 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 28 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA CEC
Data da Resolução28 de Novembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo 236/14.7T8PRT Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia - Juiz 1 Acórdão Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I. RELATÓRIOB…, casada, residente na Travessa …., n.º …, em …, Vila Nova de Gaia, instaurou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra C…, com sede na Rua …, n.º …/…, em Lisboa, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de €51.500,00, bem como os juros de mora sobre tal quantia, já vencidos no montante de €4.166,60 e vincendos até efetivo e integral pagamento. Alegou, para tanto e em síntese, que a Ré lhe retirou de uma sua conta de depósito títulos no valor de €51.500,00, contra a sua vontade e sem o seu conhecimento.

Contestou a Ré aduzindo, em síntese, que a Autora obteve o depósito de tais títulos com fundamento numa procuração de um cotitular de uma outra conta de depósito e que, após a sua constatação da ausência de intervenção de outro cotitular da conta de depósito, “retificou” o erro que cometeu, consubstanciado no facto de ter aceitado uma procuração emitida por apenas um dos cotitulares.

Realizada tentativa de conciliação e reputando que os autos continham todos os elementos imprescindíveis à decisão de mérito, foram as partes convidadas a oferecer alegações, mas apenas a Autora alegou de direito.

Proferida sentença, que julgou a ação procedente e condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de €51.500,00, acrescida dos juros moratórios, calculados à taxa legal, contados desde 25 de maio de 2010, interpôs a Ré interpôs recurso da sentença, o que ditou a sua anulação, ordenando a prolação de despacho pré-saneador, convidando a Autora a aperfeiçoar a petição e seguindo-se os adequados trâmites da lei processual civil.

No cumprimento do decidido no acórdão deste Tribunal da Relação, foi proferido despacho a convidar a Autora a aperfeiçoar a petição inicial, o que fez, com a subsequente resposta da Ré.

Realizada a audiência prévia com definição do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova, foi realizada a audiência de discussão e julgamento, com observância de todas as formalidades legais e pronunciada sentença com o seguinte dispositivo: «Em face do exposto, julgo a presente acção procedente e, em consequência, condeno a Ré “C…” a pagar à Autora B… a quantia de €51.500,00 (cinquenta e um mil e quinhentos euros), acrescida dos juros moratórios, calculados à taxa legal, contados desde 25 de Maio de 2010 e até efectivo e integral pagamento».

De novo irresignada, a Ré apelou da sentença com as seguintes conclusões alegatórias: «1- A faculdade de qualquer dos co-titulares (ou autorizados por estes) do depósito solidário poder, sem a autorização dos demais, levantar a totalidade da quantia depositada, exprime um regime de solidariedade activa; 2- Esta possibilidade, ou faculdade, reconduz-nos ao problema que se discute nos presentes autos, qual seja, o de saber se um desses co-titulares pode, por si só, outorgar procuração em favor de terceiro, por via da qual confira a este poderes para a livre movimentação da conta; 3- Salvo o devido respeito por opinião contrária, é entendimento da recorrente que a resposta a uma tal questão terá de ser necessariamente negativa. Com efeito, 4- Apesar de numa visão simplista nada parecer obstar a tal outorga, até porque cada um dos co-titulares se encontra numa privilegiada situação de liberdade que lhe permite movimentar isoladamente todos os montantes aí depositados, mesmo os depositados por outros, que não ele; 5- A verdade é que, precisamente em razão dessa faculdade, desse privilégio, a resposta terá necessariamente de ser negativa; 6- Com efeito, ao acordarem na abertura de uma conta com estas características de movimentação, cada um dos co-titulares aceita tacitamente uma ilimitada liberdade recíproca, através da qual se sujeitam ao arbítrio de todos os demais; 7- Vale isto dizer que, o direito de cada um está, deste modo, sujeito a uma condição meramente potestativa: levantarei, ou levantarás, quando e quanto o quiser, ou quiseres; 8- Ponderada que seja esta liberdade “ilimitada”, justifica-se a seguinte pergunta: “poderá qualquer um dos co-titulares, de per se, transferir essa liberdade para terceiro?”; “dar-lhe-á esse direito a alegada mútua aceitação da condição meramente potestativa?”; 9- Considera a recorrente que não, fundamentando-se essa sua convicção na compreensão, ou se preferirmos, na apreensão, da mecânica da solidariedade activa.

Senão vejamos: 10- Um dos traços que marca a solidariedade activa (traço essencial, há que dize-lo) é a existência do que a doutrina costuma denominar de mandato recíproco entre os credores, ou de um vínculo de mútua representação; 11- Vínculo que assenta na circunstância de cada credor agir em representação de todos os outros, embora também o faça em nome próprio; 12- Para que esse vínculo (ou esse mandato recíproco) exista e, em consequência, possa existir solidariedade activa voluntária, será essencial que lhe anteceda uma confiança mútua, pois que cada credor (cada co-titular) sabe que o seu direito de crédito está pendente de uma condição potestativa, mas aceita tal contingência em razão da confiança que deposita nos demais; 13- Fá-lo ciente do risco que assume. Do risco de um outro, porque menos consciencioso, mas mais lesto, venha a tornar-se proprietário da totalidade de quantia depositada.

14- O mandato recíproco assenta, pois, na confiança, pelo que esta justifica a solidariedade; 15- Acresce que, o mandato conferido não é apenas recíproco. Ele é também exclusivo e de objecto definido; 16- De objecto definido, na medida em que apenas poderá ser utilizado para efeito de movimentação da conta. Exclusivo pois que o facto de A confiar em B não significa que confie em quem B venha a constituir como seu mandatário; 17- Em tese, A pode até mesmo ter todas as razões para não confiar nesse mandatário, pelo que a aceitação da tese vertida na douta sentença a quo representaria nesse caso violação das mais elementares regras que regulam a autonomia da vontade, pelo que e, 18- Em suma, assentando o traço característico da solidariedade activa no vínculo da mútua representação e ancorando-se esta no requisito da mútua confiança, não se mostrará legítimo que o co-titular de uma conta solidária por si só, sem a intervenção dos demais co-titulares, possa conferir a terceiros poderes para a livre movimentação dessa conta; 19- Como de igual forma e pela mesma ordem de razões, não será legítimo que apenas um desses co-titulares possa nomear autorizado sem o agrément dos demais. Ao que acresce que: 20- De igual modo, com respaldo no requisito da confiança, também a doutrina que sobre esta matéria se debruça nega a possibilidade de um co-titular poder conferir mandato a um terceiro sem o acordo dos demais -, vide por todos Paula Ponces Camacho, in “Do Contrato de Depósito Bancário”;Sem prescindir,21- A conta solidária assume-se como uma modalidade de carácter excepcional dom depósito plural, sendo certo que a modalidade regra é a de depósito conjunto; 22- Como já reiteradamente alegado, a abertura de um depósito solidário assenta na confiança mútua dos seus titulares, sem a qual o regime (de excepção) da solidariedade não poderá subsistir; 23- Mas, tal como qualquer outra conta de depósito, seja ela singular ou plural, ela firma, antes do mais, numa relação de confiança entre os titulares (depositantes) e o seu banco; 24- Até porque sobre este impendem obrigações genéricas, destas se destacando, as relativas à lealdade e respeito consciencioso dos interesses dos seus clientes; 25- A par de lhe ser vedado violar as fundadas expectativas e os legítimos interesses dos seus clientes; 26- Conforme já exaustivamente referido, a cláusula de solidariedade assenta na confiança mútua dos titulares, sem a qual o regime (de excepção) da solidariedade não poderá subsistir; 27- No caso vertente essa múltipla confiança foi posta em causa a partir do momento...

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