Acórdão nº 3077/17.6T8VNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 14 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelLINA BAPTISTA
Data da Resolução14 de Novembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 3077/17.6T8VNG.P1 Comarca: [Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia (J1); Comarca do Porto] Relatora: Lina Castro Baptista Adjunto: Fernando Samões Adjunto: Vieira e Cunha Sumário I - Os procedimentos cautelares conservatórios ou antecipatórios visam obstar ao prejuízo grave decorrente do retardamento na satisfação de um direito ameaçado.

II - O contrato de emissão de crédito documentário é um contrato atípico, assente numa relação triangular, que envolve o credor e o devedor, como titulares do contrato-base, e o banco ao qual o devedor solicita, na fase de negociação do contrato-base, o pagamento ao credor, mediante a mera apresentação de documentos por parte deste.

III - Nos casos típicos de compra e venda internacional a estipulação de um crédito documentário irrevogável, sujeito a um regime legal de autonomia face ao negócio-base, justifica-se plenamente, tendo em conta que que o mesmo assumirá uma dupla função de meio de pagamento e de garantia de tal pagamento.

IV – Esta autonomia do crédito documentário face ao negócio-base obsta a que o comprador possa, com base em alegação de cumprimento defeituoso, invocar a exceptio non adimpleti contractus e, com este fundamento, obter a suspensão do pagamento do crédito documentário, mediante notificação dirigida ao Banco emissor.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto I - RELATÓRIO “B..., LDA.”, sociedade com sede na Rua ..., n.º ..., ..., Vila Nova de Gaia, instaurou o presente procedimento cautelar comum contra “C..., LTD”, sociedade com sede em ..., ..., ..., e “BANCO D..., S.A.”, sociedade com sede na Rua ..., n.º ..., Porto, pedindo que se ordenasse à 2º Requerida o não pagamento do crédito documentário contratado por si até ao montante de USD 52.455,00 (CDI ........ de 29/08/2016) com o valor de USD 51.362,08, correspondendo a € 48.157,22, de que é beneficiária a 1ª Requerida, mediante notificação da respetiva decisão a proferir no âmbito desta providência.

Alega, em síntese, que, em 18 de agosto de 2016, acordou com a 1ª Requerida comprar-lhe uma quantidade aproximada de 70.000 metros de tecido, no valor de USD 52.455,00, a pagar, a pagar no prazo de 120 dias a partir do conhecimento do embarque, mediante carta de crédito livremente negociável com qualquer banco de ....

Expõe que, em 20 de agosto de 2016, a 2ª Requerida emitiu a carta de crédito, de onde resulta ser o crédito documentário irrevogável; o pagamento dever ocorrer 120 dias a partir da expedição e da data do conhecimento do embarque; ser a beneficiária a aqui 1ª Requerida; as quantidades e os preços unitários dos tecidos a adquirir; como última data de envio o dia 18 de outubro de 2016 e a sua disponibilização em qualquer banco no Paquistão, mediante a apresentação de documentos.

Afirma que a 1ª Requerida fez embarcar a mercadoria em dezembro de 2016, com alterações, acordada entre ambas, quanto aos tecidos fornecidos e ao preço da mercadoria, que ficou alterado para USD 51.362,08.

Diz que, quando as mercadorias lhe foram entregues em 09 de fevereiro de 2017, verificou que os tecidos não se encontravam conformes às amostras determinantes da sua aquisição, evidenciando diferentes tonalidades da cor entre rolos, diferentes toques entre rolos, fio de trama irregular e encolhimento de cerca de 6 % à largura. Bem como que deu conta destes defeitos à 1ª Requerida em 09 de março de 2017.

Alega que os tecidos em causa se destinavam a ser utilizados em forros de casacos e calças, mas que, em face dos defeitos que evidenciam, não lhes pode dar esse destino ou qualquer outro no âmbito da sua actividade de produção de acessórios para a indústria de vestuário.

Declara ter contactado a 2ª Requerida, que lhe comunicou não aceitar da sua parte qualquer revogação da ordem de pagamento.

Alega complementarmente que, se a 2ª Requerida realizar o pagamento, perderá o valor do fornecimento, com imprevisibilidade da cobrança do crédito respetivo no Paquistão e com a possível consequente impossibilidade de ter meios para assegurar os pagamentos correntes da sua empresa, designadamente com salários e impostos.

Dispensou-se a citação prévia das Requeridas e procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas.

Proferiu-se decisão, com a seguinte parte final decisória: “Face ao exposto e ao abrigo das disposições legais citadas, ordena-se ao Banco D...,SA, com sede na Rua ..., ..., ....-..., Porto, a suspensão do pagamento do crédito documentário contratado pela requerente até ao montante de USD 52.455,00 (CDI ........ de 28/08/2016) com o valor de USD 51.362,08, de que é beneficiária “C..., Ltd”, até ao trânsito em julgado de decisão final a instaurar contra a requerida para fixação dos direitos da requerente relativamente ao fornecimento dos materiais aqui em causa.” As Requeridas foram notificadas nos termos legais.

Inconformada com esta decisão, a 1ª Requerida recorreu, terminando com as seguintes Conclusões: I. Na carta de crédito documentário nasce uma obrigação autónoma e independente, com as características de abstração e literalidade, que o banco deve cumprir, independentemente do incumprimento defeituoso do contrato base.

  1. Foi apenas com base em eventual cumprimento defeituoso e eventuais prejuízos daí resultantes que foi requerida a presente providência cautelar, não tendo a Recorrida sequer alegado que o incumprimento defeituoso por si exposto representasse fraude, pelo que sempre teria ficado por provar o respetivo elemento psicológico e que se traduz na intenção de enganar a contraparte.

  2. Apenas se pode requerer e o Tribunal deferir uma providência cautelar deste teor, se se alegar e provar manifesta fraude ou abuso evidente e já não nos casos de mero cumprimento defeituoso.

  3. O cumprimento defeituoso dum contrato de compra e venda não configura o conceito de fraude ou abuso evidente, pelo que não se verificam os pressupostos legais da providência requerida nestes autos.

  4. No caso dos autos, à Requerente não assiste o direito de invocar a exceção de não cumprimento do contrato.

  5. O justo receio fundamento da presente providência tem de ser apoiado em factos que permitam afirmar, com objetividade e distanciamento, a seriedade e atualidade da ameaça e a necessidade de serem adotadas medidas tendentes a evitar o prejuízo.

  6. A douta sentença de que se recorre não deu como provado qualquer facto que demonstre o fundado receio da Recorrida de que a demora na resolução do pleito lhe traga prejuízo irreparável.

  7. Ponderada a factualidade alegada e provada, designadamente a falta de prova da necessidade da medida cautelar para prevenir riscos atinentes à demora no processamento da ação principal, a pretensão da Requerente não se ajusta à situação de "periculum in mora" necessária à proteção antecipada do aparente direito (de...

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