Acórdão nº 674/14.5TBVCD.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 03 de Julho de 2017

Magistrado ResponsávelCARLOS GIL
Data da Resolução03 de Julho de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Sumário do acórdão proferido no processo nº 674/14.5TBVCD.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil: 1. Pretendendo o recorrente provar, com base exclusivamente em prova pessoal, um facto contrário ao que resulta de um documento com força probatória plena, com total atropelo das exigências legais relativas à forma do negócio e ainda também das regras relativas à vinculação das sociedades comerciais (veja-se o artigo 260º, nº 4, do Código das Sociedades Comerciais), deve indeferir-se a reapreciação desse segmento da decisão da matéria de facto, com base nessa prova.

  1. Não questionando o recorrente o acordo das partes relativamente a certa matéria, nem resultando a existência de erro do tribunal recorrido quanto à ocorrência desse acordo, é de indeferir a reapreciação com base em prova pessoal desse segmento de facto plenamente provado com base no acordo das partes.

  2. Excetuando o caso da verificação de nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia (artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil), da existência de questão de conhecimento oficioso, da alteração do pedido, em segunda instância, por acordo das partes (artigo 264º do Código de Processo Civil) ou da mera qualificação jurídica diversa da factualidade articulada, os recursos destinam-se à reponderação de questões que hajam sido colocadas e apreciadas pelo tribunal recorrido, não se destinando ao conhecimento de questões novas.

  3. A admissão pelos réus na contestação de factos em contradição com a prova documental legalmente necessária para a comprovação da existência e validade de certo contrato, é inoperante, por força do disposto no nº 2, do artigo 574º, do Código de Processo Civil.

    *** Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto: 1. Relatório[1] Em 26 de março de 2014, no então Tribunal Judicial da Comarca de Vila do Conde[2], B...

    e mulher C...

    , intentaram a presente ação declarativa sob forma comum contra D...

    e mulher E...

    pedindo que, julgada procedente por provada a presente ação, sejam consequentemente, os réus condenados a: a) transferir para os autores a titularidade e posse livre de ónus ou encargos o apartamento T2, de gaveto, com frente para sul e nascente e com lugar de garagem na cave, que constitui a fração autónoma identificada com a letra “I” do prédio constituído em propriedade horizontal sito na Rua ..., ..., ..., ... em ..., Vila do Conde, descrita na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o nº 859-I e inscrita na matriz urbana sob o artigo 1134º-I de ...; b) pagar aos autores a quantia de trezentos e cinquenta euros mensais contados a partir da citação, a título de indemnização pelos danos causados pelo não cumprimento do contrato e até entrega; ou, em alternativa: c) proceder ao pagamento aos autores da quantia de noventa mil euros, acrescida de juros desde a citação e até integral pagamento.

    Para tanto, e em síntese, alegaram que por contrato-promessa de compra e venda outorgado em 15/11/1999, obrigaram-se a transmitir aos réus e estes a adquirir, por si ou por pessoa a indicar, um prédio destinado a construção, tendo verbalmente acordado que o preço seria pago, uma parte em dinheiro (20.000.000$00, vinte mil contos, ora correspondentes a cerca de 100.000€) e outra parte através da entrega de um apartamento a construir no prédio prometido, que foi dado aos autores escolher, tendo ficado acordado ser um apartamento do tipo T2, ao nível do segundo andar, de gaveto e com lugar de garagem, tendo os autores recebido dos réus dez milhões de escudos de sinal e sendo os restantes dez milhões de escudos do preço em dinheiro pagos faseadamente.

    Atenta a natureza mista do preço acordado, não chegaram a fixar o preço total do negócio, que apenas constou do contrato-promessa para facilitar ao réu marido a sua redação.

    Entretanto, em 28/12/2007, por escritura pública, os autores, a pedido dos réus, declararam vender à sociedade comercial do casal dos réus denominada “F..., Lda.” o prédio cuja venda haviam prometido, tudo sendo organizado pelo réu marido em quem o autor plenamente confiava, sendo nessa data acordado que depois de construído o prédio, lhes seria de imediato transmitido por estes o dito apartamento.

    Os autores confiaram na palavra dos réus e aguardaram que o prédio fosse construído, para depois lhes ser entregue por aqueles a fração prometida, por conta do preço em falta.

    O prédio veio, entretanto, a ser construído por outra empresa, tendo os réus informado os autores que o apartamento estava pronto para lhes ser entregue, o que, até hoje, e, não obstante as várias interpelações feitas pelos autores, ainda não ocorreu.

    Um apartamento com a tipologia e localização em causa, numa zona de praia como a de ..., ascende no mercado imobiliário a valor nunca inferior a noventa mil euros, sendo que, se o mesmo fosse dado de arrendamento, renderia aos autores renda mensal não inferior a trezentos e cinquenta euros.

    Citados, após duas suspensões da instância por acordo das partes, os réus contestaram, suscitando a sua ilegitimidade para serem demandados na presente ação, dado que a sua posição contratual foi transmitida à sociedade F... Lda., cuja intervenção requerem, nada mais podendo ser exigido aos réus por conta do contrato-promessa em causa nos autos, além de que, celebrada escritura definitiva esgotou-se o objeto daquele contrato-promessa.

    Mais alegam que nunca acordaram na transmissão de qualquer apartamento, sendo que, a existir tal obrigação, a mesma competiria à empresa F..., Lda., pedindo ainda a intervenção nos autos da sociedade construtora do prédio em causa, a G..., Lda., que é quem se encontra na posse do dito apartamento.

    Depois de notificados para tanto, os autores pronunciaram-se sobre a exceção dilatória de ilegitimidade passiva suscitada pelos réus e opuseram-se ao deferimento dos incidentes de intervenção principal provocada requeridos pelos réus.

    Os incidentes de intervenção principal provocada requeridos pelos réus foram indeferidos.

    Posteriormente, dispensou-se a realização de audiência prévia, fixou-se o valor da causa no montante de noventa mil euros, proferiu-se despacho saneador, julgando-se improcedente a exceção de ilegitimidade passiva arguida pelos réus, identificou-se o objeto do litígio, indicaram-se os factos já assentes, organizaram-se os temas de prova, admitiram-se os meios de prova oferecidos pelas partes e designou-se dia para realização da audiência final.

    Após duas suspensões da instância por acordo das partes, realizou-se a audiência final, numa sessão e, em 09 de novembro de 2016, foi proferida sentença[3] que terminou com o seguinte dispositivo, que se reproduz na parte pertinente: “A-) Absolve a ré mulher, E..., do pedido formulado nos autos; B-) Condena o réu marido, D..., a pagar aos autores a quantia de 90.000,00€, acrescida de juros desde a citação e até integral pagamento.

    ” Em 09 de Janeiro de 2017, inconformado com a sentença, D...

    interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: “1.º - o Tribunal a quo, não se pronunciou sobre questões que devesse apreciar, nomeadamente no que concerne à ocorrência de um contrato de cessão de posição contratual entre o Réu marido e a sociedade da qual é sócio gerente “F..., Lda”; 2.º - Razões pelas quais deverá o Tribunal ad quem declarar nula a Sentença proferida pelo Tribunal a quo, conforme previsto no art.º 607, n.º 4 e na al. c) do n.º 1 do art.º 615 do Código de Processo Civil, que expressamente se invoca para todos os devidos efeitos legais; 3.º - o Tribunal a quo incorreu em erro, ao dar como provado os pontos 1.º a 4.º e 7.º a 11.º, constantes na douta sentença recorrida, sob a epígrafe “Fundamentação de Facto”; 4.º - face ao que se pode depreender com a audição das gravações da audiência de julgamento, prova documental e declarações de parte, bem como de outras provas carreadas para o processo, deveria ter sido outra a fundamentação de facto e sua motivação, já que existem provas suficientes para criar no Tribunal a convicção necessária e exigida para concluir no sentido que de seguida se irá expor; 5.º - o Tribunal a quo valoriza erroneamente os depoimentos de várias testemunhas, mormente as que são familiares directos dos Autores (a saber, H... e I...), pois a forma pouco espontânea de depor por parte daquelas testemunhas demonstra, claramente, a falta de credibilidade e isenção das mesmas, além de que as mesmas são pessoas cujo interesse no desfecho da lide é elevado, já que se encontram familiarmente ligadas aos Autores, em conflito de interesses entre a verdade e clareza e as conveniências pessoais e familiares; 6.º - No contrato promessa junto aos autos, muito embora não conste a qualidade em que o Réu marido interveio, o certo é que o mesmo outorgou enquanto representante da sociedade “F..., Lda.”, tudo conforme se verificou dos depoimentos das Testemunhas J... e K... (Sócio-Gerente da “G..., Lda”) e das declarações de parte do Réu; 7.º - Tal facto não podiam ignorar os autores, já que a referida Sociedade era conhecida no meio social onde os Autores e Réus residem, conforme depõe, claramente, I..., o Autor B... e o Réu D...; 8.º - sempre se dirá que, no limite, terá existido erro na declaração do Promitente- Comprador, nos termos do artigo 247.º do Código Civil, uma vez que a vontade declarada não corresponda à vontade real do declarante (que era a Sociedade “F..., Lda.”, representada por D...); 9.º - Por estes motivos deverá o facto 1.º dado como provado na Douta Sentença recorrida ser alterado pelo Tribunal ad quem e, por conseguinte, nele fazer consta o seguinte: “1.º Por contrato denominado “contrato promessa de compra e venda e recibo”, outorgado entre as partes em 15/11/1999, os autores (Primeiros Contraentes) obrigaram-se a vender à Sociedade “F..., Lda.”, representada no acto pelo réu marido (Segundo Contraente), casado com a ré...

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