Acórdão nº 1017/16.9T8GDM-B.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 12 de Julho de 2017
Magistrado Responsável | ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA |
Data da Resolução | 12 de Julho de 2017 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Recurso de Apelação Processo n.º 1017/16.9T8GDM-B.P1 [Comarca do Porto/Juízo de Família e Menores de Gondomar] Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório: B..., residente em ..., deduziu incidente de incumprimento das responsabilidades parentais contra C..., residente no Porto.
Para o efeito, alegou que por sentença de 9 de Maio de 2016 foi homologado o acordo do exercício das responsabilidades parentais respeitante ao menor D..., filho da requerente e do requerido, nos termos do qual o menor ficou a residir com a mãe, as responsabilidades parentais a serem exercidas por ambos os progenitores e devendo o pai pagar a pensão de alimentos ao menor no valor mensal de €75,00, não tendo, contudo, o requerido cumprido com esta sua obrigação.
Terminou, requerendo a condenação do requerido a pagar as prestações vencidas e vincendas e que seja ordenada a penhora do vencimento do requerido.
No decurso da tramitação do incidente foi solicitada à Segurança Social, com vista a averiguar da condição de insuficiência económica para atribuição das prestações de alimentos pelo Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores (FGADM), a elaboração de relatório social nos termos do disposto no artigo 9º, nºs 4 e 5, do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio.
A Segurança Social apresentou relatório no qual informa que o menor reside com a requerente mãe, sendo o respectivo agregado familiar composto pelos dois, e que a requerente obtém rendimentos mensais do seu trabalho no valor de €782,48, concluindo que a requerente e o menor têm um rendimento ilíquido per capita de €521,65, pelo que não está reunida a condição de recursos para a prestação social pelo FGADM.
A requerente, notificada do relatório, pronunciou-se contra a conclusão vertida no mesmo, alegando que para a atribuição do FGADM tem que se atender à situação económica do progenitor porque é este que está judicialmente obrigada a prestar alimentos ao menor, violando os direitos constitucionais e o espírito que presidiu à criação do Decreto-Lei n.º 78/98 só atender aos rendimentos da requerente.
Oportunamente foi proferida sobre esta questão a seguinte decisão: «[…] Atento o teor do referido relatório: - o menor reside com um adulto, em agregado familiar cujos rendimentos ascendem a €782,48. - a capitação deste agregado é de €521,65.
Nos termos do artigo 1.º da Lei n.º 75/98 de 19/11, “quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em divida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro, e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao indexante de apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarde se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação”.
De harmonia com o n.º 2 do artigoº 3º do Dec.-Lei n° 164/99 de 13-05, “Entende-se que o alimentando não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao valor do IAS, quando a capitação de rendimentos do agregado familiar não seja superior àquele valor”.
A partir de Dezembro de 2012, por força do da alteração introduzida pelo n.º 1 do art.º 17.º da Lei n.º 64/2012 de 20/12, o valor de referência a considerar para avaliar a capacidade económica do menor e do agregado familiar à guarda de quem se encontra é o valor do indexante dos apoios sociais (IAS) que equivale a 419,22€.
Na situação dos autos, se distribuirmos o rendimento do agregado familiar pelo número de elementos concluímos que o valor da capitação é superior a esse valor do IAS.
Dúvidas não restam, por isso, de que a situação legalmente prevista não encontra acolhimento na previsão do art.°3° n° 1 al. b) do DL n° 164/99, de 13.05, sendo certo que os requisitos previstos nas duas alíneas do preceito são de natureza cumulativa.
Por conseguinte, por não se verificarem os necessários pressupostos legais, impõe-se indeferir ao requerido a fls. 59.».
Do assim decidido, a requerente interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões: 1- […] 2- … entende a recorrente que deve ser atribuída ao seu filho menor a intervenção do FGADM, devendo, atender-se, para o efeito, à situação económica do pai (progenitor obrigado a prestar alimentos) e não, somente, ao rendimento ilíquido auferido pela recorrente mãe. Já que, 3- O espírito legal que subsistiu na instituição do Fundo de garantia de alimentos devidos a menores, gerido pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, foi para assegurar o pagamento das prestações de alimentos em caso de incumprimento da obrigação pelo respectivo devedor.
4- Assim sendo, a pessoa in casu que está judicialmente obrigada a prestar alimentos ao menor é o pai, pelo que, é claramente violador dos direitos constitucionais consagrados, bem como do espírito legal que presidiu à criação do Decreto-Lei n.º 78/98 só atender aos rendimentos da recorrente mãe.
5- Por outro lado, entende a recorrente que antes de ter sido proferido o despacho em apreço, deveriam ter sido ponderadas todas despesas mensais fixas que a recorrente mãe tem a seu cargo e não isoladamente o rendimento ilíquido mensal que esta aufere.
6- É que a requerente mãe tem como despesas fixas mensais, desde logo a renda da habitação onde reside com o menor (€250); água (€19); electricidade (€118); actividades extra curriculares do menor (€60); transportes (aproximadamente €100).
7- Sem esquecer todas as despesas diárias com a alimentação, roupa, calçado, saúde, educação e com ambos os elementos do agregado familiar, sem esquecer que, um deles é menor, com 11 anos de idade, por isso em constante crescimento.
8- Assim, contas feitas a recorrente mãe necessita de despender de todo rendimento que aufere para conseguir fazer face a todas as despesas básicas do seu agregado familiar, tendo ainda, muitas vezes, de se socorrer de ajuda de amigos e familiares.
9- Pelo que, no caso em apreço, e atentos os factos supra mencionados constata-se que a situação económica do agregado familiar, não é de molde a garantir o indispensável ao sustento, habitação, vestuário, instrução e educação do menor.
10- Por outro lado, considerando que o agregado familiar é composto pelo menor e pela sua progenitora, considerando que ao menor deve ser atribuído o peso de 1 (por ser ele o titular da prestação e, portanto, o respectivo requerente) e que à progenitora deve ser atribuído o peso de 0,7 e que o rendimento do agregado familiar não é todos os meses de €782,48, mas variável com as vendas que a recorrente, pelo que o rendimento per capita de €460,28 (€782,78:1,7), não é igual em todos os meses, e tendo em atenção que o valor de IAS em 2017 é de €421,32.
11- E como decorre da matéria de facto alegada o agregado familiar tem um rendimento ilíquido de €782,48 e tem como despesas fixas mais relevantes: a prestação referente à habitação (€250,00); electricidade, água e água (€137,00), passe social (€100,00) e actividades extras do menor (€60).
12- Abatendo essas despesas ao referido rendimento, obtém-se o valor de aproximadamente €200,00 que é, manifestamente, insuficiente para prover ao sustento (alimentação, vestuário e calçado) de duas pessoas e para fazer às despesas de saúde e educação do menor.
13- E, nestas circunstâncias, parece-nos que o valor correspondente à prestação que se encontrava fixada (€75,00 mensais) será um valor ajustado à satisfação das necessidades essenciais do menor e que, somado ao rendimento auferido pela progenitora, permite obter (de acordo com as regras de capitação do rendimento acima mencionadas) um rendimento per capita de €535,29 (€460,28 + €75,00), o qual se considera um valor minimamente condigno.
14- Ora, como é consabido no domínio da jurisdição voluntária vigora o princípio do predomínio da equidade sobre a legalidade, que subtrai o julgador aos critérios puros e rigorosos normativamente fixados, por vezes indutores de soluções social e eticamente indiferentes.
15- Estamos, assim, perante um processo de jurisdição voluntária, onde os critérios de legalidade estrita não se impõem totalmente (ver Antunes Varela, Manual de Processo Civil, p. 67).
16- Pelo que, salvo o devido respeito, não pode a ora Recorrente concordar com tal entendimento da Mma. Juiz a quo, que indeferiu a intervenção do FGDAM porque simplesmente “se distribuirmos o rendimento do agregado familiar pelo número de elementos concluímos que o valor da capitação é superior a esse valor do IAS”, que sendo superior ao valor ao IAS, é-o em muito pouco. E, 17- Atendendo às despesas fixas que a recorrente mãe tem a seu cargo facilmente se apercebe que o agregado familiar do menor preenche todos os pressupostos de que depende a prestação de alimentos por parte daquele Fundo.
18- Pelo que, salvo o devido respeito, não pode a ora recorrente concordar com tal entendimento, porquanto o agregado familiar do menor preenche todos os pressupostos de que depende a prestação de alimentos por parte daquele Fundo, porquanto no cálculo efectuado deveria ter em conta que o vencimento mensal da recorrente não é fixo, mas varia com as vendas, e por conseguinte não é de €782,48/mês.
19- Assim sendo, ao julgar improcedente a acção a Meritíssima Juiz violou o espírito legal que subsistiu na instituição do FGADM, o art.º 69º da CRP e os arts. 2003º e 2004º ambos do Código Civil.
Nestes termos, e ainda pelo muito que, como sempre não deixará de ser proficientemente suprido, deve ser concedido provimento à presente Apelação.
O Ministério Público respondeu a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado.
Após os vistos legais, cumpre decidir.
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Questões a decidir: As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida as seguintes questões: i) quais são os rendimentos do trabalho da requerente; ii) se no apuramento do...
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