Acórdão nº 1527/13.0TBOAZ.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 12 de Julho de 2017

Magistrado ResponsávelALBERTO RU
Data da Resolução12 de Julho de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Tribunal da Relação do Porto – 5.ª Secção.

Recurso de Apelação.

Processo n.º 1527/13.0TBOAZ do Tribunal Judicial da Comarca de Comarca de Aveiro – Oliveira Azeméis – Instância Local – Secção Cível – J1*Juiz relator………….Alberto Augusto Vicente Ruço 1.º Juiz-adjunto……Joaquim Manuel de Almeida Correia Pinto 2.º Juiz-adjunto…….Ana Paula Pereira de Amorim*Sumário: I - Os depoimentos de testemunhas relativos a matéria científica carecem, em regra, de força persuasiva para a formação positiva da convicção do juiz, pois o juiz não tem forma de aquilatar o real saber ou competência científica das testemunhas no momento em que prestam declarações.

II – Após o contrato de seguro ter sido celebrado, este ou padece de vício que o torna anulável pelas razões indicadas no artigo 25.º, n.º 1, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril), ou está isento de vício, sendo, por isso, irrelevante, para este efeito, a verificação ou não de um nexo de causalidade entre as informações omitidas ou transmitidas de forma inexacta e a causa que originou a morte do segurado.

*Recorrentes/Autores…………..

B..., Lda.

, pessoa colectiva n.º ........., com sede no ..., n.º ...., ....-... ..., Oliveira de Azeméis, .......................................................

C...

, residente na Rua ..., n.º ..., ..., Oliveira de Azeméis, .......................................................

D...

, residente na Avenida ..., n.º ..., 3.º Esq., .... S. João da Madeira; e .......................................................

E...

, residente na Rua ..., Edifício ..., n.º ., ..., .... Santa Maria da Feira.

Recorrida/Ré……………………..

F..., S. A.

, pessoa colectiva n.º ........., com sede na Avenida ..., n.º ..., ..º Edifício ..., ....-... Porto.

*I. Relatório [1] Com a presente acção os Autores pretendem obter a condenação da Ré a pagar-lhes o capital seguro de EUR 50.000,00, pagando ao G... o valor que ainda se encontrar em dívida referente ao débito mencionado no artigo 24.º da petição inicial e que em 03 de Abril de 2013 era de EUR 15.625,00; à autora B... a diferença entre esse valor e a quantia de EUR 31.250,00, que era devida à data do óbito da segurada, e a quantia remanescente de EUR 18.750,00 à segunda, terceiro e quarta autores.

Para o efeito, os Autores alegaram que em 20 de Maio de 2011 foi subscrita uma proposta de seguro junto dos serviços da Ré, tendo como tomador do seguro a sociedade B... e como primeira pessoa segura H....

Como beneficiário do aludido contrato de seguro, em caso de morte, foi indicado o G..., pelo capital em dívida, e os herdeiros legais da pessoa segura – segunda, terceiro e quarta autores – quanto ao remanescente.

A pessoa segura, H..., faleceu, mas a Ré seguradora recusou-se e recusa-se a pagar o mencionado capital, argumentando que aquando da subscrição do seguro foram omitidas informações relevantes relativas ao estado de saúde da pessoa segura, circunstância que os Autores não aceitam ter corrido e daí a presente demanda.

No final o tribunal proferiu sentença absolvendo a Ré do pedido, por ter considerado que efectivamente foram omitidas informações relevantes relativas ao estado de saúde da pessoa segura, omissão que conferiu à Ré o direito à anulação do contrato, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 24.º, n.º 1, 25.º, n.º 1 e 3, da LCS e 287.º, do Código Civil.

  1. É desta decisão que recorrem os Autores.

    Concluíram do seguinte modo: 1. O presente recurso tem por objecto não só discordâncias de direito, mas também de facto, logo tem também por objecto a reapreciação da prova gravada, conforme previsão do nº 7 do artigo 638º do CPC.

    1. A discordância dos Autores, relativamente à matéria de facto, prende-se com os n.º 40, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49 e 50 dos factos provados constantes na Douta decisão proferida, os quais se consideram incorrectamente julgados.

    2. Os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa sobre os factos impugnados constam dos registos de gravação realizada, mencionados na acta de audiência de julgamento de 25-11-2016.

    3. E são os referentes aos testemunhos de três clínicos, a Sr. a Dra. I..., especialista em reumatologia, que foi ouvida entre as 10.07.24 (h/m/s) e as 10.48.22., ficando pois o seu depoimento gravado durante 40 minutos e 57 segundos, a Sra. Dra. J..., médica de família, que foi ouvida entre as 14.15.35 e as 14.46.10, ficando pois o seu depoimento gravado durante 40 minutos e 57 segundos e o Sr. Dr. K..., especialista em angiologia e cirurgia vascular, que foi ouvido entre as 15.02.47 e as 15.47.44, ficando pois o seu depoimento gravado durante 44 minutos e 56 segundos.

    4. Concretizando ainda mais, no que respeita à Sra. Dra. I..., as passagens da gravação em que se funda este recurso, para a modificação da matéria de facto, são as que constam nos minutos 2.38, 3.25, 3.55, 4.30, 4.48, 5.10, 5.35, 7.15, 8.45, 15.20, 19.30, 21.20, 29.15, 3l.15, 34.40, 35.13, 35.22, 35.35, 36.15 e 37.45 da respectiva gravação (atrás supracitados).

    5. No que respeita ao Sr. Dr. K..., as passagens da gravação em que se funda esta recurso para a modificação da matéria de facto, são as que constam nos minutos 0.49, 1.29, 4.09, 4.20, 5.25, 5.28, 6.30, 6.51, 8.22, 12.30, 15.40, 16.40, 16.51, 17.37, 32.28, 35.15, 36.11, 38.35, 39.11, 39.55, 40.20 e 42.21 da respectiva gravação (atrás supracitados).

    6. No que respeita à Sra. Dra. J..., as passagens da gravação em que se funda esta recurso para a modificação da matéria de facto, são as que constam nos minutos 3.29, 3.44, 4.11, 5.40, 6.01, 6.50, 7.00, 9.01, 9.20, 11.08, 15.20, 15.30, 20.25, 20.30, 20.41, 23.49, 23.54, 23.55, 24, 24.10, 24.15, 24.50, 29.38 e 30.20 da respectiva gravação (atrás supracitados).

    7. Não existe nos autos prova no sentido de que a H... tinha a capacidade de compreender e seccionar, no seu entendimento, que ia além da doença que a afectava, a fibromialgia.

    8. Nos factos provados, a MM Juiz dissocia a depressão da fibromialgia, o que no entendimento dos recorrentes não corresponde à realidade do julgamento.

    9. Dos três clínicos em causa, aquele que inquestionavelmente mais conhecimento deveria ter e de facto revelou ter, da doença que afligia a H..., a fibromialgia, era a Dra. I..., quer porque é especialista em reumatologia, ou seja a especialidade adequada ao diagnóstico e tratamento desta doença, quer porque acompanhou a H..., ainda que de forma irregular.

    10. Segundo a testemunha Dra. I... um doente com fibromialgia, é um doente que precisa invariavelmente de ajudas de psiquiatria, psicologia, de medicina física e reabilitação, entre outras.

    11. Separar pois a depressão grave da fibromialgia, autonomizando-a, é defraudar a audiência de julgamento no que a este ponto se refere.

    12. A realidade simples é que, para a médica reumatologista, a especialista da área, a depressão é uma associação natural à fibromialgia, tendo até especificado que a percentagem dos resultados desta associação é de 30 a 70%, ao longo da vida com maior equidade nas mulheres (vide minuto 34.40 atrás reproduzido).

    13. Para esta Exa. clínica, diagnosticar que alguém tem fibromialgia é diagnosticar algo que nunca terá cura e com probabilidade próxima dos 70%, no caso da H..., mulher, de vir a sofrer de depressão, associada a essa doença.

    14. O que Exmo. clínico da Ré seguradora manifestou, com o seu depoimento, foi um desconhecimento desta associação natural, que deveria ter sido uma associação imediatamente por si conjecturada, se conhecedor fosse da realidade da fibromialgia.

    15. E se vem agora dizer, em defesa do seu próprio diagnóstico, que caso soubesse da depressão, juntamente com a fibromialgia, não teria aprovado o risco, a consequência a tirar será apenas que realizou uma incorrecta avaliação do risco.

    16. A depressão não era autonomizável da fibromialgia, sendo sim uma das suas componentes, sendo por isso obrigação do clínico avaliador do risco saber disso mesmo, ou se não souber ou tiver dúvidas, bastava perguntar, o que no caso concreto não sucedeu.

    17. Para que a H... reportasse a depressão (e nesse caso seria necessário saber qual a inexistente quadrícula do questionário para tal efeito), seria também necessário que reportasse dores em todo o corpo, fadiga muscular constante, sensação de impossibilidade física e todos os demais condicionantes existentes pelo facto de ter uma doença chamada fibromialgia.

    18. Quanto às demais doenças que a H... de facto não minuciou, julga-se ser natural, ou melhor dizendo, compreensível, que esta não tenha feito das mesmas especificação, pois para esta, a sua "doença" era a fibromialgia, sendo esta naturalmente, para si, a causadora dos seus males e das suas incapacidades, incluindo naturalmente as depressivas.

    19. Para se compreender a vida da H... é preciso perceber que esta iniciou um calvário de anos com dificuldades múltiplas, que não se ajustavam nem se explicavam entre si, incluindo naturalmente os factores depressivos e só mais tarde veio a saber que sofria de fibromialgia e que a conjugação das suas dificuldades se explicavam por isso mesmo (incluindo naturalmente os factores depressivos).

    20. O restante, como a hipertensão e as demais indicações que se lhe apresentam, nunca foi interiorizado como doença, muito menos com gravidade de ser contada, pela razão simples de não lhe acarretar nenhuma dificuldade prática no seu dia a dia e de não ter meio de comparação com a sua fibromialgia.

    21. Pode ainda questionar-se porque razão se há-de exigir a uma pessoa que sofre de fibromialgia mais rigor técnico sobre a informação das suas doenças, do que aquele rigor que deve ser o conhecimento de um clínico, que dedica parte da sua vida profissional a verificar tais informações, 23. Não se pode exigir que a H... tivesse uma percepção exacta e clínica dos seus padecimentos, devendo sim compreender-se a razão de ser das suas respostas, as quais poderão ser negligentes, mas não intencionais, no sentido de omitir ou enganar a seguradora.

    22. Sem prejuízo da globalidade de toda a prova...

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