Acórdão nº 5619/08.9TBMTS-B.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelMANUEL DOMINGOS FERNANDES
Data da Resolução26 de Junho de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 5619/08.9TBMTS-B.P1-Apelação Origem: Comarca do Porto-Porto-Inst. Central-1ª Secção de Execução-J8 Relator: Manuel Fernandes 1º Adjunto Des. Miguel Baldaia 2º Adjunto Des. Jorge Seabra Sumário: I- Na reapreciação da prova a Relação goza da mesma amplitude de poderes da 1.ª instância e, tendo como desiderato garantir um segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto impugnada, deve formar a sua própria convicção.

II- A celebração de um contrato-promessa com eficácia real validamente constituída e registada confere ao promitente comprador a faculdade de adquirir o bem objecto da promessa, designadamente desencadeando essa aquisição sem o concurso do promitente vendedor e contra os actos de disposição do bem por este realizados.

III- A forma mais comum de accionar esta faculdade autónoma de aquisição corresponde à execução específica a que se refere o artigo 830.º do CCivil.

IV- No quadro de uma execução instaurada contra o promitente vendedor, na qual tenha sido penhorado o bem por este prometido vender, essa mesma faculdade, o direito de aquisição do bem pelo promitente comprador, actua através da venda directa, ao mesmo promitente, nas condições fixadas no contrato, nos termos previstos no artigo 903.º do CPC (actual 831.º) que expressamente referiu esse tipo de venda à promessa real na redacção nele introduzida pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8/03.

V- Porém, quando o promitente comprador tenha já instaurado a execução específica a venda judicial que venha a ter lugar na execução, sendo-o em momento em que ainda não se mostra definitivamente decidida aquela acção, terá de ser suspensa.

VI- Todavia, o promitente comprador não está impedido de outorgar escritura pública com o promitente vendedor referente à compra e venda prometida fora do quadro da execução e, quando assim aconteça, porque o artigo 824.º, nº 2 do CCivil apenas está previsto para a venda executiva, outra solução não restará que não seja o levantamento da penhora e consequente cancelamento do respectivo registo, a isso não se opondo o estatuído no artigo 819.º do CCivil, pois que, na situação de prévio registo de contrato promessa com eficácia real, tudo se passa no que se refere à prevalência em relação a terceiros, como se a compra e venda prometida tivesse sido efectuada na data em que a promessa foi registada.

VII- Desta forma e porque a penhora assim efectuada sobre o imóvel objecto da promessa com eficácia real ofendeu o referido direito real de aquisição daí decorrente, deverão os embargos de terceiros impetrados pelo promitente comprador ser julgados procedentes.

*I-RELATÓRIO Acordam no Tribunal da Relação do Porto: B..., Lda.

com sede na Rua ..., nº ..., sala ., Porto veio, por apenso à acção executiva que C..., SA instaurara contra D..., E..., F... e G..., Lda.

deduzir embargos de terceiro, pedindo que se determine o levantamento da penhora do imóvel que identifica e que se encontra penhorado nos autos de execução, com o consequente cancelamento do respectivo registo.

Alega, em síntese, que por escritura pública outorgada em 11/07/2007, celebrou com o executado D... um contrato promessa de compra e venda do prédio urbano sito na Avenida ..., nº ... e ..., na ..., Porto, pelo qual aquele prometeu vender-lhe o referido prédio, que o preço foi totalmente pago e que ao contrato-promessa atribuíram eficácia real, tendo a mesma sido registada em 08/08/2007.

Mais alega que a escritura só não foi logo celebrada por razões fiscais e que, desde essa data, começou a comportar-se relativamente ao imóvel como se fosse seu dono, passando a cobrar rendas relativas ao arrendamento do mesmo, procedendo à manutenção do mesmo e a desenvolver diligências com vista à revenda do imóvel, quer directamente, quer através de mediadoras imobiliárias.

Que em 12/01/2009 foi promovido o registo de uma penhora fiscal sobre o imóvel, tendo sido o executado D... quem a alertou para o facto mas recusando-se a pagar a divida por entender não ser devida.

Na altura não deduziu embargos porque estava em negociações para a venda do imóvel e não queria enfrentar a morosidade da justiça administrativa e fiscal.

Em 2010 a mediadora H... apresentou à embargante um novo interessado na compra do imóvel, tendo vindo a ser celebrado pela embargante, em 4/02/2011 um contrato-promessa de compra e venda do imóvel por um milhão de euros, tendo o promitente-comprador adiantado à embargante a quantia de € 35.000,00 para liquidação da divida fiscal, efectuado em 9/02/2011, com o consequente levantamento da penhora.

Após, a embargante diligenciou pela marcação da escritura de compra e venda pelo executado D..., a qual foi agendada para 23/02/2011.

Na manhã da data agendada ao imprimir a certidão que lhe havia sido disponibilizada em 18/02/2011, a embargante foi surpreendida pela existência de uma penhora registada em 21/02/2011, a favor do aqui embargado.

Mesmo assim, sem saber a que processo se referia aquela penhora, e porque já tinha pago o preço optou por outorgar a escritura de compra e venda.

Só em 1/03/2011 quando o registo da aquisição foi concluído é que ficou a saber que aquela penhora se referia a esta execução.

Afirma ser, desde 23/02/2011, a legitima proprietária do imóvel.

Mais alega ser, por ela e antecessores possuidora do imóvel, de forma pública, pacifica, titulada e de boa-fé, há mais de 10 anos.

O auto de penhora foi lavrado em data posterior a 23/02/2011.

Por força do contrato-promessa com eficácia real a embargante era titular de um direito creditório a adquirir os imóveis oponível a terceiros que não podia ser inviabilizado ou onerado com a penhora.

Conclui que a penhora ofende aqueles seus direitos e a sua posse.

Por despacho de fls. 76 foi homologada a desistência da instância relativamente à embargada G....

Inquiridas as testemunhas arroladas, foram os embargos recebidos e notificado o embargado para contestar.

*O embargado veio apresentar contestação, invocando a extemporaneidade dos embargos, impugnando ainda factualidade alegada pela embargante quer quanto ao pagamento do preço, quer quanto à justificação para não realização da escritura definitiva na data da realização do contrato-promessa.

Mais alega que o contrato-promessa tem efeitos obrigacionais e não torna aquela proprietária do imóvel, pelo que não o podia dar de arrendamento, sendo o mesmo nulo.

Quanto ao contrato-promessa invoca a sua caducidade, bem como a do registo da eficácia real, por ter decorrido o prazo fixado no mesmo para a realização da escritura de compra e venda.

Conclui que a penhora foi inscrita sobre o imóvel desonerado e que a aquisição posterior é inoponível ao embargado.

Impugna a demais factualidade alegada pela embargante, concluindo por pedir a improcedência dos embargos.

*A embargante respondeu à excepção da caducidade do contrato-promessa pugnando pela sua não verificação, alegando que o embargado confunde prazo de duração do negócio com prazo de cumprimento de uma obrigação, sendo que o contrato-promessa não tinha prazo de duração.

*A fls. 141 e ss. foi proferido despacho saneador e seleccionada a matéria de facto, fixando-se os factos assentes e controvertidos.

*Realizou-se audiência de julgamento de acordo com as formalidades legais.

*A final, foi proferida decisão que julgou os embargos improcedentes por não provados.

*Não se conformando com o assim decidido veio a embargante interpor o presente recurso concluindo as suas alegações pela forma seguinte: i. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou improcedentes os embargos de terceiro deduzidos pela recorrente.

ii. A decisão recorrida padece de erro na resposta ao ponto 2º da Base Instrutória, que em vez da resposta “não provado” deveria ter sido dado como parcialmente provado porquanto: a) a propósito do alegado no art. 5º da p.i., que deu origem ao quesito em apreço, o que importava era apurar o animus possidendi; b) a única testemunha ouvida, embora desconhecendo se as rendas vinham sendo pontualmente pagas, afirmou peremptoriamente que a B... se comportava como senhoria e cobrava à data em que foi negociado o contrato promessa referido no ponto 16º dos Factos Provados–datado de 04/02/2011-uma renda à inquilina I..., que identificou como sendo a Mãe do representante legal da embargante, J...; c) está também demonstrada a outorga do aludido contrato promessa de venda do imóvel, onde além da embargante B..., como promitente vendedora, intervieram também J... e a aludida I..., que se comprometeram a deixar de ocupar o imóvel nos dois meses subsequentes à outorga da escritura; d) Consta ainda dos autos um recibo de renda–Doc. 8 junto com a p.i., não impugnado– emitido pela embargante a favor de “I...”, inquilina que como vimos também interveio no aludido contrato promessa de fls. 36 e ss., comprometendo-se a entregar o imóvel devoluto de pessoas e bens no prazo subsequente à escritura ali aprazado; e) Se a embargante se considerasse mera detentora do imóvel não teria emitido qualquer recibo de renda do mesmo em seu nome, como emitiu; f) Se a embargante não se considerasse dona do imóvel não teria incumbido a mediadora H..., como incumbiu, de encontrar comprador para o mesmo; g) Nem teria prometido vender o imóvel a um terceiro, ainda por cima Juiz-Desembargador (jubilado), como prometeu; h) Nem este lhe teria prometido comprar o aludido imóvel, como prometeu.

  1. Se a embargante não tivesse o imóvel como seu não teria desenvolvido essas negociações assumindo-se sempre como sua proprietária a quem faltava apenas formalizar a escritura de compra nem diligenciado pelo cancelamento de uma penhora em execução fiscal movida contra o terceiro executado titular inscrito do imóvel, como fez; j) Se o executado primitivo dono do imóvel não considerasse a embargante como dona do imóvel não teria conferido a esta procuração para o vender e dar quitação do preço, como fez; k) A perplexidade manifestada a fls. 6 e 7 da resposta aos quesitos por não ter sido desde logo outorgado o...

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