Acórdão nº 2603/15.0T8STS-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 29 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelFILIPE CARO
Data da Resolução29 de Junho de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 2603/15.0T8STS-A.P1 (apelação) Comarca do Porto - Juízo de Comércio de Santo Tirso Relator: Filipe Caroço Adj. Desemb. Judite Pires Adj. Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida Acordam no Tribunal da Relação do Porto I.

Na sequência da realização da assembleia de apreciação do relatório, veio o Administrador da Insolvência apresentar as suas alegações por escrito, para efeito da qualificação da insolvência como culposa, indicando, para ser afetado por tal qualificação o gerente da sociedade insolvente B…, Lda., C….

Fundamentando o seu parecer, o Administrador da Insolvência alegou essencialmente que a gerência entregou a colaboradores, de forma gratuita, os equipamentos informáticos que compunham o ativo e vendeu a si próprio o veículo da sociedade compensando o seu preço com suprimentos que lhe havia efetuado.

A afetação destes ativos impediu a apreensão de qualquer ativo da empresa e gerou proveitos ao sócio gerente em detrimento dos credores da insolvência, designadamente da Autoridade Tributária.

Por despacho de 15.12.2015, o tribunal declarou aberto o incidente de qualificação da insolvência.

O Ministério Público manifestou concordância com o parecer do Administrador da Insolvência.

Citado, C… deduziu oposição, defendendo a improcedência da qualificação como culposa, refutando os fundamentos invocados pelo Administrador da Insolvência, e negou o enquadramento dos comportamentos descritos na al. d) do nº 2 do art.º 186º do CIRE, por não revestirem, pelo modo como ocorreram e a finalidade que prosseguiram (e que explicou), nenhuma forma de disposição de bens ou agravamento da situação de insolvência da sociedade.

Concluiu que a insolvência deveria ser considerada fortuita.

Em 21.2.2016, o trabalhador D… respondeu à oposição do gerente da sociedade, defendendo a sua improcedência. Alegou, designadamente, que o computador portátil que utilizava pertencia à empresa onde estava em regime de outsourcing, e foi restituído no momento da saída da empresa. O único equipamento que ainda está na sua posse é o telemóvel (Samsung …), modelo de …, ultrapassado e descontinuado. Manifestou surpresa pelo facto de, na oposição que apresentou, o gerente defender que promoveu a dação em pagamento junto de colaboradores, nunca tendo promovido qualquer dação relativamente aos créditos que reclama.

O Administrador da Insolvência respondeu à defesa do gerente, sustentando os fundamentos que carreara já para a sua alegação inicial.

O gerente pronunciou-se ainda contra a argumentação utilizada pelo referido trabalhador, por requerimento de 7.3.2016, e, em 4.8.2016, respondeu também ao Administrador da Insolvência, invocando a extemporaneidade da sua resposta, a falta de elementos subjetivos exigidos para a qualificação e os fundamentos que já arregimentara na sua oposição para que a insolvência fosse qualificada como fortuita.

Em 9.12.2016, o Ministério Público manifestou-se no sentido de manter o seu parecer anterior (fls. 13: “Nos termos e pelos fundamentos constantes do parecer do Ex.mo Administrador de Insolvência, o Ministério Público concorda com a proposta de qualificação da insolvência como culposa, devendo ser afectado pela decisão o legal representante da insolvente C…” (sic).

O Administrador da Insolvência ainda veio defender que o seu requerimento foi apresentado em tempo e que a sua sustentação é conforme à realidade material.

Foi então proferido despacho saneador que julgou tempestivo o requerimento de resposta do Administrador da Insolvência, identificou o objeto do litígio, fixou factos que considerou já provados e definiu os temas de prova.

Teve lugar a audiência final, com produção e provas, após a qual foi proferida sentença com o seguinte dispositivo, ipsis verbis: «Em conformidade com o exposto, e de acordo com os preceitos legais indicados, decide-se: 1.

Qualificar a insolvência da sociedade B…, Lda como culposa.

2. Afectar o gerente da insolvente C… pelos efeitos da qualificação; 3. Declarar a inibição de C… para administrar patrimónios de terceiros, por um período de 2 anos; 4. Declarar a inibição de C… para o exercício do comércio durante um período de 2 anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, 5. Decretar a condenação de C… a indemnizar os credores do devedor declarado insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do seu património.

Custas pela massa insolvente.

» (sic)*Inconformado, recorreu o afetado C…, produzindo alegações com as seguintes CONCLUSÕES: «1. Na sequência do que vai dito, a douta sentença em apreço é nula por violação do princípio do inquisitório constante do disposto no artigo 11º do CIRE; 2. É nula pelo facto de conhecer de questões das quais não podia conhecer, nos termos da alínea d), do nº 1, do artigo 615º do Código de Processo Civil; 3. A douta sentença ora em crise faz uma errada interpretação e aplicação das alíneas a) e d), do nº 2 do artigo 186º do CIRE; 4. A douta sentença ora em crise, padece de vício de erro de julgamento, do vício de omissão de apreciação da matéria de facto e do vício de contradição na apreciação da matéria de facto; 5. Também na sequência do que supra vai dito, devem os Factos 11 e 12, dados como provados ser dados como não provados e os Factos 1, 2 e 3, dados como não provados, devem ser dados por provados; 6. Deve ainda ser dado como provado que o imobilizado da insolvente foi abatido durante os anos de vigência da sociedade; o referido imobilizado estava obsoleto e não tinha qualquer valor; a declaração emitida a 02.07.2015 e transcrita no ponto 5 (cinco) dos factos dados como provados foi emitida na sequência de um pedido da contabilidade para o efeito; 7. A douta sentença ora em crise não faz qualquer referência à resolução do negócio relativo veículo com a matrícula .. - .. -XJ e à sua entrega voluntária do pelo aqui Apelante/C…, à massa insolvente a 25.11.2016; 8. Em sede deste incidente de qualificação da insolvência vigora o princípio do inquisitório, conforme dispõe o artigo 11º do CIRE; 9. A entrega voluntária do veículo chegou ao conhecimento da Meritíssima Juiz a quo em virtude do exercício das suas funções, pelo que, a referida entrega voluntária do veículo com a matrícula .. - .. - XJ, a 25.11.2016, pelo Apelante ao Ilustre Administrador de Insolvência deveria constar dos factos assentes, bem como, da fundamentação de facto da douta sentença ora em crise; 10. Mais referida entrega voluntária do veículo com a matrícula .. - .. - XJ não permite dar como provado, como faz a douta sentença ora em crise, que a atuação do gerente/ Apelante enquadre a previsão da alínea d), do nº 2, do artigo 186º; 11. Já que, tendo o referido veículo sido apreendido para a massa insolvente, não pode a douta sentença dar como provado que o aqui gerente/ Apelante tenha disposto de bens em proveito pessoal ou de terceiros; 12. A douta sentença ora em crise padece ainda do vício de omissão da apreciação da matéria de facto pois, do processo principal e dos apensos das reclamações de créditos constavam elementos essenciais à boa decisão da causa e que deveriam ter sido elencados nos factos assentes pela Meritíssima Juiz a quo; 13. Desde logo, o valor dos suprimentos e data da prestação dos mesmos à sociedade pelo aqui Apelante/C…; 14. O aqui Apelante/ C…, na qualidade de sócio gerente da sociedade insolvente e perante as dificuldades financeiras da mesma, prestou suprimentos à sociedade no valor total de 25.428,77€ (vinte e cinco mil quatrocentos e vinte e oito euros e setenta e sete cêntimos); 15. Tal sucedeu nos anos de 2011, 2012, 2013 e 2014, conforme melhor discriminado na reclamação de créditos apresentada pelo Apelante/ C…, em apenso a estes autos e junta a este incidente com a Oposição apresentada, como documento nº 3; 16. A douta sentença ora em crise deu tal facto como provado, sob o seu nº 6 (seis) dos factos provados da seguinte forma: “O Administrador de Insolvência reconheceu créditos ao gerente da insolvente C… no montante global de €44.029,92, referente a salários, subsídio e suprimentos.

” (Sublinhado nosso); 17. A douta sentença ora em crise deu também como provado o facto de apenas o trabalhador, D… ter reclamado créditos no presente processo de insolvência, cfr. ponto 10 (dez) dos factos provados e como justificação da prova deste facto, na motivação desta douta sentença pode ler-se “ o facto descrito em 10 resultou apurado com base na consulta ao apenso da reclamação de créditos.”; 18. Do apenso da reclamação de créditos consta a relação dos créditos reclamados pelo aqui Apelante/ C…, devidamente discriminada quanto ao valor e datas dos suprimentos por este prestados à sociedade insolvente. E tal facto – valor e datas da prestação de suprimentos – é de extrema relevância para qualificação da insolvência em causa; 19. A violação do princípio do inquisitório, pelo Tribunal a quo, e a consequente falta de valoração da prova contida neste documento, levaram à qualificação da insolvência da sociedade B… como culposa, já que, a douta sentença ora em crise veio enquadrar a atuação do aqui Apelante, enquanto gerente, da referida sociedade insolvente, na previsão da alínea d), do nº 2, do artigo 186º do CIRE; 20. Não pode o Tribunal a quo socorrer-se da consulta ao apenso da reclamação de créditos para dar como provados determinados factos e, relativamente ao outros factos – a partir dos quais qualifica a insolvência como culposa –, invocar a inexistência de prova, quando a prova está junta ao próprio incidente de qualificação de insolvência; 21. O Tribunal a quo deveria ter dado como provada a prestação de suprimentos pelo aqui Apelante/ C…, enquanto gerente da sociedade insolvente, suprimentos estes já existentes à data da celebração do negócio de compra e venda do veículo, em Maio de 2013; 22. No entanto, o Tribunal a quo não apreciou devidamente nenhum dos factos...

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