Acórdão nº 1108/14.0T2OVR-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 05 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelMANUEL DOMINGOS FERNANDES
Data da Resolução05 de Junho de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 1108/14.0T2OVR-A.P1-Apelação Origem: Comarca de Aveiro-Águeda-Inst. Central-1ª Secção de Execução-J1 Relator: Manuel Fernandes 1º Adjunto Des. Miguel Baldaia 2º Adjunto Des. Jorge SeabraSumário:I - Atenta a posição firmada pelo Acórdão do STJ para uniformização de jurisprudência nº 1/2002, de 06/12/2001, a indicação de qualidade de gerente prescrita no nº 4 do artigo 260.º do Código das Sociedades Comerciais, para vincular a sociedade, não tem que ser feita de forma expressa, podendo ser deduzida, nos termos do artigo 217.º do Código Civil, de factos que, com toda a probabilidade, a revelem.

II - A vinculação da sociedade resulta de o acto ser praticado “em nome” da sociedade, não se exigindo palavras sacramentais ou, sequer, a assinatura com a própria firma da sociedade.

III – No domínio das relações imediatas, não obstante as assinaturas não se encontrarem acompanhadas da indicação da qualidade de gerente, essa qualidade não pode deixar de ser deduzida se, além do mais, a sua autoria não foi posta em causa e se as mesmas pessoas singulares assinaram as livranças como avalistas, pois que não tendo o aval prestado pelo subscritor qualquer valor, visto ser ele o principal obrigado na relação cambiária, lícito é concluir que quem produziu as duas assinaturas o fez em qualidades diferentes, ou seja, em nome próprio numa das situações (avalista) e, na outra, como representante da sociedade subscritora.

IV - Numa livrança subscrita e avalizada em branco a eficácia da excepção do preenchimento abusivo fica dependente da alegação e prova de factos que o demonstrem, prova que compete àquele a quem se exige o cumprimento da obrigação.

I-RELATÓRIO Acordam no Tribunal da Relação do Porto:B…, Lda, com sede em …, Sever do Vouga, C…, D…, E…, F… todos residentes em …, Sever do Vouga, G… e H… residentes na Rua …, nº .., Aveiro deduziram os presentes embargos de executado contra Banco I…, SA alegando, para tanto e em síntese, que: - as livranças dadas à execução não são títulos executivos válidos e eficazes, porquanto no local destinado à subscritora da livrança consta o nome da sociedade executada, o carimbo da mesma e a assinatura de C… e de E… sem a menção de que actuam na qualidade de gerentes da sociedade, em desconformidade com o disposto no artigo 260.º, nº 4 do Código das Sociedades Comerciais; - entre a sociedade subscritora da livrança e o exequente não foi celebrada qualquer convenção posterior ao vencimento do débito no sentido de procederem à capitalização de juros, nem foi a sociedade B… notificada pelo exequente de que iria proceder à capitalização dos juros vencidos, pelo que não o poderia fazer. Tal actuação conduz à aplicação, por parte do exequente de juros usurários, o que é vedado pelo disposto no artigo 559.º do Código Civil; - os juros de mora devem ser contados à taxa legal de 4% e não de 6%; - as livranças exequendas foram abusivamente preenchidas, porquanto do requerimento executivo e das mesmas não resulta como o exequente chegou aos valores nelas apostas, não sendo esclarecido qual o capital em dívida referente a cada um dos contratos, quando a sociedade executada entrou em mora, desde quando foi feita a contagem dos juros e a taxa aplicada, não tendo sido os executados notificados previamente à execução dos valores que se encontravam em débito, nem por que valores iriam ser preenchidas as livranças exequendas.

*Admitidos os embargos de executado, foi notificado o exequente para os contestar, o que fez.

Alegou que as livranças exequendas são títulos executivos válidos e eficazes, não existindo dúvidas de que a assinatura de C… e E… por cima do nome e carimbo da sociedade B… foi aposta na qualidade de gerentes da sociedade, sendo certo que desde que foi proferido o AUJ ./…. que não se exige a concreta indicação da qualidade de gerente em todos e quaisquer documentos que obriguem uma sociedade comercial.

Quanto ao anatocismo, alega o exequente que estamos perante uma excepção ao seu regime, prevista no artigo 560.º, nº 3 do Código Civil, em conformidade com o disposto no DL 344/78.

No que toca ao preenchimento abusivo das livranças exequendas, alega que as mesmas foram preenchidas de acordo com o acordado no pacto de preenchimento celebrado entre as partes, tendo havido contactos presenciais, telefónicos e escritos entre o exequente e a sociedade executada, no sentido de ser alcançada uma solução que permitisse a regularização dos pagamentos, pelo que foram enviadas e recepcionadas pela sociedade executada, duas cartas registadas com AR, a fixar prazo para pagamento das rendas em dívida, sob pena de serem considerados resolvidos os respectivos contratos, dando conhecimento das mesmas a todos os avalistas.

A dívida exequenda é, pois, certa, líquida e exigível.

*Uma vez que as questões a decidir nos autos eram meramente de direito, foram as partes notificadas para se pronunciarem pela dispensa da realização da audiência prévia e pela prolação de saneador sentença, tendo-se oposto a tal solução os embargantes.

*Realizada a audiência prévia e não sendo possível resolver o litígio por transacção, foi proferida decisão que julgou parcialmente procedentes os embargos de executado deduzidos por B…, Ld, C…, D…, E…, F…, G… e H… contra Banco I…, SA, determinando-se que da livrança referida em D) seja expurgado o valor respeitante a juros de mora vencidos, mais se determinando o prosseguimento da execução com contagem dos juros de mora à taxa legal de 4%.

*Não se conformando com o assim decidido vieram os embargantes interpor o presente recurso, concluindo as suas alegações nos seguintes termos: 1ª – Da análise das livranças dadas à execução resulta que no local destinado à identificação da subscritora ou sacadora (Sociedade B…, Lda) apenas constam das mesmas o nome e morada da referida sociedade, tais elementos resultam do carimbo aposto que refere a mencionada identificação e morada, sem que seja possível aferir a partir dos mesmos a qualidade em que os subscritores actuaram, designadamente na qualidade de gerentes, sendo essa uma condição de que depende a própria existência das livranças.

  1. – Na falta da indicação da qualidade de gerente não podem os subscritores obrigar a Sociedade e, consequentemente, as livranças supra mencionadas consideram-se inexistentes e ineficazes relativamente à Sociedade Recorrente, não tendo força executiva contra esta–cf. artº 260º, nº 4 do Código das Sociedades Comerciais 3ª – A obrigação cambiária que padeça de uma invalidade formal comporta necessariamente a inoponibilidade do título de crédito ao subscritor–artº 32º da LULL–; assim sendo, se os Recorrentes subscreveram os títulos de crédito aqui referenciados, sem que constasse das livranças a qualidade em que actuavam, isto é, se actuavam como gerentes da Sociedade e por essa razão obrigavam a Sociedade, a livrança é formalmente NULA.

  2. – No âmbito das obrigações cambiárias vigora o princípio da literalidade, o que significa que o conteúdo, extensão e modalidade do direito incorporado vale exclusivamente em conformidade com o teor do próprio título de crédito, da letra (ou livrança) nada mais pode resultar se não o que consta da mesma e nesse sentido, não se pode retirar das livranças dadas à execução que a Sociedade é obrigada cambiária, dado que os gerentes da mesma ao subscreverem as livranças não indicaram a qualidade em que o faziam.

  3. – O prescrito no artigo 32.º da LULL seja um requisito meramente formal com aplicação facultativa dos subscritores; caso assim fosse o legislador não teria o cuidado de o tornar Lei. Esta exigência é condição de validade da obrigação; 6ª – A causa de pedir na execução não é o título executivo, mas antes os factos constitutivos da obrigação exequenda, revelando-se os mesmos imprescindíveis para a fundamentação do pedido e respectivo título. A Recorrida não invocou em sede de execução a causa de pedir, designadamente os valores em débito e respectivos juros de mora em que incorriam os Recorrentes, sendo que do título não é possível retirar qual o contrato subjacente, qual o valor contratado e quais os débitos dos Recorrentes.

  4. – Sufragar a posição do Tribunal equivale a considerar totalmente despropositada a enunciação em qualquer requerimento executivo da descrição dos factos, designadamente da causa de pedir, bastando-se a execução com um título executivo válido. Ora, diz-nos o artigo 703.º, n.º 1, alínea c) do CPC que: “à execução apenas podem servir de base c) os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo”. Daqui resulta, pois, que não emergindo do...

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