Acórdão nº 667/14.2T8MTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 05 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelJORGE SEABRA
Data da Resolução05 de Junho de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 667/14.2T8MTS.P1- Apelação Origem: Matosinhos – Instância Local - Secção Cível – J3.

Relator: Jorge Seabra 1º Adjunto Des.

Sousa Lameira.

  1. Adjunto Des.

    Oliveira Abreu* * Sumário: (elaborado pelo Relator)I. O contrato de transporte marítimo de mercadorias pode ser definido como aquele em que uma das partes, o armador, se obriga à deslocação de mercadorias por via marítima, bem como à sua entrega ao destinatário, e em que a outra parte, o carregador, se obriga ao pagamento do frete.

    1. O conhecimento de embarque ou de carga («Bill of Lading») é o documento emitido pelo armador em execução de um contrato de transporte marítimo e por este último entregue ao carregador que assinala a recepção de mercadorias para fins de transporte e que representa essas mesmas mercadorias.

    2. Destarte, são lhe assinaladas três funções essenciais: - prova do contrato de transporte celebrado entre o carregador e o transportador e as suas condições e termos; - recibo do recebimento das mercadorias a bordo por parte do transportador; - título representativo das mercadorias, conferindo ao seu portador um direito (real) de propriedade sobre as mercadorias e, ainda, um direito pessoal à sua entrega.

    3. Tendo o vendedor/exportador acordado com um banco (consignatário) da praça do comprador/importador enviar ao mesmo os documentos representativos das mercadorias transportadas (incluindo os originais do conhecimento de embarque), de forma que este garantisse que o comprador, em momento prévio ao levantamento das mercadorias, efectuava o pagamento do preço, incorre em incumprimento e responsabilidade pelos consequentes prejuízos causados ao vendedor/exportador, o banco que, estando na posse desses documentos representativos da mercadoria, os entrega ao comprador, que procedeu ao levantamento das mercadorias, sem efectuar ou garantir o pagamento do aludido preço.

    * * Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto: I - RELATÓRIO.

    1. “ B…, S.A.”, com sede em …, Matosinhos, veio intentar a presente acção declarativa contra “ C…, Lda. ”, com sede em …, …, República de Cabo Verde, “ D…, Lda. ”, com sede na Rua …, …, “Banco E…”, com sede em …, Ilha de …, República de Cabo Verde e “F…, Lda.”, com sede em …, Ilha do …, Cabo Verde, pedindo a condenação solidária dos Réus no pagamento à Autora da quantia de 3.537.119$00, acrescida de juros vincendos sobre 2.390.472$00 até integral e efectivo pagamento; e, subsidiariamente, a condenação da 1ª Ré a pagar à Autora a quantia de 2.390.472$00, com base no princípio do enriquecimento sem causa, acrescida de juros contados desde a citação.

    Alega para o efeito que o seu objecto social consiste na produção e comercialização de bebidas em geral, enquanto a 1ª Ré se dedica ao comércio a retalho de produtos alimentares, nomeadamente, ao comércio de bebidas.

    No exercício das respectivas actividades, a 1ª Ré encomendou à “B1…, S.A.”, com a anuência do 4º Réu - empresa intermediária da Autora no território de Cabo Verde -, nomeadamente, cerveja. Essa compra e venda consistiu em duas remessas acordadas e facturadas por 1.195.236$00 de cerveja denominada B2…. Na sequência do contrato, a Autora encarregou-se de fazer transportar as mercadorias encomendadas para Cabo Verde, para o que contratou a 2ª Ré - empresa transitária - que se encarregaria de todos os pormenores relacionados com o transporte da mercadoria para Cabo Verde. A obrigação da Autora, segundo a cláusula convencionada “Shippers Load Stowage and Count”, resumiu-se ao carregamento e selagem dos contentores. Todavia, do contrato de transporte celebrado com a 2ª Ré resultou para esta última a obrigação de validar os B/L (conhecimento de embarque) - validação essa que apenas poderia ser efectuada após o consignatário, aqui 3º Réu, dar pertence aos conhecimentos de embarque - para que a 1ª Ré pudesse levantar as mercadorias no cais. Outra das condições para que a 1ª Ré pudesse proceder a esse levantamento é a que resulta da cláusula “Freight Payable at Destination”, o pagamento do frete, pagamento esse que cabia ao consignatário.

    Dever-se-ia processar tudo da seguinte forma: - os documentos relativos às mercadorias exportadas eram apresentados ao 3º Réu para se proceder então ao pagamento ou à sua garantia. Depois, já na posse dos documentos, a 1ª Ré entregaria ao agente transportador os originais “Bill of Landing” sem os quais a mercadoria não podia ser levantada.

    A mercadoria foi transportada até ao Porto de … - local de carga - pela Autora e aí entregue à 2ª Ré, procedendo então esta ao seu envio para … por navio. A mercadoria chegou ao seu destino em …, tendo sido entregue à 1ª Ré. Contudo, a 2ª Ré fez a entrega sem exigir a entrega dos originais do B/L com atestação do pagamento ou sinalização do preço por meio do 3º Réu. Também a 1ª Ré levantou a mercadoria sem pagar ou dar qualquer garantia de pagamento. Acresce que o 3º Réu, tendo tido na sua posse os B/L (posse que lhe possibilitou o pagamento do frete), restituiu-os às 1ª e 2ª Rés sem ter assegurado o pagamento ou a garantia do preço. Finalmente, o 4º Réu ajudou e arquitectou toda esta dolosa actuação.

    Apesar de instada para o efeito, a 1ª Ré sempre se recusou a fazer o pagamento da mercadoria que recebeu ou a negociá-lo.

    Em face do exposto, conclui que os Réus estão solidariamente obrigados a pagar à Autora a quantia de 2.390.472$00, acrescida dos respectivos juros.

    Caso assim não se entenda, defende que lhe assiste o direito de receber da 1ª Ré a quantia em causa, já que recebeu as mercadorias e não as pagou ou, subsidiariamente, com fundamento em enriquecimento sem causa.

    *2.

    Válida e regularmente citadas todas as Rés apenas contestaram a 2ª Ré “D…, Lda” e a 4ª Ré “F…, Lda”.

    A Ré “D…, Lda” defendeu-se por excepção, invocando a sua ilegitimidade passiva e, caso assim não se entenda, a prescrição do direito da Autora.

    Alega desconhecer a 1ª Ré, bem como o negócio assente entre a 1ª e 3º Réus e a Autora, intermediado pelo 4º Réu. Apenas foi interveniente num contrato de prestação de serviços com a Autora, o qual tinha por objecto a reserva de espaço em navio para o transporte (pelo armador) de dois contentores com destino a Cabo Verde.

    Nessa conformidade, interveio em todos os seus actos, em nome e por conta da Autora, como se seu agente ou mandatário se tratasse, não tendo celebrado com ela qualquer contrato de transporte, até porque não é transportadora; Efectivamente, o contrato de transporte dos contentores por navio foi celebrado entre a Autora e a “G…, Lda”. Foi a Autora, ou quem esta encarregou do transporte da mercadoria das suas instalações até ao Porto de …, que a entregou à prumada do navio para embarque, embarque esse efectuado pela empresa de estiva que estava a operar, à data, em …, e por funcionários do armador, proprietário do navio.

    Acresce que, conforme consta do B/L, a mercadoria tinha como consignatário o 3º Réu. Só este ou quem este mandatasse para o efeito poderia proceder à libertação e entrega da mercadoria.

    Por outro lado, aquando da chegada do navio ao porto de destino, não incumbe à 2ª Ré proceder à entrega das mercadorias, o que incumbe ao armador que apenas pode entregar a mercadoria ao consignatário e nas condições expressas no B/L, ou seja, contra a entrega do original do B/L devidamente atestado do pagamento ou garantido o mesmo pelo consignatário, também responsável pelo pagamento do frete.

    Se a 1ª Ré levantou a mercadoria sem a pagar ou garantir o seu pagamento, a responsabilidade por tal facto apenas pode imputar-se à 1ª e ao 3º Réus.

    Conclui que em causa nos autos está um puro direito de crédito da Autora sobre a 1ª e o 3º Réus, não se tendo a 2ª Ré vinculado, fosse a pagar o valor da mercadoria, fosse a garantir o seu pagamento, não se vislumbrando qualquer conluio ou conduta dolosa da sua parte.

    A Ré “F…, Lda” também se defendeu por excepção, invocando a sua ilegitimidade passiva.

    Defendeu-se ainda por impugnação, alegando que no âmbito da actividade exercida ao abrigo da relação comercial mantida com a Autora agenciou e angariou a 1ª Ré como cliente da Autora para o fornecimento de cerveja. Deste modo, a encomenda efectuada pela 1ª Ré à Autora não teve nem deixou de ter a anuência da contestante. Por outro lado, somente o 3º Réu, como consignatário da mercadoria, poderia validar o B/L, exarando o pertence a favor da 1ª Ré e entregando-lhe o original do B/L e das facturas, para que esta pudesse levantar a mercadoria. Se a entrega da mercadoria foi efectuada completamente livre e sem a entrega dos originais do B/L, a responsabilidade apenas pode ser assacada ao armador e ao 3º Réu que era quem tinha na sua posse os originais dos documentos. Quanto à alegada “actuação culposa” da contestante, nada é dito que a consubstancie.

    *3.

    Notificada das contestações apresentadas, a Autora apresentou réplica, na qual pugnou pela improcedência das excepções invocadas e deduziu o incidente de intervenção principal de “G…”.

    *4.

    Por despacho de fls. 152 e ss., foi admitida a intervenção principal provocada passiva da chamada, a qual, citada regularmente, não apresentou contestação.

    *5.

    Por despacho de fls. 193 e ss. foi a Autora convidada a aperfeiçoar a petição inicial, convite que esta acatou, apresentando nova petição inicial a fls. 197 e ss., em termos que aqui se dão por reproduzidos.

    *6.

    Foi proferido despacho saneador, no qual foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade passiva, foi relegado para final o conhecimento da excepção de prescrição, considerando-se quanto ao mais a instância válida e regular.

    Foram, ainda, seleccionados os factos assentes e organizada a base instrutória.

    *7.

    Procedeu-se a julgamento, sendo que no final do mesmo a Autora desistiu do pedido relativamente às Rés “D…, Lda”, “F…, Lda” e “G…, Lda”, desistência já homologada por sentença transitada em julgado.

    Foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a causa, condenando a Ré “C…, Lda. “ a pagar à Autora a quantia de €11. 923, 64, acrescida...

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