Acórdão nº 2894/16.9T8STS-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelJORGE SEABRA
Data da Resolução26 de Outubro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 2894/16.9T8STS-A-P1 - Apelação Origem: Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia – J2.

Relator: Jorge Seabra 1º Adjunto Des.

Maria de Fátima Andrade 2º Adjunto Des.

Oliveira Abreu* *Sumário: I. O processo especial de suspensão e destituição de titulares de órgãos sociais (gerente) previsto no art. 1055º do CPC comporta dois procedimentos autónomos e independentes entre si: -um procedimento de natureza cautelar, decretado a título provisório e antecipatório, que tem por objecto a pretensão de suspensão de funções do gerente; - um procedimento ou acção, sujeita às regras dos processos de jurisdição voluntária, que tem por objecto a pretensão principal de destituição do cargo de gerente.

  1. Entre ambos os procedimentos existe a relação que intercede, nos termos gerais, entre uma decisão cautelar e a posterior decisão da acção principal, com a particularidade de o procedimento cautelar correr termos e ser decidido, autonomamente, no próprio (e único) processo principal.

  2. Decretada, sem a prévia audição do requerido, a imediata suspensão das suas funções de gerente, ao requerido assiste o direito de reverter essa decisão cautelar por meio de recurso, em particular se o mesmo não foi citado para os efeitos previstos no art. 372º, n.º 1 al. b) do CPC, aplicável, em termos subsidiários, ao procedimento cautelar de suspensão de gerente.

  3. No âmbito dos procedimentos de natureza cautelar, o legislador sempre que pretendeu afastar a regra do contraditório prévio do requerido, nos termos do art. 366º, n.º 1 do CPC, fê-lo de forma expressa e inequívoca.

  4. A especialidade do procedimento cautelar de suspensão de gerente ou o seu caracter de procedimento urgente não constituem, de per si, razões bastantes para o afastamento do princípio estruturante do processo civil (e com expressão constitucional ao nível do princípio do Estado de Direito) do princípio do contraditório prévio ao decretamento da providência.

  5. A expressão “imediatamente” empregue pelo legislador na redacção do n.º 2 do art. 1055º do CPC [oriunda do art. 1484º-B, n.º 2 do CPC, na versão introduzida pelo DL n.º 329-A/95] não traduz uma vontade inequívoca no sentido do estabelecimento da regra absoluta de exclusão da audiência prévia do requerido em procedimento de suspensão de funções de gerente, antes pretendendo enfatizar o caracter urgente do procedimento e a circunstância de o mesmo ser decidido autonomamente e em momento anterior à decisão do pedido principal de destituição.

  6. Não excluindo o legislador o contraditório do requerido, o juiz apenas pode afastar a audiência prévia do requerido se a sua audição colocar «em risco sério o fim ou a eficácia da providência», nos termos consignados no art. 366º, n.º 1 do CPC.

  7. Por conseguinte, afastando o juiz a audição prévia do requerido mediante despacho que não contenha qualquer fundamentação ao nível do aludido critério legal, não só o respectivo despacho está ferido de nulidade, em conformidade com o disposto no art. 615º, n.º 1 al. b) do CPC, como, ainda, a própria decisão de decretamento da suspensão é nula por a inobservância do formalismo legal (audição prévia do requerido) ter manifesta influência na decisão da causa, em conformidade com o disposto no art. 195º, n.º 1 do CPC.

  8. Para efeitos de justa causa de suspensão e/ou destituição não é bastante a simples violação de deveres de conduta impostos ao gerente ou o impedimento, por razões de doença, do exercício das suas funções, sendo mister que essa violação ou impedimento assumam foros de gravidade que comprometam a confiança dos sócios no gerente, tornando inexigível à sociedade ou aos demais sócios a permanência do gerente no seu cargo.

* *Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto: I-RELATÓRIO: 1.

B..., Eng.º ..., residente na Rua ..., n.º .., 4º Direito, Porto intentou contra C..., casado, residente em ..., n.º ..., 5º Esq., Porto, acção de destituição de gerente na sociedade por quotas denominada “D..., Lda. “, com sede na Rua ..., n.º ..., Maia, de que são ambos, Autor e Réu, os únicos sócios, com o capital social de € 500.000,00, dividido em duas quotas iguais com o valor nominal de € 250.000,00, cada um.

Como fundamentos para a destituição e suspensão peticionadas, invocou o Autor, para efeitos do preceituado no art. 257º, n.º 4 do Código das Sociedades Comerciais, a título de justa causa, a circunstância de o Réu se encontrar incapaz (por doença) para o exercício das suas funções de gerente, a circunstância de o Réu ter violado gravemente os seus deveres de gerente, designadamente, promovendo unilateralmente aumentos das suas próprias remunerações, atribuindo e fruindo de benefícios injustificados em seu favor e de membros da sua família (esposa, filhos e netos), omitindo informações e prestando falsas informações, realizando uma gestão oligárquica da empresa apenas em seu benefício e da sua família, sem preocupação pelos interesses dos demais sócios e dos trabalhadores e sem providenciar pela legal distribuição de lucros.

Destarte, concluiu, o Autor peticionando que, em face da sobredita violação grave dos deveres de gerente por parte do Réu e da sua incapacidade presente para o exercício do cargo e os danos e os riscos que a manutenção da situação está a provocar na sociedade “D...”, seja proferida decisão urgente sobre a mesma e, como tal, a respectiva suspensão imediata de funções, sem audição do Requerido, sendo confiados provisoriamente ao Autor os poderes de gerência da sobredita sociedade.

Mais, ainda, concluiu, peticionando que, a final, seja decretada a destituição do Réu das suas funções de gerente da sobredita sociedade, com fundamento em justa causa.

*2.

Conclusos os autos, foi proferido despacho liminar, no qual, sem audiência prévia do Requerido, se decretou a sua suspensão imediata das funções de gerente da sociedade “D..., Lda.”, com justa causa, sendo substituído em tais funções pelo requerente B... e por forma a garantir a gestão da mesma.

Mais, ainda, se determinou que, após, a notificação da decisão, fosse o Réu citado, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 3 do art. 1055º do Código de Processo Civil.

*3.

Inconformado com este despacho dele veio interpor recurso (admitido pelo despacho a fls. 367-368 dos autos) o Réu C..., em cujo âmbito deduziu as seguintes CONCLUSÕES 1. No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 392-A/95 de 12 de Dezembro que reformou o Código de Processo Civil de 1961, o legislador afirmou que o objectivo da introdução do preceito foi realizar uma adequação entre Código de Processo Civil e o Código das Sociedades Comerciais.

  1. Foi, assim, criado um processo de jurisdição voluntária onde o legislador regulou o direito dos sócios a pedir a destituição dos titulares dos órgãos sociais.

  2. Ao mesmo tempo e em paralelo, dado que o pedido de destituição deixou de seguir o processo comum, veio possibilitar que, no âmbito do processo de jurisdição voluntária, o Tribunal decretasse, através de uma “resolução”, a suspensão do membro de um órgão social, em relação ao qual era dirigido o pedido de destituição.

  3. Esta solução (possibilidade de ser tomada a “resolução” de suspensão) visou substituir a providência cautelar não especificada a que o autor da ação poderia recorrer, sempre que se verificassem os pressupostos para a mesma, como antecipatória destinada a assegurar a efetividade do direito que era exercido na ação de destituição.

  4. O artigo 1055.º do atual Código de Processo Civil reproduz “ipsis verbis” o artigo 1484.º-B do Código de Processo Civil de 1961, na redacção dada pela reforma operada pelo Decreto-Lei n.º 392-A/95, de 12 de Dezembro.

  5. Assim, o intérprete e aplicador da norma tem de atentar nas orientações e indicações dadas pelo legislador e que se enumeraram na secção 2 das presentes alegações.

  6. O legislador, pelas razões acabadas de explicitar, evidenciou que a intervenção judicial nas sociedades se deve revestir de um especial cuidado, de modo a evitar decisões que, pela falta de recolha da informação necessária e indispensável à decisão, possam prejudicar a sociedade e em particular a empresa que a primeira constitui a estrutura jurídica.

  7. E isto porque o interesse da sociedade-empresa não é exclusivo dos seus sócios, mas de todas as demais pessoas físicas, entes colectivos, Estado e comunidade em geral, a quem a preservação da mesma assegura emprego, criação de riqueza para o país e receitas para o Estado poder exercer as suas funções.

  8. É, pelo exposto, inquestionável que a intervenção dos Tribunais nas sociedades se tem de pautar pela cautela que decorre das preocupações que foram apontadas ao legislador.

  9. Por esse motivo, a decisão de suspensão só pode ser tomada depois de o Tribunal investigar os factos, coligir as provas e recolher todas as informações indispensáveis à decisão a proferir, atendendo que a mesma pode pôr em causa a empresa de que a sociedade constitui a estrutura jurídica.

  10. No caso concreto, a forma como foi tomada a “resolução” de suspender o recorrente de gerente desrespeitou essas orientações, conforme se demonstrou na secção 4 das presentes alegações e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.

  11. A resolução de suspensão constitui uma verdadeira medida cautelar que pretendeu substituir o recurso ao procedimento cautelar não especificado.

  12. O legislador pretendeu que, no mesmo processo, o Tribunal decidisse a medida cautelar (suspensão) e tomasse a decisão definitiva de destituição.

  13. A medida de suspensão prevista no n.º 2 do artigo 1484.º-B do Código de Processo Civil, introduzido pela reforma de 1995 e que corresponde “ipsis verbis” ao actual n.º 2 do artigo 1055.º do actual Código, constitui uma medida cautelar.

  14. Enquanto medida cautelar, a mesma só poderá ser decretada, sem prévia audiência do requerido, nas mesmas condições em que o poderiam ser os procedimentos cautelares comuns.

  15. Tais condições ou pressupostos serão os que se encontravam e encontram previstos no procedimento cautelar comum, ou seja, no...

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