Acórdão nº 852/15.0PPPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelMANUEL SOARES
Data da Resolução26 de Outubro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 852/15.0PPPRT.P1 Comarca do Porto 6ª Secção do Juízo Local Criminal do Porto Acórdão deliberado em Conferência 1. Relatório 1.1 Decisão recorrida Por sentença proferida em 21 de Março de 2017 a arguida B… foi condenada pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto nos artigos 86º nº 1 al. d), com referência aos artigos 2º nº 1 al. a) e nº 5 al. g), 3º nºs 1 e 2 al. h) e 4º nº 1, da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de €7.

1.2 Recursos 1.2.1 O Ministério Público interpôs recurso pedindo a absolvição da arguida com base em erro de julgamento dos factos em que ficaram determinados os elementos subjectivos do tipo de crime, alegando, em suma, que as declarações da arguida e o depoimento da testemunha C…, nos segmentos que elencou, impõem decisão diversa daquela a que o tribunal chegou.

1.2.2 A arguida também interpôs recurso, pedindo igualmente a sua absolvição e, a título subsidiário, a redução da pena. Alegou, em resumo, que houve erro de julgamento dos factos onde se deu como provado que actuou com dolo e conhecimento da ilicitude, com violação dos parâmetros da livre apreciação da prova e do princípio in dubio pro reo e que, quanto à pena, a sua fixação não obedeceu aos critérios legais.

A este recurso respondeu o Ministério Público para, no essencial, manifestar a sua concordância com o pedido de absolvição.

1.2.3 Na Relação o Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso do Ministério Público e da arguida, quanto à absolvição por erro de julgamento da matéria de facto, e de procedência parcial do recurso da arguida, quanto à pena, que considera dever ser de admoestação. Afirmou, no geral, que os excertos de prova elencados pelo Ministério Público comportam a leitura que o tribunal fez na sentença recorrida e não impõem decisão diversa, não tendo havido violação do princípio da livre apreciação da prova.

  1. Questões a decidir no recurso As questões a decidir são as seguintes, por esta ordem: - A arguida cumpriu o ónus de especificação dos factos e das provas para impugnar o erro de julgamento da matéria de facto? - Houve erro de julgamento dos factos relativos aos elementos subjectivos do crime? - Houve erro de julgamento na interpretação e aplicação do direito quanto à determinação da pena? - Qual a repercussão desse erro na aplicação do direito e na pena? 3. Fundamentação 3.1. Factualidade provada e sua fundamentação Começamos por transcrever da sentença recorrida os factos provados e não provados e a respectiva fundamentação (sem as referências doutrinárias e jurisprudenciais e a exposição teórica sobre o conceito do dolo e a prova indiciária): MATÉRIA DE FACTO PROVADA: Em data não concretamente determinada, mas em 2008, a arguida, B…, entrou na posse de 1 (um) aerossol de defesa, que lhe foi então oferecido pelo seu padrasto; O sobredito aerossol, da marca Top-Hit e com a menção super defence inscrita, de origem alemã, com formato cilíndrico e com capacidade para 40 ml de gás, continha uma solução de CS (2–clorobenzalmalononitrilo, substância com propriedades lacrimogéneas); No dia 19 de agosto de 2015, a arguida, B…, detinha tal aerossol, na cada onde então residia, sita na Rua …, n.º …, …, no Porto; A arguida detinha o supradito objeto, cujas características conhecia perfeitamente, nomeadamente a sua idoneidade para ser utilizado como meio de agressão e de causar lesões físicas; A arguida detinha tal aerossol de defesa, nas apontadas circunstâncias, sem ter nenhuma justificação válida para a sua posse; A arguida, B…, agiu de forma livre, voluntária e consciente, e detinha o referido objeto para agredir terceiros, caso fosse necessário, sendo ainda certo que o mencionado objeto apenas serve para ser utilizado como arma de agressão; Sabia ainda ser sua conduta proibida e punida por lei; A arguida é solteira e não tem filhas; Vive, sozinha, em Liverpool, Inglaterra, há cerca de um ano; É enfermeira e aufere 1600 libras mensais; Reside numa casa arrendada, a que corresponde a renda de 550 libras mensais; Não tem veículo motorizado; É licenciada em enfermagem.

    Do certificado de registo criminal da arguida consta que não tem antecedentes criminais.

    MOTIVAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS A facticidade positiva resultou da convicção do Tribunal, formada com base no conjunto da prova produzida.

    Em jeito preambular, anote-se que as declarações e o depoimento prestados foram objeto, nos termos legais, de gravação magnetofónica – por tal motivo, interessa sobrelevar apenas os aspetos substanciais da pertinente prova.

    Feito o reparo antedito, destaque-se que se consideraram, de pronto, as declarações da arguida B…, que, no perímetro objetivo, descreveu os factos nos exatos termos dados como assentes. Clarificou ainda o seguinte: o seu padrasto deu-lhe o aerossol quando tinha 15 anos, no seguimento de um problema que a declarante havia dito; tal aerossol destinava-se, por isso, à sua defesa, caso fosse necessário; por vezes, maiormente quando saía à noite, levava o aerossol; no dia em tela, solicitou a presença da polícia no local, dado que o seu companheiro, com quem então vivia, a agrediu; quando foi viver com o seu companheiro, levou o aerossol consigo; o aerossol estava no seu quarto, na mesinha de cabeira, no interior de uma bolsa, juntamente com produtos de higiene e de beleza; e foi o seu companheiro que entregou o aerossol à polícia.

    Porém, no quadrante subjetivo, a arguida tentou alijar a sua responsabilidade – para o efeito, no substantivo, pretextou o seguinte: ignorava que a detenção do aerossol era proibida; e, na sua perspetiva, o seu padrasto não lhe ia dar um objeto que fosse proibido (nesse contorno, desenvolveu que o seu padrasto não é uma boa pessoa [embora não tenha concretizado o que quis dizer com isso), mas era cuidadoso).

    Trata-se, contudo, ubi infra se destacará, de uma versão que não foi de nenhuma forma persuasória.

    Ponderou-se ainda o depoimento da testemunha C…, agente da PSP, que se dirigiu ao local, em face da particularidade de ter sido solicitada a presença da polícia; que conheceu a arguida por ocasião dos factos; e que apreendeu o aerossol.

    Incumbe então concretizar, de alguma forma, na fração predominante, o sobredito depoimento.

    A testemunha C…, com valência, concretizou: a presença policial foi reclamada pela arguida; a casa para onde se deslocou pertencia ao companheiro da arguida, de nome D…, e nela viviam os dois (o D… e a arguida); na oportunidade, a arguida, que estava muito perturbada e chorava bastante, afirmou que havia sido agredida pelo D…; ainda na circunstância, o D… disse que a arguida tinha usado o aerossol contra ele e que o jato correspondente o tinha atingido nas costas; desconhece onde estava guardado ao aerossol; e não se recorda quem entregou o aerossol.

    Ajuntou ainda que, perante a declaração do D…, a arguida lhe desvelou o seguinte: que tinha efetivamente usado o aerossol contra o D…, mas fê-lo por ter sido agredida por ele; e que o aerossol lhe havia sido dado pelo padrasto.

    Por fim, a testemunha afirmou ter ficado com a ideia/convicção de que a arguida não sabia que era proibida a detenção do aerossol.

    Valorizaram-se, também, os seguintes documentos: o auto de apreensão de fls. 8; e o exame pericial de ff. 69-70.

    Insta, neste ensejo, avultar que a sobredita versão da arguida B…, no segmento em que curou de apartar/abduzir a responsabilidade pelos factos dos autos, alegando ignorar a proibição da sua conduta, não se mostrou minimamente convincente – na verdade, a facticidade dada como assente ancorou, nessa fração, na inconcludência/fragilidade das declarações da arguida, em concatenamento com as regras da experiência e os critérios de normalidade (pelo tocante ao recurso a presunções, ligadas ao princípio da normalidade ou à regra geral da experiência (…).

    Neste cenário, visto que se questiona o dolo, interessa, por ora, atentar nas respetivas modalidades prevenidas no artigo 14.º, n.

    os 1-3, do Código Penal.

    Aí se assinala: (…) Alinhadas as preditas considerações, releva, hic et nunc, agregar, com interesse superlativo, as particularidades subsequentes.

    Em primeiro lugar, vale sobressair que a arguida detinha o aerossol desde data não concretamente determinada de 2008 – conforma-se aqui um hiato temporal, sobremodo, dilatado, que determina, quase de forma cogente, a consciencialização, por parte da arguida, da ressonância criminal da sua conduta. Significa isto que se admite, naturalmente, que a arguida, num primeiro momento, não tivesse conhecimento da proibição atinente à detenção do aerossol; todavia, já não se outorga/concede que, com o evolver do tempo, a arguida não tenha adquirido e firmado tal proibição.

    De outra parte, releva enfatizar as especificidades subsecutivas: a arguida detinha o aerossol para a sua defesa, caso fosse necessário (aliás, chegou a utilizá-lo, no dia em pauta, contra o seu companheiro); por vezes, máxime quando saía à noite, levava o aerossol; quando foi viver com o seu companheiro, levou o aerossol consigo; e o aerossol estava no seu quarto, na mesinha de cabeira, no interior de uma bolsa, juntamente com produtos de higiene e de beleza. Do exposto, assoma que a arguida renovava, com alguma frequência, a posse efetiva, concreta e material do aerossol.

    Incumbe ressaltar, nesta oportunidade, de forma terminante, o condicionalismo subsequente: a arguida ingressou no Curso de Enfermagem em 2011; tal curso teve a duração de 4 anos; e, à data dos factos, tinha-se licenciado há pouco tempo. Ora, do encadeamento de tais elementos, decorre naturalmente que a arguida, apesar de ter apenas 22 anos, era uma pessoa com uma capacidade de autocrítica acrescida e com um grau de inteligência relevante. Não é ainda ocioso aditar que uma pessoa que frequentou o curso de enfermagem e que obteve a correspondente licenciatura tem, de harmonia com as regras da experiência, uma nítida/clara propensão para se inteirar da...

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