Acórdão nº 217/15.3IDPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelV
Data da Resolução26 de Outubro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso nº 217/15.3IDPRT.P1 Acordam, em conferência, na 1.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto:I- RELATÓRIOAcusados e pronunciados pela coautoria de um crime de burla tributária, previsto e punido pelo artigo 87º, nºs 1 e 2 do RGIT e 26º do Código Penal, vieram os arguidos B…, Lda, com o NIPC ………, C…, marmorista, nascido a ../01/1973, D…, contabilista, nascida a ../12/1975, e E…, contabilista, nascido a 12/03/1945, a ser julgados em 1ª instância, sendo aí proferida sentença em que se decidiu: «

  1. Condenar o arguido C… pela prática de um crime de burla tributária previsto e punido pelo artigo 87º, nºs 1 e 2 do Regime Geral das Infrações Tributárias, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão.

  2. Condenar a arguida D… pela prática de um crime de burla tributária previsto e punido pelo artigo 87º, nºs 1 e 2 do Regime Geral das Infrações Tributárias e, por força do disposto no artigo 6º, nº1, alínea a) do mesmo diploma legal, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão.

  3. Condenar o arguido E… pela prática de um crime de burla tributária previsto e punido pelo artigo 87º, nºs 1 e 2 do Regime Geral das Infrações Tributárias e, por força do disposto no artigo 6º, nº1, alínea a) do mesmo diploma legal, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão.

  4. De acordo com o preceituado no artigo 50º, nºs 1 e 5 do Código Penal, suspendo a execução das penas de prisão aplicadas a todos os arguidos. pelo período de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses.

  5. Condenar a sociedade arguida "B…, Lda", pela prática de um crime de burla tributária previsto e punido pelo artigo 87º, nºs 1 e 2 do Regime Geral das Infrações Tributárias e, por força do disposto no artigo 7º, do mesmo diploma legal, na pena de 280 (duzentos e oitenta) dias, à taxa diária de €6,00 (seis) euros, perfazendo o montante global de €1.680,00 (mil seiscentos e oitenta) euros.

  6. Julgar improcedente o pedido de declaração [1] a favor do Estado do valor de €18.428,93, efetuado pelo Ministério Público, nos termos do disposto no artigo 111º do Código Penal. (…)»*Discordando da parte absolutória da sentença – ou seja, da corporizada na alínea f) que antecede – o Ministério Público interpôs o presente recurso, cuja fundamentação sintetizou nas seguintes conclusões: «- A perda da vantagem patrimonial deverá ser sempre declarada pois ela é uma consequência prática do crime.

É exclusivamente determinada por necessidades de prevenção do perigo da prática de novos crimes e imposta pelo ius puniendi do Estado.

- A declaração de perda é medida sancionatória que pretende mostrar ao infrator que o crime não compensa, obrigando assim o Estado a repor a situação do arguido no “status” em que o mesmo estaria caso não tivesse praticado o facto ilícito. Tal medida nada tem a ver com o direito da vítima a ser ressarcida! A declaração da perda da vantagem tem, ao invés, direta relação com a prática do facto ilícito típico! - Questão diferente é aquela que se prende, “a posteriori”, com a efetivação do ressarcimento do ofendido/lesado. Caso se declare perdida a vantagem do crime e paralelamente tenha havido vítima prejudicada pela prática do mesmo, a declaração de tal perda não terá eficácia prática porquanto aquilo que vier a ser declarado perdido a favor do Estado reverterá para a vítima do crime através do pedido de indemnização reclamado por esta.

Ou seja, o direito da vítima ficará sempre salvaguardado através do produto da declaração de perda. O arguido nunca pagará duas vezes.

- O Ministério Público deverá sempre requerer a declaração de perda pois tal pedido impõe-se como medida sancionatória de per si independentemente da eventual dedução de qualquer pedido de indemnização. É no interesse de toda a comunidade que o arguido seja colocado, sempre, na situação que teria, caso não tivesse praticado o facto ilícito típico. São interesses de prevenção geral que estão em causa, ou seja, é o interesse público que o impõe.

- “O legislador português, ao invés do sistema tradicional alemão… optou por um sistema misto…. A obrigação de confisco é geral, sobrepondo-se à vontade egoísta de qualquer indivíduo, mas salvaguarda, igualmente, os seus direitos, nomeadamente através da adjudicação dos bens declarados perdidos ou do produto da sua venda às vítimas.” - O artigo 111º nº 2 do Código Penal não exclui qualquer situação, designadamente quando a vítima disponha de meios para recuperar aquilo de que ficou desapossada ilegitimamente.

Se a lei não exclui, porque o fez a Mmª Juiz “a quo”? - Se o Estado pode ressarcir a vítima através dos instrumentos e dos produtos que apreendeu ao arguido (artigo 130º nº 2 do Código Penal), por maioria de razão também o pode ressarcir através da vantagem do crime.

- Por último, a declaração de perda das vantagens do crime nunca prejudica o direito indemnizatório da Autoridade Tributária nem obriga o arguido a pagar duas vezes, porquanto a perda das vantagens do crime salvaguarda sempre o direito indemnizatório do ofendido ou do lesado e bem assim porque o fim último de tal instituto é colocar o arguido no status “ex ante” da prática do crime, isto é, retirando-lhe todo o seu património ilícito e não, obviamente, reduzir o seu património lícito!» Terminou o Ministério Público o seu recurso pedindo a alteração da decisão recorrida no ponto tido como mal julgado.

*A este recurso apenas a arguida B…., respondeu, condensando do seguinte modo as suas contra-alegações: «

  1. O arguido C… foi condenado pela prática de um crime de burla tributária previsto e punido pelo artigo 87°, nºs 1 e 2 do Regime Geral das Infrações Tributárias, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão.

  2. A arguida D… foi condenada pela prática de um crime de burla tributária previsto e punido pelo artigo 87°, nºs 1 e 2 do Regime Geral das Infrações Tributárias, e, por força do disposto no artigo 6°, nº l, alínea a) do mesmo diploma legal, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão.

  3. O arguido E… foi condenado pela prática de um crime de burla tributária previsto e punido pelo artigo 87°, nºs 1 e 2 do Regime Geral das Infrações Tributárias, e, por força do disposto no artigo 6°, n.º l, alínea a) do mesmo diploma legal, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão.

  4. De acordo com o preceituado no artigo 50°, nºs 1 e 5 do Código Penal, suspender a execução das penas de prisão aplicadas a todos os arguidos, pelo período de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses.

  5. A sociedade arguida foi condenada "B…, Lda" pela prática de um crime de burla tributária previsto e punido pelo artigo 87°, nºs 1 e 2 do Regime Geral das Infrações Tributárias, e, por força do disposto no artigo 7°, do mesmo diploma legal, na pena de 280 (duzentos e oitenta) dias, à taxa diária de €6,00 (seis) euros, perfazendo o montante global de €1.680,00 (mil seiscentos e oitenta) euros.

  6. Foi julgado improcedente o pedido de declaração a favor do Estado do valor de €18.428,93, efetuado pelo Ministério Público, nos termos do artigo 111° do Código Penal.

  7. Conclui-se que não deve haver lugar ao pedido de declaração a favor do estado, uma vez que, no caso concreto não há desinteresse por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira na reparação do seu direito, antes uma opção quanto à melhor forma de o obter, e por outro lado, a Autoridade Tributária e Aduaneira comunicou ao Ministério Público que não pretendia deduzir pedido de indemnização civil, por considerar suficientes os meios legais previstos para a execução fiscal da vantagem, neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23.11.2016, proc. 905/15.4IDPRT.P1.

  8. Pelo exposto, deve a douta sentença proferida pela Mmª Juiz do Tribunal a quo manter-se na íntegra.»*Já nesta instância de recurso, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto elaborou douto e copiosamente fundamentado parecer, em que sustenta brilhantemente o provimento do recurso.

*Cumpre decidir.

* II – FUNDAMENTAÇÃOO âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar [2], sem prejuízo das de conhecimento oficioso.

A única questão a decidir é a de saber se a perda de vantagens deve ser decretada, mesmo que a Fazenda Pública tenha possibilidades de recuperar os montantes perdidos no âmbito da jurisdição fiscal.

*Apesar de não ser posta em causa a matéria de facto fixada na sentença recorrida, vê-se interesse em reproduzi-la, para aferição e contextualização da questão de direito a resolver.

Factos provados (transcrição):«Instruída e discutida a causa resultaram provados os seguintes factos: 1. A sociedade "B…, Lda., encontra-se coletada para o exercício de "fabricação de artigos em mármore e de rochas similares" tem o número de identificação fiscal ………, o CAE ….. - R3, da área de serviço de Finanças de …, tendo exercido a sua atividade na Travessa … nº …, …, ….

  1. A sociedade aludida em a) iniciou a sua atividade em 1 de outubro de 1997 e encontrou-se enquadrada, em sede de IVA, no regime normal de periodicidade trimestral, tendo sido declarada insolvente por sentença proferida no dia 03-11-2015.

  2. O arguido C…, desde o dia do início da atividade até o seu encerramento, exerceu a gerência de facto da sociedade B…, Lda, nomeadamente contratando e despedindo trabalhadores, assinando documentos, cheques, contactando com fornecedores e clientes, remetendo os documentos à contabilidade, efetuando os pagamentos ao fisco, segurança social e demais démarches necessárias à gestão diária de tal sociedade.

  3. O arguido E… é contabilista certificado, inscrito na Ordem dos Contabilistas Certificados e exerceu a função de contabilista da sociedade B…, Lda, desde o seu início de atividade em 1997.

  4. A arguida D… é contabilista certificada, inscrita na Ordem dos Contabilistas Certificados e exerceu, conjuntamente com o seu pai, o arguido E…, a função de contabilista da sociedade B…, Lda, a partir do ano de 2012.

  5. A sociedade B…, Lda declarou, na...

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