Acórdão nº 1548/13.2JAPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelELSA PAIX
Data da Resolução11 de Outubro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 1548/13.2PAPRT.P1 Instância Central de Santa Maria da Feira – 2ª Secção Criminal (J3) – do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro Acordam, em Conferência, os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:I – RelatórioNa Instância Central de Santa Maria da Feira – 2ª Secção Criminal (J3) – do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, no processo coletivo nº 1548/13.2PAPRT, foi submetido a julgamento o arguido B…, tendo sido proferida decisão com o seguinte dispositivo: Face ao exposto, por deliberação dos juízes que compõem o Tribunal Coletivo: A.) Declara-se extinto, por caducidade, o direito de queixa exercido pela mãe da menor mediante a denúncia apresentada nestes autos em 31 de julho de 2013.

B.) Convolando-se a qualificação jurídica efectuada na acusação, tal como supra exposto, declara-se a ilegitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal, para dar prosseguimento ao processo e deduzir acusação contra B…, em relação aos crimes de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelo artigo 172.º n.º 1, do Código Penal vigente na data da prática dos factos, e, consequentemente, declara-se extinto o presente procedimento criminal.

C.) Consequentemente, declara-se extinta a respectiva instância civil relativamente ao pedido de indemnização civil deduzido pelo Ministério Público em representação da menor contra o arguido/demandado, absolvendo-se este da mesma instância.

D.) Sem custas.

Deposite o acórdão - artigo 372º, nº5 do Código de Processo Penal.

Notifique.

***Inconformado com a decisão, veio o Ministério Público interpor o presente recurso, terminando a respetiva motivação com as seguintes conclusões (transcrição): 1 - O arguido foi acusado pela prática de sete crimes de abuso sexual de crianças.

2 - Foram dados como provados todos os factos constantes da acusação, exceto que os factos descritos na acusação ocorreram até ao mês de novembro de 2007 e que tenha sido a conduta do arguido a única causa da sintomatologia apresentada pela vítima.

3 - A lei não exige a prolação de despacho no qual o Ministério Público consigne expressamente que dá início ao procedimento criminal e fundamente que atua no interesse da vítima ou que o pretende fazer, de molde a promover o impulso processual, ao abrigo do disposto no artigo 178.°, n.° 4, do Código Penal, na redação vigente à data da prática dos factos (introduzida pela Lei n.° 99/2001, de 25 de agosto).

4 - A própria realização das diligências de investigação e, sobretudo, a dedução de acusação são atos do Ministério Público dos quais resulta inequivocamente a decisão de iniciar e prosseguir o procedimento criminal, não exigindo a lei que o Ministério Público o consigne, por despacho, de forma expressa, não o podendo exigir, portanto, o julgador.

5 - Não cabe ao julgador sindicar se o interesse do ofendido, menor de 16 anos, impõe que o Ministério Público dê início ao procedimento criminal.

6 - No caso dos autos, porém, ao contrário do que é afirmado no douto acórdão recorrido, é do interessa da vítima que o Ministério Público dê início ao procedimento criminal.

7 - E isto, porque, quer a ofendida - que, à data da prática dos factos, tinha apenas oito anos de idade -, quer os seus progenitores e o arguido pertenciam a uma comunidade religiosa cujos princípios ou regras se pautam pela não resolução de conflitos entre os respetivos membros nos Tribunais ou nas instâncias formais de controle, deixando à "Igreja" a resolução dos conflitos entre os membros da congregação religiosa (cfr. depoimentos prestados em sede de inquérito).

8 - O interesse da vítima - uma criança de oito anos - impõe que o Ministério Público dê início ao procedimento criminal, já que o exercício da ação penal não deverá ficar condicionado pelas convicções religiosas dos seus progenitores, nem mesmo pelo sentimento de impunidade a que o agente do crime se amparou, por saber que estava a atuar contra uma criança filha de membros daquela congregação religiosa, os quais, por devoção religiosa, com elevado grau de probabilidade, não denunciariam os factos às autoridades (aliás, tal circunstância não deve ter sido inócua na "escolha" da sua vítima).

9 - Por outro lado, o interesse da vítima - desta concreta vítima - impunha que o Ministério Público desse início ao procedimento, pois a mesma manifestou que, só mais tarde, e já em França, país onde passou a residir após os factos, assistiu a uma reportagem sobre pedofilia e adquiriu consciência do que lhe acontecera e da gravidade dos factos (já que à data da prática dos factos não tinha maturidade emocional e intelectual para os compreender na sua real dimensão), ou seja, de ter sido vítima do crime de abuso sexual de crianças, tendo ficado revoltada com a situação, decidindo revelar os crimes de que fora vítima.

10 - O Ministério Público, ao dar início à investigação, assume que é do interesse da vítima que se dê início ao procedimento criminal, interpretando esse interesse em função dos elementos carreados para os autos, sobretudo, numa fase inicial, da decisão de revelação por parte da vítima.

11 - Por maioria de razão, não há maior afirmação de tal proposição do que a própria dedução de acusação pela prática de sete crimes de abuso sexual de crianças.

12 - Nunca veio a Defesa, ao longo do inquérito, invocar a ilegitimidade do Ministério Público para o procedimento criminal, aceitando a legitimidade do Ministério Público.

13 - A circunstância de a vítima verbalizar que pretende "esquecer" os factos - aliás, como o desejam todas as vítimas de crimes, sobretudo de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual - não permite extrapolar que é do seu interesse a impunidade do arguido -, sobretudo depois de ter sido ouvida em sede de declarações para memória futura, e de ter tido que relatar os factos em Tribunal a desconhecidos (depois de ultrapassado o momento mais doloroso e angustiante do processo).

14 - A vítima não manifestou, nesse momento, desejo de procedimento criminal contra o arguido, porque tal não lhe foi perguntado, sendo certo que também não manifestou o desejo de desistir do procedimento criminal, pelo que deverá ter-se por válida a legitimidade do Ministério Público para o procedimento criminal e, consequentemente, para deduzir a competente acusação.

15 - Quando se deu início ao procedimento criminal, não há dúvidas que a vítima ainda não tinha completado 16 anos de idade, sendo que o facto de os ter completado posteriormente não retira legitimidade ao Ministério Público.

16 - Deverá o arguido ser condenado pela prática, em autoria material e concurso, de sete crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 172.°, n.° 1, do Código Penal, na redação introduzida pela Lei n.° 99/2001, de 25 de agosto, que preceitua: "Quem praticar ato sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo consigo ou com outra pessoa, é punido com pena de prisão de1a8 anos".

17 - Quanto à escolha e determinação da medida da pena, nos termos do disposto nos artigos 40.°, 71.° e 77.°, do Código Penal, contra o arguido, ponderar-se-á: a tenra idade da vítima (oito anos); a circunstância de ter aproveitado a relação de suposta amizade e proximidade que o unia aos progenitores da vítima e o "fácil acesso" que tal relação lhe conferia à vítima - a mulher do arguido foi ama da vítima - ou seja, o aproveitamento, para satisfação dos seus impulsos sexuais, de uma relação de confiança pré-existente e de vizinhança; e ainda a circunstância de todos pertencerem a uma comunidade religiosa que doutrina os seus membros a evitarem conflitos entre si em Tribunal, e que pugna pela resolução dos problemas no seio da comunidade religiosa, através dos seus líderes, à margem das instâncias formais de controlo, designadamente dos Tribunais; a integração social e familiar do arguido; o comportamento posterior aos factos, ao apelidar os factos por si praticados, perante terceiros (testemunhas C… e D…, e mesmo do seu cônjuge, E…) de "brincadeira de crianças", revelando total desconsideração pela vítima e pelo bem jurídico tutelado com a incriminação; a negação da autoria dos factos, em sede de audiência de julgamento.

18 - E, pois, patente, que o arguido não interiorizou a antissocialidade nem a censurabilidade das suas condutas. Revela, pois, baixa autocrítica em relação aos seus comportamentos, sendo elevado o risco de reincidência, perante tal postura.

19 - O grau de ilicitude dos factos é elevado, bem como a intensidade do dolo, uma vez que o arguido persistiu nas condutas criminosas dirigidas contra a ofendida durante um longo período de tempo (vários meses).

20 - Os motivos que presidiram à conduta do arguido são igualmente censuráveis, pois agiu para mera satisfação dos seus impulsos sexuais.

21 - A favor do arguido milita o facto de não apresentar antecedentes criminais conhecidos.

22 - Tendo em mente o tipo legal de crime e a respetiva moldura penal, considerando que são elevadas as exigências de prevenção geral e de prevenção especial, reputam-se adequadas as seguintes penas parcelares: - quatro anos de pena de prisão para cada um dos seis crimes de abuso sexual de crianças descritos em 4., 5., 6., 7. e 8. dos factos provados; - seis anos de prisão para o crime descrito em 4., 5., 6., 7., 8., 9. e 10. dos factos provados.

23 - A moldura do concurso na qual se irá determinar a pena única a aplicar é de 6 (seis) anos a 25 (vinte e cinco) anos de prisão.

24 - Atendendo a todas as circunstâncias já enunciadas, afigura-se adequada mas necessária para satisfazer as necessidades da punição a pena de 13 (treze) anos de prisão.

25 - A mesma não é passível de substituição ou suspensão da sua execução.

26 - Quer as penas parcelares, quer a pena única resultante do concurso não ultrapassam a medida da culpa do agente, limite inultrapassável da medida da pena.

Deverá, assim, ser revogado o douto acórdão recorrido e substituído por outro que, reconhecendo legitimidade ao Ministério Público para o exercício...

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