Acórdão nº 2584/15.0JAPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelCRAVO ROXO
Data da Resolução11 de Outubro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

2584/15.0JAPRT.

*Acordam na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:*No processo comum colectivo nº 2584/15.0JAPRT, do 4º Juízo da 2ª Secção, Instância Central, de Vila do Conde, comarca do Porto, foi o arguido B... julgado e absolvido da prática em autoria material e concurso efectivo, de dois crimes de homicídio qualificado, na forma tentada, previstos nos Arts. 14º, 131º e 132º, nº 2, alíneas e) e h), do Código Penal e de um crime de incêndio, previsto no Art. 272º, nº 1, alínea a), do Código Penal.

*Desta decisão, recorre o Ministério Público, formulando as seguintes conclusões (sic), que balizam e limitam o âmbito do recurso (Ac. do STJ, de 15.04.2010, in http://www.dgsi.pt: “Como decorre do Art. 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, exceptuadas as questões de conhecimento oficioso”):*1- As razões do presente recurso prendem-se com erro notório na apreciação da prova, com os factos dados por provados e não provados e, consequentemente, com a decisão de absolver o arguido do crime de incêndio, na forma tentada.

2- Analisados à luz das regras da experiência e conjugados entre si, os factos apurados em audiência de julgamento e os documentos juntos ao processo (informação de serviço e fotogramas de fls. 2 a 10, auto de busca e apreensão de fls. 53 a 55, relato de diligência externa de fls. 57, cópia do talão de compra de fls. 58, auto de exame directo de fls. 111 e auto de visionamento de imagens do posto de abastecimento C... de fls. 120 a 126) deveriam ter conduzido o douto Colectivo a decisão diametralmente oposta à proferida.

3- É certo que não há confissões, não há imagens, não há testemunhos directos, não há objectos a gritarem por uma condenação. Nem seria de esperar que houvesse. De resto, se assim fosse, bem fácil seria, e não é, ser juiz, nenhuma perspicácia, inteligência e sentido de razoabilidade se imporiam.

4- Na prova indiciária, mais do que em qualquer outra, intervém a inteligência e a lógica do juiz. Porém, qualquer um daqueles elementos intervém em momentos distintos.

Em primeiro lugar é a inteligência que associa o facto indício a uma máxima da experiência ou uma regra da ciência; em segundo lugar intervém a lógica através da qual, na valoração do facto, outorgaremos à inferência feita maior ou menor eficácia probatória.

5- Há-de ser pela conjugação das provas recolhidas, caldeadas entre si e apelando às regras da razoabilidade e da experiência, que o tribunal tem de formar a sua convicção.

6- O tribunal acabou por desconsiderar a prova constante dos autos (informação de serviço da Policia Judiciária e fotografias de fls. 2 a 12, auto de busca e apreensão de fls. 53 a 55, relato de diligência externa de fls. 57, cópia do talão de compra de fls. 58, auto de exame directo de fls. 111 e auto de visionamento de imagens do posto de abastecimento C... de fls. 120 a 126).

7- De forma totalmente incompreensível, o tribunal entendeu, contra as regras da experiência comum desvalorizar: a natureza da gasolina, que é um produto químico altamente inflamável (ou seja, que pega fogo facilmente), e de ter sido colocado em perigo a vida de D... e de E... e um bem patrimonial alheio, circunstância de facto a ser dada como provada, sem margem para controvérsia. Finalmente, quanto ao valor elevado há que ter em conta o edifício valia, pelo menos, 70.000 euros; que arguido usou para transportar 2.23 litros de gasolina, que adquiriu no posto de abastecimento de combustível C..., o qual só continha cerca de 0,5 litros daquele combustível quando foi apreendido.

8- No desenvolvimento de um incêndio constitui factor essencial o tipo de combustível, sendo a gasolina um produto químico altamente inflamável (ou seja, que pega fogo facilmente), o que o arguido também não ignorava, antes revelando o seu modo de actuação o conhecimento dessas características. Caso contrário, porque recorreu a um isqueiro e incendiou a gasolina? Porque incendiá-lo na porta de por natureza compostos de materiais inflamáveis (fotografias de fls. 6 a 10); 9- Acresce que, o perigo criado com a conduta do arguido é também patente. Para lá do "perigo-violação" chegou-se ao "dano-violação". A esfera de protecção do bem jurídico a sua "barreira de protecção" foi claramente violentada ao ponto de mesmo este, como parte nuclear ser atingido.

10- Assim quanto à circunstância de ter sido colocado em perigo a vida de D... e de E... e um bem patrimonial alheio é essa igualmente uma circunstância de facto a ser dada com provada, sem margem para controvérsia.

11- Finalmente, quanto ao valor elevado do edifício há que ter em conta o edifício valia, pelo menos, 70.000 euros (depoimento da testemunha E..., disse que não sabia especificar qual o valor que teria a habitação, mas referiu que, há uns 15 anos, a senhoria pedia 70 mil euros pela casa toda (e não só a parte onde ele mora, sendo que moram 4 famílias no prédio inteiro) (ponto 2.3. Motivação dos factos provados).

12- E, naturalmente, pelo meio usado, a lógica dita que o arguido não poderia deixar de querer e prever, ao agir como agiu, que por via das suas características altamente inflamáveis, poderia vir a causar um incêndio incontrolável na habitação e seus habitantes, e, eventualmente, às habitações contiguas.

13- No que respeita ao elemento subjectivo dos crimes, a sua prova resulta da conjugação dos restantes factos dados como provados. Dado que o dolo pertence à vida interior de cada um, é portanto de natureza subjectiva, insusceptível de directa apreensão. Só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns de que o mesmo se possa concluir, entre os quais surge com maior representação o preenchimento dos elementos integrantes da infracção. Pode comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções, ligadas ao princípio da normalidade ou das regras da experiência.

É por isso pertinente afirmar, segundo as regras da experiencia comum, o Tribunal deveria ter dado como provado que o arguido representou e quis provocar o incêndio de relevo e que os bens postos em causa era a vida ou integridade física das pessoas que se encontravam no interior da habitação e o próprio edifício era de elevado valor.

14- Tal só não aconteceu porque as testemunhas D... e E..., quando estavam no quarto viram chamas na porta da entrada da habitação e a primeira coisa que fizeram foi apagá-las, com recurso a água.

Ou seja o fogo foi apagado com recurso a água, que reduziu a temperatura do local, retirando assim o calor existente na reação, conseguindo-se extinguir o fogo; circunstância que foi alheia e exterior à vontade do arguido e, dessa forma, evitaram que o fogo se propagasse ao interior da habitação, e, eventualmente que o fogo se propagasse às restantes habitações do edifício, colocando em perigo a vida ou integridade física das pessoas que aí se encontravam.

15- Importa ainda sublinhar que os factos ocorreram no dia 6 de Setembro de 2015, pelas 03h30m da manhã, não tendo resultado, em audiência de julgamento, que houvesse naquele momento, grande movimentação na rua, para além da deslocação do arguido à residência do ofendido E... para atear fogo à porta de entrada desta.

Nestas circunstâncias, de tempo e modo, resulta que o arguido acuou numa hora "pacta" e que os ofendidos foram surpreendidos pelo clarão das chamas na porta da habitação.

16- Posto isto entendemos que a própria conduta do arguido consubstancia uma acção de provocar incêndio de relevo, pois este não tem de ser exclusivamente em extensão ou em duração, pode revelar-se temporalmente diminuto. Basta, para isso, que se desencadeie junto de matérias altamente inflamáveis, o que se verificou nos presentes autos.

17- Por outro lado, resulta da prova directa e indirecta que para além da própria conduta, da acção de provocar incêndio de relevo, o arguido criou perigo, pelo menos, para bens patrimoniais alheios de valor elevado; tendo agido com dolo directo quanto ao incêndio, em si, e com dolo necessário quanto ao resultado do perigo criado. Isto é, in casu, verifica-se a combinação dolo-dolo (prevendo ainda o art. 272º as combinações dolo-negligência e negligência-negligência).

18- Em suma, com estes elementos o tribunal deveria ter dado como provados os seguintes factos: 19- O arguido preparou o crime de incêndio quando comprou a gasolina, despejou-a na porta de entrada dos ofendidos e iniciou a sua execução quando acendeu o isqueiro para atear o fogo.

Por isso, o seu comportamento revela que ao actuar da forma descrita, o arguido sabia que ao atear fogo à porta da habitação pertencente ao ofendido E..., poderia provocar a destruição de tal habitação e habitações contíguas e que causaria necessariamente um real e efectivo perigo para a vida das pessoas que se encontravam no interior das mesmas e de se propagar para bens patrimoniais alheios de valor elevado, o que quis e que só não conseguiu por razões alheias à sua vontade.

O arguido agiu voluntária e conscientemente, bem sabendo que incorria em responsabilidade criminal.

20- O Tribunal, sem deixar de ter presente que é à acusação que incumbe a prova do cometimento dos factos, não pode conformar-se apenas com a prova direta/prova «perfeita» Cada um dos factos dados por provados, e os que deveriam ter sido dado como tal, de que agora se recorre, na sua totalidade, se os pusermos a interagir entre si à luz das regras da experiência e da lógica, então sim, dar-nos-ão a convicção segura de que o arguido, para além de qualquer dúvida razoável, foi autor de incêndio de relevo.

Na decorrência lógica desta factualidade, teria o tribunal a quo de condenar o arguido pela prática de um crime de incêndio, na forma tentada, previsto e punido...

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