Acórdão nº 2020/13.6TAPVZ.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelDONAS BOTTO
Data da Resolução11 de Janeiro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc.nº 2020/13.6TAPVZ.P1 Acordam em Conferência no Tribunal da Relação do Porto Relatório Nos presentes autos, o MP determinou o arquivamento dos mesmos, por inexistência de indícios suficientes da prática pelos arguidos dos denunciados crimes de falsidade de testemunho, falsificação de documento e burla qualificada.

Veio então B… requerer a abertura de instrução, mas que também não foi admitida.

Por isso, o B…, inconformado, interpôs recurso para esta Relação, pretendendo que seja revogada a decisão recorrida e substituída por outra que o admita como assistente em relação aos crimes de falso depoimento e burla, declarando-se, consequentemente, a abertura da instrução.

***É do seguinte teor a decisão recorrida: Registe e autue como instrução.

*O assistente B…, notificado do despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público findo o inquérito, veio requerer a abertura de instrução com vista à pronúncia de: I – C… pela prática de: - Três crimes de burla qualificada na forma tentada p. e p. pelos art. 22º, 23º, 217º, nº 1 e 2 e 218º, nº 1 e nº 2, al. a) do Código Penal; - Um crime de falsificação de documento p. e p. pelo art. 256º, nº 1 e nº 3 e 258º do Código Penal, em co-autoria com a arguida D…; - Um crime de falsidade de testemunho p. e p. pelos art. 360º, nº 1 e 3 e 361º, nº 1, al. a) do Código Penal; II – E… e D… pela prática cada uma delas de: - Dois crimes de burla qualificada na forma tentada p. e p. pelos art. 22º, 23º, 217º, nº 1 e 2 e 218º, nº 1 e nº 2, al. a) do Código Penal; - Dois crimes de falsificação de documento p. e p. pelo art. 256º, nº 1 e nº 3 e 258º do Código Penal (cf. fls. 756 e art. 58º do RAI); - Dois crimes de falsidade de testemunho p. e p. pelos art. 360º, nº 1 e 3 e 361º, nº 1, al. a) do Código Penal;*O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da hierarquia, do território e da matéria e o requerimento formulado está em tempo (art. 287º, nº 1 do Código de Processo Penal).

*Da admissibilidade legal da instrução: I - Quanto aos crimes de falsificação de documento: Como resulta dos autos o assistente veio requerer a abertura da instrução, entre o mais, com vista à pronúncia dos arguidos pela prática do crime de falsificação de documento p. e p. pelo art. 256º, nº 1 e nº 3 e 258º do Código Penal.

Dos factos alegados no requerimento de abertura da instrução – cf. art. 27º a 58º - resulta que o assistente imputa aos arguidos terem forjado documentos contabilísticos da sociedade F… Lda. referentes aos anos de 1998, 1999 e 2000, designadamente, documentos intitulados “entradas de caixa” e o relatório de gestão relativo ao exercício de 1998, que foram redigidos conjuntamente pelas duas arguidas e assinados pelo arguido C…, sem que tivessem qualquer correspondência com a real contabilidade da empresa, para assim justificarem a existência de falsos suprimentos a favor do arguido C… entrados na contabilidade naqueles anos de 1998 a 2000.

Mais alega que tais documentos foram forjados para instruir, como instruíram, a acção ordinária nº 79/08.7TYVNG que correu termos pelo 3º Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, instaurada pelo arguido C… contra a sociedade “F…, Lda.”, em 4 de Fevereiro de 2008, com vista à condenação desta a pagar-lhe €1.610.000,00 a título de suprimentos.

E bem assim que, na sequência da sentença ali proferida, o arguido instaurou acção executiva para pagamento dessa quantia.

Dos factos alegados pelo requerente da instrução resulta portanto que, caso tenham sido forjados e usados tais documentos, foram-no a 4 de Fevereiro de 2008, data em que foi instaurada a acção ordinária acima referida, ou em data anterior.

O art. 256º do Código Penal pune a falsificação de documento com pena de prisão até três anos ou com pena de multa, no seu nº 1.

Mas, de acordo com o seu nº 3 “se os factos referidos no n.º 1 disserem respeito a documento autêntico ou com igual força, a testamento cerrado, a vale do correio, a letra de câmbio, a cheque ou a outro documento comercial transmissível por endosso, ou a qualquer outro título de crédito não compreendido no artigo 267.º, o agente é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias”.

A pena será, portanto, agravada se os factos disserem respeito a documento autêntico ou com igual força, a testamento cerrado, a vale do correio, a letra de câmbio, a cheque ou a outro documento comercial transmissível por endosso, ou a qualquer outro título de crédito não compreendido no artigo 267º.

No caso não foi alegado pelo assistente no requerimento de abertura da instrução que esteja em causa testamento cerrado, vale do correio, letra de câmbio, cheque ou outro documento comercial transmissível por endosso ou qualquer outro título de crédito. Assim, considerando os factos alegados, verificamos que a conduta dos arguidos apenas poderia cair na previsão daquele nº 3 se se indiciasse que forjaram documento autêntico ou com igual força.

Documentos autênticos são documentos exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividade que lhe é atribuído, pelo notário ou por outro oficial público provido de fé pública; todos os outros documentos são particulares – art. 363º, nº 2 do Código Civil. Um documento só é autêntico quando a autoridade ou o oficial público que o exara foi competente, em razão da matéria e do lugar, e não estiver legalmente impedido de o lavrar – art. 369º, nº 1 do Código Civil.

Documentos com igual força dos documentos autênticos são os documentos autenticados, ou seja, documentos particulares autenticados nos termos da lei notarial – art. 377º do Código Civil.

Ora, os elementos contabilísticos enunciados pelo requerente da instrução como tendo sido forjados pelos arguidos não são nem documento autêntico nem com igual força probatória, são antes meros documentos particulares e, como tal, a conduta descrita no requerimento de abertura da instrução nunca seria susceptível de integrar a previsão do nº 3 do art. 256º do Código Penal.

A ser assim apuramos que os crimes de falsificação de documento denunciados, caso tivessem sido praticados, o foram no dia 4 de Fevereiro de 2008 ou em data anterior.

Tendo presente que o crime de falsificação de documento p. e p. pelo art. 256º, nº 1 do Código Penal é punido com pena de prisão até 3 anos, verificamos que o seu prazo de prescrição é, nos termos do disposto pelo art. 118º, nº 1, al. c) do Código Penal, de cinco anos contados desde a data da sua prática, o que significa que o procedimento criminal relativamente aos denunciados crimes de falsificação de documento prescreveu, senão antes, a 4 de Fevereiro de 2013, ou seja em data anterior à instauração do presente procedimento criminal, o que sucedeu a 23/11/13.

Por outro lado, ainda que se considerasse que os factos alegados pelo assistente seriam susceptíveis de integrarem a previsão do art. 258º do Código Penal (crime de falsificação de notação técnica), por ele também referido no RAI, impunha-se a mesma conclusão, pois tal ilícito é também punido com pena de prisão até três anos, pelo que também estaria prescrito.

Decisão: Face ao exposto, declaro prescrito o procedimento criminal relativamente aos crimes de falsificação de documento que o assistente pretende ver imputados aos arguidos C…, E… e D… e, em consequência, ao abrigo do disposto pelo art. 287º, nº 3 do Código de Processo Penal, por legalmente inadmissível, não admito, nessa parte, a instrução por ele requerida e determino, nessa parte o oportuno arquivamento dos autos.

*II - Quanto aos crimes de falso testemunho: O assistente pretende ver: - O arguido C… pronunciado pela prática de um crime de falsidade de testemunho p. e p. pelos art. 360º, nº 1 e 3 e 361º, nº 1, al. a) do Código Penal, pelas declarações que, enquanto testemunha prestou, a 5/11/12, no processo nº 2107/11.0TBPVZ; - Cada uma das arguidas E… e D… pronunciadas pela prática de dois crimes de falsidade de testemunho p. e p. pelos art. 360º, nº 1 e 3 e 361º, nº 1, al. a) do Código Penal pelas declarações que prestaram nos processos nº 2531/06.0TBPVZ e nº 2107/11.0TBPVZ.

Quanto ao arguido C… o assistente invoca, para fundar, a prática de tal ilícito os factos que descreve nos art. 215º a 239º do RAI. Em suma, refere que, tendo prestado depoimento na acção ordinária nº 2017/11.0TBPVZ que correu termos pelo 3º Juízo Cível da Póvoa de Varzim instaurada por “F… Lda.” contra “G… Lda.” com vista à condenação desta a pagar à primeira a quantia de cerca de €80.000 relativa a fornecimento de areia, prestou depoimento falso, por ter atestado que facturas forjadas (falsas) titulavam verdadeiros fornecimentos.

Quanto às arguidas E… e D… invoca os factos que descreve nos art. 104º a 214º (cf. fls. 743), terem prestado falsos depoimentos enquanto testemunhas no âmbito de dois processos: - No processo nº 2531/06.0TBPVZ do 3º Juízo Cível da Póvoa de Varzim instaurado pela sociedade “F…, Lda.” contra o ora assistente B… e mulher pedindo a condenação destes a pagarem àquela a quantia de cerca de €550.000 correspondente a fornecimentos de areia não pagos, por terem falsamente atestado a existência de fornecimentos titulados por facturas falsas; - No processo nº 2017/11.0TBPVZ do 3º Juízo Cível da Póvoa de Varzim que correu termos pelo 3º Juízo Cível da Póvoa de Varzim instaurado por “F… Lda.” contra “G…, Lda.” com vista à condenação desta a pagar à primeira a quantia de cerca de €80.000 relativa a fornecimento de areia, por terem atestado falsamente que facturas forjadas (falsas) titulavam verdadeiros fornecimentos.

*Diz o art. 68º, nº 1, al. a) do Código de Processo Penal que se podem constituir assistentes no processo penal os ofendidos, considerando-se como tais os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação. Esse conceito de ofendido, estrito ou imediato, está também plasmado no art. 113º do Código Penal.

Ora, no que se reporta aos depoimentos...

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