Acórdão nº 976/15.3T8OVR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 30 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelCURA MARIANO
Data da Resolução30 de Janeiro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 976/15.3T80VR.P1 – Comarca de Aveiro – Ovar – Instância Local – Secção Cível J1 Relator: João Cura Mariano Adjuntos: Maria José Simões Abílio Costa Autor: B… Réu: C…*B… intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma comum, contra C…, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de €14.162,10, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, sobre o capital em dívida, desde a data da instauração da ação até efetivo e integral pagamento.

Para tanto alegou, em síntese, o seguinte: - conjuntamente com o Réu D… e E… são os únicos sócios da sociedade “F…, Lda”, a qual deixou de laborar há mais de dois anos.

- em 27.05.2013, a sociedade subscreveu a favor da “G…” uma livrança, com vencimento na mesma data, no valor de €50.104,24, livrança que ele, o Réu, bem como D… e H… avalizaram pessoalmente e que não foi paga aquando do seu vencimento pela sociedade subscritora.

- em 11.07.2013, a “G1…, SA”, através de um contrato de cessão de créditos, endossou a livrança a C…, pelo valor de €48.157,69, que instaurou contra o aqui Autor, D… e H…, na qualidade de avalistas, ação executiva visando obter o pagamento de €48.157,69, referente a capital exequendo, acrescido de juros de mora e demais encargos com a execução.

- A execução foi declarada extinta devido ao pagamento integral da quantia exequenda e custas processuais e determinado que o título executivo fosse entregue ao Autor.

- O D… e H…, na qualidade de avalistas, pagaram 50% do valor, no montante de €27.695,80, e o Autor, também na qualidade de avalista, pagou os restantes 50%.

- O Réu, na qualidade de avalista, também é responsável pelo pagamento de 25% do valor total, no montante de €13.847,90 e, tendo o Autor procedido ao pagamento desta parte da dívida, assiste-lhe o direito a ser reembolsado por aquele.

O Réu contestou a ação, em suma, alegando o seguinte: - Respeitando a quantia paga pelo Autor a uma livrança subscrita pela sociedade “F…, Lda”, impunha-se a demanda desta sociedade, porquanto é aquela a única responsável pela totalidade do valor.

- Às relações entre os coavalistas de uma livrança são aplicáveis as normas de direito comum que regulam a fiança, em particular o artigo 650.º do Código Civil, sendo a responsabilidade do coavalista limitada à sua quota-parte no aval prestado e solidária com a do avalizado, pelo que os coavalistas só respondem na medida da sua quota-parte de responsabilidade e após haverem sido executados os bens da devedora principal.

- Só depois de acionado o subscritor da livrança é que o coavalista que pagou poderá exigir dos outros coavalistas, designadamente do Réu, o valor que caberia a este, sendo que, no caso, o Autor não acionou judicialmente a “F…, Lda”, nem alegou factos dos quais pudesse resultar a impossibilidade daquela liquidar a totalidade da quantia resultante da livrança.

- Acresce que o Autor e o avalista D… assumiram a gerência da sociedade em 28.02.2001, tendo assumido tal cargo em exclusividade em 14.03.2013, data em que o Réu renunciou à gerência, e durante tal período o Autor e o avalista D… desviaram bens da sociedade, fazendo-os seus, no valor de €13.800,00, e receberam montantes correspondentes a pagamentos de clientes, devidos à sociedade, beneficiando, em conjunto, de tais quantias, num total de €37.900,00 tendo, de forma ilícita, ficado com tais valores, recebendo o Autor indevidamente €25.850,00.

- Assim, nos termos do artigo 847.º, n.º 1, do Código Civil, quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, pelo que o crédito da sociedade “F…, Lda” deve ser reconhecido de forma a que se opere a compensação, que invoca, e, nessa medida, não sendo a sociedade devedora de qualquer quantia ao Autor, também o Réu não pode ser condenado nos termos peticionados.

- Além disso, à data dos factos o Réu era sócio da “F…, Lda”, tendo uma quota de €9.000,00, correspondente a 30% do capital, donde decorre que ao mesmo caberia, a título de dividendos, a quantia correspondente a 30%, pelo que, sendo o Réu credor do Autor, sempre tal crédito sobre o Autor deve ser reconhecido, de forma que se opere a compensação entre ambos com a consequente extinção do crédito do Autor.

- O Autor apenas pode exigir ao Réu ¼ do que pagou; - O Réu não é responsável pelo pagamento de parte da quantia liquidada na execução, mas apenas de parte da quantia avalizada, que se cifra em €50.104,24, bem ainda que, não tendo havido interpelação apenas serão devidos juros de mora a partir da citação para a presente ação.

Termina defendendo que a presente ação deve ser julgada improcedente.

O Autor respondeu, pronunciando-se pela improcedência das exceções deduzidas pelo Réu.

Foi proferido despacho saneador, com valor de sentença, que julgou a ação parcialmente procedente, tendo condenado o Réu a pagar ao Autor a quantia de €13.847,90, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação, até integral pagamento.

O Réu recorreu desta decisão, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo: A - A decisão proferida no que, especificamente, respeita aos pontos B, C e D da sentença, para além de padecer de nulidade parcial, fez uma errada interpretação e aplicação do direito; Da nulidade parcial da sentença, por falta de fundamentação: B - Do ponto D) da douta sentença proferida, referente à comparticipação de cada um no valor da dívida, o Tribunal recorrido bastou-se a reproduzir um trecho de um Acórdão, não resultando qualquer análise à questão alegada pelo Recorrente, quer referente à aplicação da percentagem, quer quanto às despesas de execução, todas englobadas e peticionadas pelo Recorrido; C - O Tribunal a quo não fez porém, uma única menção ao facto em apreço, bastando-se com a transcrição de jurisprudência, sem discutir porém, a aplicação da percentagem dos 25% ou tão-pouco, a contabilização de uma quantia que não resulta do aval prestado, mas sim, apenas veio a decorrer do recurso à ação executiva e despesas daí resultantes; D - No que respeita ao ponto D) da decisão recorrida, facilmente constatamos que o dever imposto nos arts. 154.º e 607.º do C.P.C., não foi cumprido, resultando da mesma, uma total ausência de apreciação crítica, no que concerne à condenação do Recorrente na totalidade do montante peticionado; E - A falta de fundamentação consubstancia uma nulidade da sentença, porquanto as decisões judiciais, são nulas, quando não especifiquem “os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão” (cfr. alínea a) do n.º 1 do art. 615.º do C.P.C.), pelo que, a decisão enferma de nulidade, devendo ser sanada, em conformidade.

Da responsabilidade da devedora principal: F - Decidiu o Tribunal a quo, que “não sendo aplicável ao caso concreto o regime da fiança (…) somos levados a concluir que a procedência da presente ação não está dependente de o autor previamente acionar a sociedade ou de alegar e provar factos donde resulte que a mesma está impossibilitada de cumprir com a obrigação”; G - Tal não foi porém, não é o sentido da jurisprudência e da doutrina, que defendem não existir relações cambiárias entre os coavalistas, mas sim, relaçãoes de direito comum, pelo que, vigora pois, o regime jurídico da fiança – vejam-se a título meramente exemplificativo o Acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de 05/06/2012 e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25/03/2010 e Tribunal da Relação de Coimbra, de 03/06/2014, todos disponíveis in www.dgsi.pt; H - Tal entendimento, de resto, é ainda sufragado pelos Ilustres Professores Pires de Lima e Antunes Varela, in Cód. Civ. Anotado, Vol. I, de acordo com o quais: "Se o avalista cumpriu voluntariamente a obrigação, o seu regresso contra os coavalistas só é admissível depois de excutidos os bens do emitente do título e, só depois de acionado o subscritor da livrança, é que poderá exigir dos outros coavalistas, de harmonia com as regras das obrigações solidárias, as partes que proporcionalmente lhes cabem na dívida"; I - Consequentemente, sendo de aplicar ao regime do aval, no que à responsabilidade entre os coavalistas respeita, o artº 650º, nº3, do C.C., forçoso é concluir que “mesmo à falta da aludida convenção em contrário entre os coavalistas, só depois de excutidos os bens do emitente do título é que é admissível o direito de regresso contra os coavalistas para ressarcimento da parte da dívida que proporcionalmente lhes incumbe satisfazer”; J - Tal não se verificou no presente caso, porquanto a devedora F… não foi tão pouco, acionada, pelo Recorrido, pelo que, só depois de excutidos os bens da devedora, a sociedade F…, é que será admissível exigir do Recorrente o ressarcimento de parte da dívida que proporcionalmente, lhe incumbe satisfazer; K - O Tribunal a quo ao decidir em sentido contrário, violou o disposto no art. 650.º do C.C., devendo assim, ser tal decisão revogada e substituída por outra, em conformidade.

Da compensação de créditos: L - Entendeu o Tribunal recorrido que a questão da compensação de créditos, alegada pelo Recorrente, apenas era passível de apreciação através da dedução de reconvenção, pelo que, não o tendo sido, concluiu pela “inadmissibilidade legal de conhecimento da compensação invocada”; M - Acontece que, in casu, o Recorrente muito embora, tivesse alegado a existência de valores indevidamente recebidos pelo Recorrido, parte dos quais, cabiam àquele, na qualidade de sócio da devedora subscritora da livrança em apreço nestes autos, a sociedade F…, optou por invocar tais créditos apenas para efeitos de compensação e já não, por forma a pedir a condenação do Recorrido no pagamento de tais quantias ao mesmo; N - Ora, é entendimento jurisprudencial e doutrinal, que “nos casos em que, sendo o contra crédito do réu de montante inferior ao crédito do autor, aquele apenas alega tal crédito, não pedindo a condenação do autor no seu pagamento, mas invocando matéria factual...

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