Acórdão nº 984/15.4T9VFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 18 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA MANUELA PAUP
Data da Resolução18 de Janeiro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo número 984/15.4T9VFR.P1 Relatora: Maria Manuela Paupério Adjunta; Desembargadora Maria Ermelinda Carneiro Acordam em conferência na Primeira Secção do Tribunal da Relação do Porto I) - Relatório Nestes autos de processo comum com o número acima identificado que correram termos na Secção Crimina (J1) da Instância Local de Santa Maria da Feira, Tribunal da Comarca de Aveiro, veio a assistente B… interpor recurso da decisão proferida pela senhora juíza a quo apenas na parte em que rejeitou o recebimento da acusação particular por si deduzida e que imputava ao arguido C… o cometimento de dois crimes de injúrias, previstos e punidos, cada um deles, pelo disposto no artigo 182º do Código Penal, fazendo-o nos termos e com os fundamentos que constam de folhas 128 verso a 146 verso, destes autos, que agora aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os legais efeitos, concluindo pela forma seguinte: (transcrição) «I. A Recorrente instaurou em 11/05/2015, queixa-crime contra C…, pela prática de dois crimes de injúria e um crime de ameaça.

  1. A ofendida requereu em devido tempo a sua constituição como Assistente, estatuto processual que lhe foi reconhecido e admitido por despacho notificado à mesma em 29/19/2015.

  2. Foram inquiridas as testemunhas por si indicadas, todas elas colegas de trabalho, com conhecimento directo dos factos denunciados e que confirmaram a prática dos mesmos pelo denunciado, aliás nem isso foi posto em causa no despacho recorrido.

  3. Foi posteriormente, questionada presencialmente a ofendida, nos Serviços do M.P. de Santa Maria da Feira, sobre a concordância com a aplicação da Medida de Suspensão Provisória do Processo, a qual declinou, justificadamente, explicando que o arguido trabalha lado a lado consigo todos dos dias, nunca mostrou arrependimento, bem pelo contrário persiste numa atitude altiva, provocatória, tapando o nariz quando a ofendida passa (sugerindo que esta cheira mal), à frente dos demais colegas, vexando e humilhando-a.

  4. Em 13/11/2015, foi a assistente notificada para, querendo, em 10 dias deduzir Acusação Particular, o que esta veio a fazer por requerimento que deu entrada em 23/11/2015.

  5. A referida Acusação Particular foi acompanhada pelo Digno Magistrado do Ministério Público, relativamente aos dois crimes de injúria.

  6. Em 30/11/2015, a ofendida foi notificada do despacho de Arquivamento/Acusação Particular, em que o Ministério Público veio acompanhar a Acusação Particular apresentada pela ofendida, quanto à prática pelo arguido na forma consumada de dois crimes de Injúria, p.p. pelo art° 182º do C.Penal, já não acusando quanto ao crime de ameaça, por entender não se vislumbrar a prática de tal crime.

  7. Deste despacho não houve recurso por parte da ofendida, que embora não concordando, sendo de parcos recursos económicos, ponderou tal facto e no pressuposto para si inquestionável - até porque corroborado pelo Digno Magistrado do M.º Público - de que o processo prosseguiria até à fase de julgamento, quanto aos crimes de injúria, teria possibilidade de pelo menos ver reparado o dano provocado pelo arguido na sua dignidade como pessoa e mulher.

  8. Recorre apenas da parte do Despacho de Rejeição da Acusação Particular quanto à prática pelo arguido de dois crimes de injúria, por ter sido julgada infundada, considerando as expressões proferidas "lamber as botas" e "andou em direcção à ofendida, olhou para ela e colocou as duas mãos no ar, apenas com os dedos médios erguidos e virou-lhe costas!" apenas sinal de má educação ou grosseria e nada mais.

  9. Recebido o despacho que acaba de se transcrever e verificado o lapso de escrita que continha "lamber as bolas" e não "lamber as botas", apresentou a Recorrente em 09/03/2016 um requerimento pedindo que se rectificasse o douto despacho proferido a fls, quanto ao lapso que, em seu entender só podia ter sido a causa da rejeição da acusação particular e o sentido da decisão (encontrando em curso o prazo de recurso que terminava a 15/04/201 6), XI. Seguiu-se despacho ordenando a rectificação do lapso de escrita "lamber as bolas" e não "lamber as botas", mas concluindo que "Apesar da rectificação do lapso acima mencionada, a mesma afigura-se-nos absolutamente irrelevante para a decisão proferida".

  10. A recorrente não se conforma com a decisão proferida, já que a expressão "tem ali aquelas folhas estragadas para ir mostrar ao patrão e ficar bem vista, "só lhe falta lamber-lhe as bolas:" é uma expressão sempre e por si só injuriosa, o que o arguido quis dizer foi "só lhe falta lamber os testículos ao patrão".

  11. Quis dizer o arguido maldosa e dolosamente que a ofendida até era capaz de ter relações de sexo, (inclusivamente sexo oral) com o mesmo para lhe agradar.

  12. Já quanto aos factos passados no dia 23 de Abril, dia seguinte, "andou em direcção à ofendida, olhou para ela e colocou as duas mãos no ar, apenas com os dedos médios erguidos e virou-lhe costas!", é do senso comum que é esse o significado de tal gesto, de carácter altamente injurioso e que o dedo médio erguido alude, para a generalidade dos cidadãos a um "pénis erecto", XVII. Tais palavras e gestos humilharam a ofendida na sua dignidade de ser humano e mulher.

  13. A análise das expressões e gestos em causa, tem que ser feita no contexto do presente processo, as expressões proferidas não podem ser analisadas apenas em teoria mas tendo ainda em conta o local onde ocorreram, e o facto de a recorrente continuar aí a conviver diariamente com o arguido diariamente e com os restantes colegas de trabalho.

  14. As injúrias praticadas pelo arguido quer através das palavras proferidas que por força dos gestos levados a cabo, visaram vexar. humilhar. diminuir a auto estima da recorrente. afectá-Ia na sua dignidade, quer como ser humano e como mulher.

  15. E pelo exposto, entende a recorrente que a acusação particular deveria ter merecido um despacho de recebimento e nunca de rejeição e ao não o ter feito violou a decisão recorrida, o disposto não só no aludido, preceito bem como no art.º 3110 do C. P. Penal, bem como lesa ainda o direito ao "bom nome e reputação" previsto no art° 260 da Constituição da Republica Portuguesa e a honra do aqui recorrente, violando assim a lei fundamental.

  16. As palavras proferidas e gestos realizados são expressão objectiva e subjectiva da verdadeira ofensa, tudo praticado de forma livre, voluntária e pensada pelo arguido. No presente caso o arguido ao proferir as palavras descritas, teve como finalidade fazer um juízo acerca da dignidade da recorrente, verificando-se para além do elemento objectivo o elemento subjectivo do crime de injúria.

  17. O bem jurídico protegido pela incriminação do crime de injúria é a honra, a qual se pode desdobrar numa perspectiva interna traduzida na ideia que cada um de nós tem de si, e numa outra, externa, traduzida na conta em que somos tidos por terceiros.

  18. A decisão recorrida violou entre outros o art° 181° e 311° do C. P. Penal, o art° 70° e seguintes do Código Civil e o art° 26° da Constituição da Republica Portuguesa.» A este recurso respondeu o arguido, conforme emerge de folhas 161 a 165, pronunciando-se no sentido de que a decisão proferida não merece qualquer reparo.

A folhas 168 a 183 encontra-se a posição do Ministério Público junto do tribunal recorrido a qual se encontra condensada nas conclusões seguintes: (transcrição) «I. A Recorrente instaurou em 11/05/2015, queixa - crime contra C…, pela prática de dois crimes de injúria e um crime de ameaça Incide o recurso na decisão de rejeição da acusação particular quanto aos factos subsumíveis aos crimes de injúria considerando o tribunal “a quo” ser a acusação manifestamente infundada por não configurar crime qualquer das condutas que ao arguido são imputadas; Porém, o despacho de recebimento da acusação a que se referem os artigos 311.° e 312.° do CPP, e, se divergir da qualificação jurídica dos respectivos factos, o Juiz pode (e deve) proceder ao enquadramento jurídico - penal que tenha por mais adequado, sem contudo, perder de vista que, em caso de considerar a inexistência do crime, tão só em casos limite e claramente inequívocos e incontroversos tal deve ocorrer; Com efeito, o Tribunal ao proferir o despacho a que alude o art. 311º do Código de Processo Penal, quando se trata de crime particular, terá de analisar a acusação no seu todo, ou seja, a acusação particular apresentada pela assistente e ainda, quando haja acompanhamento ou aditamento à mesma, o teor do despacho proferido pelo Ministério Público; Ademais, a previsão da al. d) do n°3 do art° 311° do C.P.P. não pode valer para os casos em que só o entendimento doutrinal ou jurisprudencial adoptado, quando outro diverso se poderia colocar...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT