Acórdão nº 10796/15.0T8VNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 05 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelNELSON FERNANDES
Data da Resolução05 de Janeiro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

PROCESSO Nº 10796/15.0T8VNG.P1 Apelação 10796/15.0T8VNG.P1 Autor: B… Ré: C…, Unipessoal, Lda.

_______ Relator: Nélson Fernandes 1º Adjunto: Des. M. Fernanda Soares 2º Adjunto: Des. Domingos José de Morais Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto I - Relatório 1.

B… instaurou acção ação declarativa sob a forma de processo comum contra a Ré C…, Unipessoal, Lda., pedindo a condenação desta a pagar-lhe uma indemnização de €3.880,16 pela resolução com justa causa do contrato de trabalho e €3.000 por danos morais, quantias acrescidas de juros de mora.

Para tanto e em síntese, alegou a Autora que, trabalhando para a Ré desde 1/09/2009 como empregada de andares, o seu superior, que a vinha insultando, no dia 20/10/2015 e por causa de uma pretensa queixa de um cliente sobre cabelos no quarto, a chamou de lerda, porca e outros insultos, deixando-a de tal modo nervosa e receosa que teve de ser acompanhada ao hospital pelo marido, razão pela qual resolveu o contrato de trabalho, com justa causa, por carta de 20/11/2015.

1.1.

Frustrada a tentativa de conciliação levada a efeito na audiência de partes, a Ré apresentou contestação, na qual, em síntese, sustenta serem apenas atendíveis para a apreciação da justa causa os factos alegados na carta de resolução e sendo esses apenas os do dia 20/10/2015, os mesmos são falsos, referindo ainda que houve diversas reclamações contra o serviço da Autora, sendo essa a insultar o gerente da Ré, que estava a preparar um processo disciplinar.

1.2.

Foi proferido despacho saneador, no qual, para além de se fixar o valor da causa em €6.880,16, se dispensou a enunciação de base instrutória ou temas de prova.

1.3.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, veio por fim a ser proferida sentença, de cujo dispositivo consta: “Pelo exposto, decide-se julgar totalmente improcedente por não provada a presente ação que a Autora B… moveu contra a Ré C…, Unipessoal, Lda., absolvendo-se esta do(s) pedido(s) formulado(s) por aquela.” 2.

Não se conformando com o assim decidido, apresentou a Autora recurso de apelação, de cujas alegações formula as seguintes conclusões.

“1º - O entendimento perfilhado na decisão sub judice não tem qualquer sustentabilidade jurídica quer no plano processual quer na vertente substantiva, já que se encontra inquinado de múltiplos erros, por um lado, de apreciação dos factos provados e, por outro, de interpretação e aplicação das disposições legais que, adjectiva e substantivamente, incidem sobre o “thema decidendum”; 2º - Em face da factualidade apurada e do(s) pedido(s) formulado(s), a questão essencial a decidir é a de determinar se a A. tinha justa causa para resolver, como resolveu em 20/11/2015, o contrato de trabalho que mantinha com a R. desde 1/09/2009; 3º - Obteve-se a prova manifesta de que, ainda que por vezes, o gerente da Recorrida apelidava a Recorrente de incompetente; que, no dia 20/10/2015 a acusou de não ter limpo o quarto 9, conforme lhe pedira; que isso levou a uma reclamação de um cliente por cabelos deixados no wc e cama; que a A. era incompetente e estava a fazer perder clientes ao motel; 4º - Ao contrário do entendido pelo Juiz à quo, pode-se afirmar a manifesta existência de uma situação de "mobbing" ou assédio moral; 5º - Por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em factor de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador; 6º - O assédio moral consubstancia uma actuação persecutória, humilhante, vexatória, geradora de um ambiente de trabalho degradante, intimidativo ou desestabilizador, o que, mediante a factualidade dada como provada, foi o que aconteceu no caso em apreço; 7º - A Recorrente conseguiu mediante a factualidade dada como provada, demonstrar ter sido vítima de assédio moral, ou seja, de ter sido repetidamente sujeita a actuações violadoras da sua integridade moral; 8º -Estando nós perante um caso de assédio moral não discriminatório, pois o comportamento indesejado da Recorrida não se baseou em nenhum factor discriminatório, mas, pelo seu carácter continuado e insidioso, tem os mesmos efeitos hostis, almejando, em última análise, afastar aquele trabalhador da empresa (mobbing); 9º - Existem nos autos factos suficientes que permitem, inequivocamente, concluir que a mesma «foi objecto de assédio moral praticado directamente pela seu superior hierárquico, que continuadamente afectou a sua dignidade, causando-lhe um ambiente intimidatório, hostil, degradante, humilhante e desestabilizador que se arrastou no tempo e determinou que a recorrente tivesse de recorrer a baixas médicas; 10º - Como determina o n.º 4 do referido art. 441.º, a apreciação da justa causa deve ser feita nos termos do art. 396.º, nº 2 do C.T., com as necessárias adaptações, sendo que este preceito legal manda atender, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e seus companheiros e demais circunstâncias que no caso se revelem pertinentes; 11º - Conforme tem entendido Supremo Tribunal de Justiça, não obstante as circunstâncias a apreciar para a verificação da justa causa para a resolução do contrato por parte do trabalhador serem reportadas às estabelecidas para os casos da justa causa de despedimento levado a cabo pelo empregador, o juízo de inexigibilidade da manutenção do vínculo tem de ser valorado de uma forma menos exigente relativamente à que se impõe para a cessação do vínculo pelo empregador, uma vez que este, ao contrário do trabalhador, tem ao seu dispor outros meios legais de reacção à violação dos deveres laborais; 12º - O alegado mobbing ou assédio moral, terá que ser apreciado no âmbito da violação do direito à integridade da Recorrente pois existe uma manifesta violação por parte da Recorrida das garantias legais da Recorrente, face ao comportamento realizado pela Recorrida sendo de afirmar a culpa desta, apenas se podendo concluir pela inexigibilidade da manutenção do vínculo por parte da Recorrente; 13º - Apenas se podendo concluir que o superior hierárquico da Recorrente, gerente da Recorrida, praticou comportamentos violadores do dever de a respeitar e tratar com urbanidade, considerou que, no momento em que a Recorrente procedeu à resolução do contrato de trabalho; 14º - Sendo este comportamento, objectivamente, violador dos deveres de respeito, urbanidade e probidade para com o trabalhador e de lhe proporcionar boas condições de trabalho a nível psíquico; 15º - Ao contrário do entendido pelo Tribunal à quo, o comportamento da Recorrida só poderá ser considerado culposo, pois o mesmo consubstancia-se numa manifesta ofensa à integridade moral do trabalhador que justifica a resolução do contrato; 16º - Não tendo a mesma que ser uma ofensa punível por lei, designadamente por constituir injuria, bastando que a mesma seja de tal modo grave que, pelas circunstâncias em que ocorreu ou pelas suas consequências, tornou inexigível por parte da Recorrente a manutenção da relação de trabalho, em circunstâncias idênticas às que constituem justa causa de despedimento pelo empregador (art. 351º do C.T.); 17º - Ao assim não entender, mal andou o Tribunal à quo tendo violado com a decisão proferida as normas jurídicas dos Artigos 29º, 127º, n.º 1, alíneas a) e c), 394º, 351º, n.º 3, 396º e 496º, todos do Código do Trabalho.

Termos em que, no provimento do presente recurso, deve a sentença recorrida ser totalmente revogada e substituída por outra que julgue procedente a justa causa da rescisão contratual levada a efeito pelo Recorrente e, consequentemente, condene a Recorrida no pagamento da indemnização legal, bem como a peticionada indemnização por danos morais, acrescidas dos respectivos juros de mora.” 2.1.

Não foram apresentadas contra-alegações.

2.2. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer (fls. 142/3) no sentido da improcedência do recurso.

***Corridos os vistos legais, nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir.

*II – Questões a resolver Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do NCPC – aplicável “ex vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: a) Saber se os factos consubstanciam justa causa para o despedimento por parta da Autora/recorrente; Dependendo da resposta dada anteriormente, apreciação ou não dos pedidos formulados pela Autora.

***III – Fundamentação A. De facto A.1. Esclarecimento prévio: Constando da factualidade provada a remessa para os documentos de fls. 32 a 34 e 80 e 81, apenas com a menção de que se considera provado o seu conteúdo, até pela importância que podem assumir na acção – respectivamente, comunicação do despedimento por parte da Autora e resposta a essa por parte da Ré –, entende-se que se deveria ter referido, diversamente da opção tomada, nomeadamente o conteúdo relevante desses documentos, razão pela qual, na indicação dos factos que consideraremos infra como provados, tal se fará constar.

A.2. Atendendo ao que se referiu anteriormente, os factos considerados provados pelo tribunal recorrido são os seguidamente transcritos: “1 - A R. admitiu ao seu serviço a A. em 01 de Setembro de 2009, para trabalhar sob suas ordens, instruções e fiscalização.

2 - Convencionaram um contrato de trabalho a termo certo pelo período de 6 meses, tendo este sido renovado até se tornar sem termo.

3 - A R. classificava profissionalmente a A. com a categoria de Empregada de Andares, conforme contrato de trabalho e alteração do mesmo documentados a fls. 20 a 24 e 29 a 30, respectivamente.

4 - A A. auferia da R. uma...

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