Acórdão nº 6945/06.7TBMTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 24 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelANABELA DIAS DA SILVA
Data da Resolução24 de Janeiro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Apelação Processo n.º 6945/06.7 TBMTS.P1 Comarca do Porto – Póvoa de Varzim – Instância Central – 2.ª Secção Cível – J1 Recorrente – B… Recorrida – Rede Ferroviária Nacional – REFER, EP Relatora – Anabela Dias da Silva Adjuntas – Desemb. Ana Lucinda Cabral Desemb. Maria do Carmo Domingues Acordam no Tribunal da Relação do Porto (1.ªsecção cível) I – B…, instaurou na Comarca do Porto – Póvoa de Varzim – Instância Central – 2.ª Secção Cível a presente acção declarativa com processo ordinário contra Rede Ferroviária Nacional - REFER, EP., com sede na ..., Lisboa, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de €79.919,48 acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação e até integral pagamento.

Alegou, em síntese, que no dia 27.02.2004, ocorreu um acidente entre o veículo que conduzia e um comboio que circulava na via-férrea e que abalroou o seu veículo, arrastando-o por cerca de 25 metros, sendo que era à ré que incumbia a manutenção da linha ferroviária. O acidente ocorreu porque os sinais luminosos e sonoros existentes no local não funcionaram e não emitiram qualquer sinal de aviso de aproximação de comboio, pelo que o autor não suspeitava da aproximação do mesmo, ao que acresce que no local existiam uns arbustos daninhos que o impediam de ver a aproximação do comboio. Em consequência do acidente, teve vários prejuízos, que reclama da ré, nomeadamente com a destruição da viatura teve um prejuízo de €9.500,00, com perdas salariais teve um prejuízo de €2.919,48, com a privação do uso do veículo teve um prejuízo que avalia em €2.500,00, teve danos morais que avalia em €15.000,00 e pela incapacidade que ficou a padecer e que implicou perda de ganho, pede uma indemnização no valor de €50.000,00.

*A ré, regularmente citada, veio contestar e deduzir pedido reconvencional, pedindo que a acção fosse julgada improcedente e a ré absolvida do pedido e que o autor/reconvindo fosse condenado a pagar a quantia de €59,04 pelos danos que provocou com o acidente.

Alegou, em síntese, que o acidente ocorreu por culpa exclusiva do autor, pois à data do acidente os sinais sonoros e luminosos estavam em perfeito funcionamento, pelo que foi a atitude negligente e de flagrante falta de atenção com que o autor abordou a passagem de nível que causou o acidente. Impugna os danos invocados pelo autor e refere que a ré teve um prejuízo de €59,04, que pede o autor seja condenado a pagar.

*O autor veio replicar, mantendo o já alegado na petição inicial e defendendo que não sendo o acidente imputável ao autor, mas sim única e exclusivamente à ré, não pode o autor ser condenado no pagamento da quantia peticionada em reconvenção.

Conclui pedindo que o pedido reconvencional seja julgado improcedente.

*Foi proferido despacho saneador, onde se admitiu o pedido reconvencional, foi saneado o processo e foram seleccionados os factos assentes e a base instrutória.

Tal despacho não foi objecto de qualquer reclamação.

*Foi realizada audiência de julgamento, após o que foi proferida decisão sobre a matéria de facto, sem censura das partes.

Finalmente foi proferida sentença de onde conta: “Pelo exposto, o Tribunal decide: A. Julgar a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolver a ré do pedido.

  1. Julgar a reconvenção totalmente improcedente e, em consequência, absolver o autor/reconvindo do pedido”.

*Inconformado com tal decisão dela veio o autor recorrer de apelação pedindo que a mesma seja revogada e substituída por outra que que julgue a acção parcialmente provada e procedente e condene a ré a pagar ao autor a quantia de €58.919,48, com juros de mora à taxa legal desde a citação até pagamento O apelante juntou aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes conclusões: 1) O Exm.º Juiz “a quo” concluiu que a sinalização estava em perfeito funcionamento e que, como tal, o autor iniciou a travessia da passagem de nível, sem atentar nesses avisos sonoro e luminoso de aproximação de comboio, (dando por não provados os factos constantes dos art.ºs 2.º e 3.º da base instrutória e por provados os factos integrados nos art.ºs 33.º e 36.º da mesma), desconsiderando, pura e simplesmente, o depoimento das testemunhas que presenciaram o acidente C…, D…, E… e dando crédito às duas testemunhas da ré, F… e G….

2) Estas duas testemunhas eram funcionários da ré e, caso se provasse que o acidente era imputável à Refer por deficiente funcionamento ou não funcionamento dos sinais de aviso de aproximação de comboio seriam as pessoas responsáveis pelo acidente, facto esse que só por si bastaria para o Tribunal não excluir, como excluiu, a hipótese de estarem a mentir! 3) Aliás e neste campo, não deixa de constituir “sinal de alarme”, de suspeição, no depoimento da testemunha G…, o tempo que esta levou, “as voltas que deu” até assumir que, se o acidente fosse imputável à Refer, a responsabilidade seria sua.

4) As testemunhas indicadas pelo autor nenhum interesse tinham na decisão da causa e algumas delas nem conheciam o autor, outras só o conheciam de vista.

5) A hipótese adiantada pelo Exm.º Juiz “a quo” para retirar credibilidade às testemunhas indicadas pelo autor não passa de uma hipótese meramente teórica, uma conjectura sem consistência real e fáctica, uma vez que nada nos autos indicia ou faz suspeitar esse facto – o sentimento de solidariedade com a vítima do acidente.

6) A eventual solidariedade para com o autor, se existisse, não decorria do simples facto de por lá passarem com alguma frequência e só por isso estarem sujeitas ao mesmo tipo de acidente, mas sim, cumulativamente, do facto de, para além dessa passagem frequente, os semáforos estarem sem funcionar; ou seja, bastar terem de lá passar para ficarem sujeitas a esse perigo de não funcionamento dos sinais.

7) A afirmação de que a atenção das primeiras testemunhas se focou na ocorrência do acidente em si e, como tal, não teriam prestado ou poderiam não ter prestado atenção aos semáforos constitui uma hipótese ou conjectura que não oferece qualquer consistência no circunstancialismo em que ocorreu o acidente: por força de uns arbustos que a Refer desleixadamente deixou crescer junto à linha, à data do sinistro, os condutores não tinham qualquer visibilidade da mesma linha, em relação ao seu lado direito, atento o sentido em que seguia o autor e de onde proveio o comboio abalroante! 8) Mas sendo assim, se os semáforos estivessem a funcionar a atenção de todas essas testemunhas prender-se-ia na “loucura” do autor (que teria durado “longos” segundos, quiçá um minuto) que sem visibilidade e com esses sinais a funcionar se atreveu “suicidariamente” a arriscar, invadindo a linha férrea! 9) Antes do acidente e perante essa manobra de invasão lenta e gradual por parte do autor – própria de quem não tinha qualquer visibilidade - se os sinais estivessem a funcionar, a atenção das testemunhas seria concentrada nessa manobra suicidária do mesmo. Que certamente, elas, testemunhas nunca fariam porque … respeitavam os sinais! 10) Esse mesmo pormenor releva também para ajudar à compreensão do mesmo acidente e concluir que seria, no mínimo, muito pouco provável que os sinais de aproximação do comboio estivessem a funcionar quando o autor iniciou a travessia pois que, excluindo a hipótese de tentativa de suicídio, nenhum condutor, por muito incauto que seja, ao ouvir o sinal sonoro e ao ver o sinal luminoso de aproximação de comboio accionado, numa passagem de nível sem visibilidade, tenta atravessar a mesma, “metendo” a frente da viatura lentamente na via férrea! 11) Se os semáforos estivessem accionados e o sinal sonoro também a funcionar e inexistisse, como inexistia, visibilidade para a direita, o autor nunca se atreveria a entrar lenta e gradualmente na via férrea, como fez! 12) Para além disso é inaceitável a desvalorização do depoimento da testemunha D…, com o fundamento de que, citámos “… passou no local antes do Autor (e, portanto, antes de o comboio passar), sendo por isso natural que nesse momento o sinal não proibisse (nem devesse proibir) a passagem” pois a mesma testemunha foi bem clara ao afirmar que ia à frente da viatura do autor que “vinha quase junto a mim” e que o acidente ocorreu logo após ela ter “descido” da passagem de nível, o que tudo conjugado entre si permite concluir, sem a mínima dúvida, que quando a testemunha passou a via férrea, os sinais teriam de estar já accionados se estivessem de facto a funcionar correctamente ou, dito de outro modo, não estivessem avariados.

13) O doc. de fls. 51 enferma da mesma “maleita” que a prova emergente das testemunhas da ré, na medida em que – como foi referido pela testemunha G… - esse registo de anomalias depende de actividade humana e não decorre apenas de automatismos; 14) Sem qualquer compromisso ou ligação ao autor, que nem sequer conheciam ou conheciam apenas de vista e sem qualquer interesse pessoal na decisão, o depoimento das testemunhas C...

, D… e H…, criticamente apreciados e com especial relevo para os pormenores que acima se salientaram justificam que se considerem provados os factos constantes dos art.ºs 2.º e 3.º da base instrutória nos termos seguintes: 2. O que fez porque nenhum dos sinais sonoro e luminoso se encontrava accionado, não emitindo qualquer aviso de aproximação de composição ferroviária 3. Provado que os sinais, sonoro e luminosos, estavam avariados.

15) E se considerem não provados os factos constantes dos art.ºs 33.º e 36.º da base instrutória.

16) Ainda que assim não fosse, a resposta de provado ao art.º 33.º nunca se poderia manter com a actual redacção, face à resposta dada ao art.º 4.º da mesma base: a Refer por incúria deixou crescer uns arbustos daninhos junto aos semáforos os quais impediam os condutores de visualizar a aproximação do comboio.

17) Por isso, a resposta só poderia ser, na pior das hipóteses para o autor, “Na ocasião do acidente a referida passagem de nível estava devidamente sinalizada com os sinais sonoros e luminosos em perfeito funcionamento”...

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