Acórdão nº 14407/13.0TDPRT-D.P2 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 25 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelJORGE LANGWEG
Data da Resolução25 de Janeiro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 14407/13.0TDPRT-D.P2 Data do acórdão: 25 de Janeiro de 2017 Relator: Jorge M. Langweg Adjunta: Maria Dolores da Silva e Sousa Origem: Comarca do Porto Instância Central | 1ª Secção de Instrução Criminal Sumário: 1 - Não deve ser arrestada a totalidade do saldo bancário depositado em conta contitulada quando apenas um dos titulares é o arguido/devedor, a menos que seja feita prova de que a totalidade do saldo é de sua propriedade, ou o arresto tiver sido realizado no âmbito do regime de perda ampliada de bens [art. 7.°, 2, a), da Lei n.° 5/2002, de 11 de janeiro].

2 - Não ocorrendo nenhuma dessas situações, apenas deve ser arrestado o saldo da conta bancária que se presuma pertencer ao arguido – ou seja, metade do seu valor, sendo dois os titulares, à luz do disposto no artigo 516º do Código Civil – e, nos termos do disposto no artigo 780º, 2, ex vi do artigo 391º, 2, ambos do Código de Processo Civil, deve ser comunicado à instituição de crédito que apenas fica arrestada a quota-parte do arguido no saldo bancário, desde a data do envio da comunicação eletrónica.

Acordam os juízes acima identificados do Tribunal da Relação do Porto Nos presentes autos acima identificados, em que figura como recorrente a embargante B…; I – RELATÓRIO 1. A embargante interpôs recurso da decisão proferida em 31 de Outubro de 2016, que rejeitou os embargos deduzidos pela ora recorrente.

  1. Inconformada com a decisão, a embargante interpôs recurso da mesma, formulando as seguintes conclusões na motivação de recurso: «A douta decisão recorrida padece de vários vícios, a saber: erro de julgamento, omissão de pronúncia e falta/vício de fundamentação, nos termos definidos nas alíneas b) e d) do n° 1 do artigo 615° do CPC ex vi artigo 228° do CPP.

    O Tribunal a quo ignorou a presunção legal estabelecida nos artigos 512° e 516° do Cód. Civil e 780° n°2 do Cód. Proc. Civil, bem como o regime legal estabelecido no artigo 7o da Lei 5/2002 de 11 de Janeiro.

    Mal andou o tribunal a quo a determinar a data de 14 de Agosto de 2004 como a da abertura da conta bancária da recorrente, porquanto segundo documento de fls. 40 e 50 dos autos emitido pela C…., a conta bancária em questão foi aberta em 1 de Outubro de 1986.

    Deve este Venerando Tribunal alterar a matéria de facto dada como indiciariamente provada pelo Tribunal, passando a resultar como provado que: "B… é titular da conta com o n° ……….. da C… (agência de …), aberta em 01.10.1986. " A exigência de fundamentação da sentença, cuja veste constitucional se encontra consagrada no artigo 205° n° 1 da CRP cumpre uma dupla função: de carácter objectivo - pacificação social, legitimidade e autocontrole das decisões; e de carácter subjectivo - garantia do direito ao recurso e controlo da correcção material e formal das decisões pelos seus destinatários.

    De acordo com os números 3 e 4 do artigo 607° do CPC, aplicável ex vi artigo 228° do Cód. Proc. Penal, a sentença assenta numa dupla fundamentação: de facto e de direito, exigindo-se a indicação do substracto fáctico que se encontra provado e não provado, com análise crítica do acervo probatório carreado para o processo, fundamentando o sentido decisório escolhido e posteriormente deverá o julgador analisar os enquadramentos jurídico-legais potencialmente aplicáveis e justificar a opção por um deles em detrimento dos restantes.

    Nos termos do disposto na alínea d) do n°l do artigo 615° do Cód. Proc. Civil é nula a sentença quando "o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar resultando daqui o dever do julgador responder a todos os pedidos formulados, o mesmo sucedendo relativamente às várias causas de pedir e pedidos invocados.

    É nula a sentença recorrida por falta de fundamentação, nos termos e para os efeitos nas alíneas b) do n°1q do artigo 615° do CPC, porquanto ao apenas dar como provados alguns depósitos feitos na conta em questão - imiscuindo-se de se pronunciar em relação aos restantes coarctou o direito ao recurso à embargante uma vez que não lhe foi dado a conhecer qual o critério seguido para tal determinação e para a conclusão da titularidade dos mesmos.

    É insuficiente a mera indicação pelo tribunal a quo de que não considerou, em parte, o depoimento da testemunha D… credível, desacompanhada da respectiva justificação, ficando, inclusive, a dúvida se terá aquele considerado credível noutra parte?! Em qual?! Em que sentido.

    O conceito de usos sociais é vago e de teor e alcance claramente alargados, variando consoante o estrato social das pessoas envolvidas, o poder económico, tradições familiares, a localização geográfica ou mesmo a origem etnográfica, entre outras circunstâncias.

    O tribunal recorrido, não pode - de forma isolada e não circunstanciada - fundamentar a sua decisão no conceito "usos sociais", porquanto à recorrente não é fornecida qualquer bitola que lhe permita questionar, em sede de recurso, esse mesmo raciocínio, bem como a sua subsunção à controvertida factualidade.

    Pelas razões indicadas supra em 10a e 11a, a sentença recorrida violou o disposto no n°4, 2o parte, do artigo 607°, mais se encontrando ferida da nulidade previstas na alínea b) do n°l do artigo 615°, todos do CPC.

    O tribunal a quo considerou provadas as datas em que os depósitos superiores a 500€ ocorreram todavia não analisou essa prova conjugadamente com a evolução da titularidade daquela, o que se lhe impunha uma vez que o que se discute é a titularidade das verbas depositadas na mesma.

    Até 26 de Fevereiro de 2008 a recorrente foi a única titular da conta, pelo que as quantias até aí depositadas são da sua exclusiva propriedade, não tendo resultado provado que as mesmas eram propriedade de terceiros, impondo-se, por consequência, ao tribunal a quo ordenar o levantamento do arresto, pelo menos e desde logo, sobre as quantias depositadas em conta até essa data [10.000€ + 2.500€ + 1.250€ + 1.200€ + 5.000€], sob pena de uma errada valoração da prova produzida e do regime legalmente aplicável.

    O tribunal recorrido ignorou uma presunção legal de que não podia deixar de conhecer e que o Ministério Público não conseguiu ilidir - presunção de contitularidade do dinheiro depositado nas contas de depósitos à ordem, tem vindo a ser pacificamente entendido como acolhida pelo regime dos artigos 512° e 516° do Cód. Civil e expressamente consagrada no n° 2 do actual artigo 780° (antigo 861°-A) do Cód. Proc. Civil, Sendo a Recorrente e F… co-titulares da conta bancária em questão, sempre esta será proprietária de 50% das quantias aí depositadas após 26 de Fevereiro de 2008.

    É flagrante na sentença recorrida uma total e absoluta ausência de argumentação jurídica fundamentadora do sentido decisório, inexistindo qualquer apreciação - quer no sentido da subsunção quer da não aplicação - da dita presunção legal, sendo em consequência a mesma nula nos termos e para os efeitos do previsto nas alíneas b) e d) do n°1 do artigo 615° do CPC.

    A recorrente fundamentou o seu pedido e causa de pedir no regime previsto na Lei 5/2002 de 11.01, pelo que o tribunal a quo tinha o dever de se pronunciar no sentido da sua aplicação ou afastamento aos factos em discussão nos autos.

    Este último - numa total ausência de argumentação jurídica da sua decisão - sequer determinou qual o regime legal em que se baseou para ditar a sentença no sentido que o fez, ou fundamentou a não aplicação do regime legal em que a recorrente alicerçou a sua pretensão.

    E igualmente nesta parte nula a sentença recorrida nos termos definidos nas alíneas b) e d) do n°l do artigo 615° do Cód. Proc. Civil.

    A Lei supra citada é especial - aplicada especificamente a um tipificado catálogo de crimes onde se inclui o crime de corrupção activa e passiva em investigação nos autos principais - pelo que a sua aplicação afasta o regime previsto no artigo 111o do Cód. Penal.

    Dispõe a alínea b) do n°2 do artigo 7o da Lei 5/2002 que se entende como património do arguido, entre outros, "conjunto de bens do arguido transferidos para terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, nos cinco anos anteriores à constituição como arguido".

    E esta lei que elege a bitola para definir o património do arguido - para efeitos de determinação da quantia a perder a favor do Estado - como o que o mesmo movimentou, inclusive na titularidade de terceiros, nos cinco anos anteriores à sua constituição como arguido, não pode, por consequência, o arresto decretado incidir sobre bens que o mesmo (alegadamente) fosse titular antes desse período, Pelo que o decretado arresto preventivo apenas se poderá manter sobre as quantias depositadas na conta bancária em discussão após 14 de Janeiro de 2011, ou seja, 4.500€, 1.000€ e 1.500€ depositadas respectivamente em 24 de Novembro de 2011,4 de Maio de 2011 e 9 de Novembro do mesmo ano.

    Para efeitos de efectivação e decretamento de perda de quaisquer valores a favor do Estado que possam consubstanciar alegada vantagem criminosa só é escrutinado o património do visado nos cinco anos anteriores à sua constituição como arguido, o que significa que o património que o mesmo detém directa ou indirectamente anterior a essa data é irrelevante não podendo ser afectado — independentemente da datas em que ocorreram os factos investigados.

    Impunha-se ao tribunal a quo uma decisão no sentido de conceder provimento parcial ao pedido da aqui recorrente, decretando consequentemente o levantamento do arresto preventivo sobre todas as quantias depositadas na conta n° ……….. da C… (agência de …) titulada por B… até 14 de Janeiro de 2011.» 3.

    Notificado da motivação do recurso, o Ministério Público respondeu, apresentando contra-alegações, de forma fundamentada, nas quais formulou as conclusões seguidamente enunciadas: «A recorrente afirma, em síntese, que a douta sentença ora posta em crise padece de vários vícios, designadamente, de erro de julgamento e de omissão de pronúncia e falta/vício de fundamentação, nos termos das alíneas b) e d), do nº 1, do artigo 615º, do Código...

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